Cátia Mateus
Quem defende que a originalidade na abordagem ao mercado é meio caminho andado para encontrar um emprego pode estar redondamente enganado. Os currículos com apresentações criativas e surpreendentes, capazes de fazer perder a respiração do recrutador têm uma taxa de perigo largamente superior à de sucesso. Na maior parte das vezes, garantem os especialistas, a vontade de cair em graça acaba em desgraça para o candidato que não consegue controlar a sua originalidade. O emprego vai, regra geral, para o autor de um currículo mais sóbrio, com capacidade de síntese, mas muito conteúdo.
Ana Rita Silva sabe-o melhor do que ninguém. Depois de um estágio numa agência de marketing em Portugal, a jovem «marketeer» rumou aos Estados Unidos para cumprir o sonho de uma experiência laboral além-fronteiras e dar continuidade à sua formação. Por cá o país assistia a uma nova ‘moda' de abordagem ao mercado de trabalho. Os profissionais, sobretudo os mais jovens e ligados a profissões onde a criatividade é a mais importante das ferramentas, faziam da apresentação do seu currículo uma montra para mostrar ao recrutador do que eram capazes e até onde podia ‘viajar' a sua imaginação. Alguns ficavam-se pela abordagem tradicional exposta numa folha, com ou sem foto, enviada por correio. Outros, porém, davam largas à imaginação e arrojavam nas suas apresentações.
Por cá, Ana Rita tinha conseguido com sucesso um estágio depois de enviar o seu currículo dentro de uma tradicional garrafa de vidro transparente com rolha de cortiça, semelhante às mensagens de salvação enviadas pelos náufragos dos filmes. É com piada que confessa que o responsável da agência “deve ter tido imensa dificuldade para tirar o currículo de dentro da garrafa”.
Hoje confessa que não teria a mesma abordagem e optaria por algo mais sóbrio. Até porque, quando tentou demonstrar a mesa criatividade no mercado de trabalho americano, foi literalmente descredibilizada perante os outros candidatos. “A pessoa que me entrevistou confessou que só me chamou para perceber que tipo de profissional era eu e para ver se eu estaria a brincar. Até ao último momento, achou que eu não compareceria”, relembra.
Em Portugal são ainda muitos os profissionais que optam por esta forma de se apresentar ao mercado. Os especialistas continuam a alertar para o perigo deste tipo de abordagens e não têm dúvidas de que, mesmo em profissões mais criativas como o «marketing», o «design» ou outras, a sobriedade e o conteúdo valem mais do que a originalidade.
Há 15 anos que Edson Athayde recebe e analisa currículos de jovens ávidos de alcançar um lugar no competitivo mundo do «marketing» e da publicidade. O vice-presidente criativo da agência Ogilvy em Portugal confessa que já recebeu currículos de todas as formas e suportados por várias manifestações de originalidade — “desde pássaros em gaiolas, aquários, garrafas com currículo dentro e caixas com areia, até roupa interior” — mas não tem dúvidas de que “poucos alcançaram os objectivos”.
Para Edson Athayde, “é um risco muito grande fazer brincadeiras com o currículo pois é muito fácil cair no exagero e descredibilizar a pessoa e o profissional”. O especialista não tem dúvidas de essa ideia da originalidade como factor determinante é puramente ilusória, e acredita que “essa não é a melhor forma de um profissional da criatividade se apresentar ao mercado”.
Uma ideia também corroborada por Miguel Abreu, «senior consulting» da Ray Human Capital, para quem “cada vez mais os currículos têm de ser mais objectivos do que criativos, dando resposta a requisitos muito específicos”. Contudo, Miguel Abreu não nega que a apresentação e o «layout» são importantes e a criatividade na apresentação pode também ser útil, mas apenas se o recrutador salientar esse ponto como fundamental. O consultor adianta que “fazer um currículo é vender um produto, e, nesse sentido, o candidato deve saber destacar (em função da exigências e actividade da empresa a que se candidata) os seus pontos fortes e mostrar o seu trabalho”. Mas não considera que a melhor forma para o mostrar seja uma apresentação ostensiva.
Segundo Edson Athayde, “essa montra profissional pode perfeitamente ser feita com recurso a um CD que integre, por exemplo, um portefólio com os melhores cinco trabalhos do candidato ou um «link» para um blogue onde conste uma apresentação do que aquela pessoa já fez enquanto profissional”. O vice-presidente da Ogilvy Portugal assegura que, mesmo no mundo da publicidade “isso vale mais do que um currículo dentro de uma gaiola ou numa garrafa”. Não é ostensivo, vai directo ao alvo, não desacredita o candidato, não faz o recrutador perder tempo e não serve de motivo para brincadeiras.
Edson Athayde classifica mesmo de “altamente perigosos estes rasgos de criatividade”. Por contraponto destaca a sobriedade, a capacidade de síntese e o conteúdo como melhores aliados para um candidato a emprego. Num currículo pode faltar a criatividade na apresentação, mas não pode faltar uma foto, os dados básicos, a experiência comparativamente com a idade e alguns exemplos de trabalhos prévios. É também importante que o candidato saiba adequar o currículo à cultura organizacional da empresa para onde está a concorrer, indicando que teve o cuidado de se informar sobre aquela organização.
O tempo dos currículos costumizados que servem para concorrer a todas as funções e a nenhuma acabou. A hora das abordagens criativas também. O tempo é de sobriedade e conteúdo.