A letra da canção dos Deolinda deu voz a uma geração que, sendo a mais qualificada de sempre no país, não conhece outra realidade no mercado de trabalho que não a da precariedade. “Parva que sou” tornou-se um grito de revolta entre os milhares de jovens que saem das universidades portuguesas e saltitam de estágio em estágio, sem qualquer remuneração. Numa altura em que a taxa de desemprego nacional já supera os 11% e o número de diplomados precários mais do que duplicou em dez anos, eis que a música inspira uma geração a sair às ruas, em protesto pela sua eterna condição precária.
Em pouco mais de meia hora o Protesto da Geração à Rasca, “apartidário, laico e pacífico”, convocado para 12 de março, na Avenida da Liberdade, via Facebook, somou centenas de aderentes. Hoje, o número dos que anunciam participar neste protesto já ronda os nove mil e até lá vários milhares se podem juntar. Em comum têm o facto de serem todos licenciados, eternos estagiários, condenados a um rendimento mensal que ronda os quinhentos euros. Mas há muitos outros que prometem juntar-se, em solidariedade, a esta “geração sem remuneração” de que fala a música dos Deolinda. Uma geração condenada a não fazer planos, a não poder assumir responsabilidades familiares ou financeiras, uma geração que se recusa a encarar a emigração como a única solução possível.
Numa radiografia linear ao país, é fácil perceber que são cada vez mais os jovens licenciados – muitos detentores até de graus de pós-graduação ou mestrado – a trabalhar em call centres , na incerteza dos recibos verdes ou a terem de sobreviver com a ajuda mensal dos pais por não terem no bolso mais de quinhentos euros. Um retrato que leva a organização deste protesto a considerar que “parva não é esta geração. Parvos são os que não aproveitam as suas potencialidade ao serviço do país”. O descontentamento é crescente, as dificuldades em sobrevier neste sistema também.
Na última década, o número de licenciados que encontrava no mercado de trabalho um vínculo precário, sustentado em formas atípicas de contrato com os contratos a termo ou recibos verdes, mais do que duplicou. Dos 83 mil registados no final do terceiro trimestre de 2000, o país passou para os 190 mil registados no final de 2010. Mas não se pense que a precariedade laboral se restringe apenas aos diplomados. Esta é uma realidade transversal a todos jovens que nos últimos anos abordam o mercado de trabalho, ainda que o caso dos licenciados seja o mais flagrante. E na altura de apurar culpas ninguém sai ileso. Se de um lado se aponta o fracasso das políticas governativas, de outro aponta-se o dedo às universidades que insistem em abrir cursos que não encontram saída no mercado de trabalho.
Segundo um relatório do Ministério da Ciência e Ensino Superior, divulgado esta semana, “o número de desempregados com curso superior aumentou”. Em Junho de 2010 havia 43 mil diplomados inscritos no centro de emprego. Um aumento de cerca de 15% face ao ano anterior. Mas os dados do ministério – sustentados nas informações das universidades cruzadas com as inscrições nos centros de emprego - diferem dos do Instituto Nacional de Estatística (baseados em inquéritos às famílias), Segundo o INE, esta percentagem é bem maior. O instituto de estatística diz que no terceiro trimestre do ano passado, o país tinha 609 mil desempregados e 11,2% eram detentores de grau de licenciatura (68,5 mil). Um crescimento de 6,5% face ao ano anterior.
Regra geral são jovens de 35 anos, maioritariamente mulheres e na maior parte dos casos aguardam uma oportunidade laboral há menos de um ano. Serviços Sociais, jornalismo, psicologia, relações internacionais e algumas engenharias, são os cursos que mais engrossam a lista dos licenciados desempregados e também dos trabalhadores precários. Um cenário com que convivem milhares de jovens portugueses e que os leva a pensar, como a música inspira, “que mundo tão parvo onde para ser escravo é preciso estudar”.