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Contratações tecnológicas ‘arrefecem’, mas Portugal resiste

Contratações tecnológicas ‘arrefecem’, mas Portugal resiste

Receio de uma recessão leva tecnológicas mundiais a redimensionar equipas e a travar novas contratações. Portugal ainda escapa à tendência e continua a atrair investimento, dizem especialistas. Mas pode ser por pouco tempo

29.07.2022 | Por Cátia Mateus


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Nem tudo são boas notícias para os profissionais das tecnologias de informação. Depois de dois anos a beneficiar do forte crescimento que a pandemia trouxe ao sector, com uma intensificação da atividade e ganhos recorde, o atual cenário económico parece mostrar que a indústria tecnológica pode ser à prova de pandemia mas não de uma recessão. A escalada da inflação, a subida das taxas de juro e a redução do poder de compra ensombram cada vez mais o panorama económico de curto prazo. As preocupações com um eventual cenário recessivo — que vêm sendo confirmadas pela diretora-geral do Fundo Monetário Internacional, Kristalina Georgieva — estão a levar empresários tecnológicos a ‘congelar’ contratações e até a despedir para diminuir custos. Recrutadores ouvidos pelo Expresso recusam falar em crise no sector em Portugal. Argumentam que o recrutamento continua dinâmico e o país mantém a capacidade de atrair novos investimentos e empregos. Mas admitem que o ‘arrefecimento’ que o sector já atravessa nos Estados Unidos e em alguns países europeus poderá alastrar-se.

As notícias sucedem-se. Com uma possível recessão no horizonte, as empresas tecnológicas — que durante dois anos de pandemia beneficiaram de um crescimento acelerado — estão a reajustar as suas equipas e a adaptar os seus planos de investimento e expansão ao atual contexto económico, que impõe prudência e contenção. Nos EUA e na Europa somam-se despedimentos e são cada vez mais as empresas a adiar novas contratações.

Segundo uma pesquisa recente da plataforma Crunchbase (que disponibiliza informação empresarial do sector tecnológico para apoiar decisões de investimento), só em junho, mais de 75 tecnológicas comunicaram despedimentos. Desde o início de 2022 — e sobretudo a partir de maio, altura em que as reestruturações se intensificaram —, o sector já terá dispensado mais de 30 mil profissionais, estima a plataforma. Números a que se somam as novas contratações que não chegaram a ser formalizadas e que a Crunchbase não contabiliza.

Entre as empresas que já avançaram para despedimentos estão gigantes como a PayPal, que rescindiu contrato com perto de 100 trabalhadores, a Netflix (450 profissionais), a Tesla (cortou 3,5% da sua força de trabalho), o Twitter (que despediu 30% da sua equipa de recursos humanos), o Tik- Tok (100), a Blockchain.com (150) ou ainda, o caso mais recente, o unicórnio com raízes portuguesas Remote, que reduziu a sua equipa despedindo 8% dos trabalhadores em Portugal. A estas organizações somam-se Microsoft, Meta, Salesforce, Intel, Spotify e Google, que não despediram mas já vieram a público admitir uma desaceleração nas contratações. E pode não ficar por aqui, já que os investidores parecem estar a preparar- se para uma recessão económica e a reduzir o investimento em novos projetos tecnológicos, agravando as dificuldades das organizações e limitando a criação de emprego no sector. Em maio, o acelerador de empresas Y Combinator alertou os investidores para uma desaceleração da economia que afetará sobretudo “empresas com ativos pesados, margens reduzidas, hardtech (de tecnologia pesada), que exigem elevados consumos e apresentam horizontes de retorno de investimento de muito longo prazo”, aconselhando a prudência nos investimentos.

 

Dinâmicas de mercado

Embora o impacto desta retração tenha produzido efeitos também em Portugal, os recrutadores ouvidos pelo Expresso recusam, para já, falar em “crise” no recrutamento tecnológico. “Os despedimentos existentes nestas e em outras empresas aconteceram também em Portugal, é um facto”, admite Matilde Moreira, líder de recrutamento tecnológico da consultora Hays. No entanto, “acreditamos que fazem parte da dinâmica natural de qualquer mercado”.

Já Nuno Ferro, líder da Experis IT, a empresa de recrutamento tecnológico do grupo Manpower, admite que, embora a tendência ainda não tenha escala em Portugal, “quando os grandes players do sector tecnológico internacionais se movem numa determinada direção ou começam a dar sinais de algum conservadorismo, que é o que está a acontecer no caso da Amazon, Facebook, Twitter e outros, a tendência a nível nacional é acompanhar esse movimento, uma vez que as empresas acreditam que se está a entrar num ciclo mais recessivo”. Ou seja, Portugal ainda resiste, mas não se sabe até quando.

A justificar a contração do sector tecnológico estão fatores macroeconómicos globais: aumento das taxas de juro, escassez de matérias-primas, aumento do preço da energia decorrente do conflito na Ucrânia, mas também a alteração do consumo das famílias, a quem a inflação está a retirar o poder de compra. Acresce ainda que, como sinaliza Nuno Ferro, “o sector tecnológico é uma área que cresce muito com base em financiamento, pelo que este período de maior incerteza pode levar à maior dificuldade de as companhias se conseguirem financiar, já que os investidores podem começar a recuar no capital de risco para reequilibrar os seus portefólios”. Uma decisão que, vinca, “fará com que as empresas vejam reduzida a sua capacidade de continuar a investir, nomeadamente na contratação de recursos humanos”.

 

Portugal continua atrativo

Também Mariana Delgado, diretora da unidade de recrutamento tecnológico da consultora Randstad, recusa falar de uma vaga de despedimentos tecnológicos ou sequer estagnação das contratações, enfatizando que “é prematuro” traçar esse cenário, já que “diariamente são divulgadas notícias sobre novos centros de competências internacionais a crescerem e multiplicar-se no país”. E cita exemplos: “Empresas como o grupo Bosch, a Anchorage Digital, a Mercedes- Benz e a Axians, entre outras, afastam, em notícias recentes, esse cenário de arrefecimento.”

A especialista da Randstad afirma que, pelo contrário, “a tendência destas organizações e de outros projetos de investimento que se fixam em Portugal é levar adiante os seus planos de crescimento”. As estatísticas parecem também indicar que o mercado nacional não sentiu ainda o efeito-travão nas contratações tecnológicas com a mesma intensidade de outros países. Nuno Ferro cita os dados do inquérito “Manpower Employment Outlook” para o terceiro trimestre de 2022, onde o sector apresenta as previsões de contratação mais positivas. “A contratação continua a crescer, registando-se neste semestre um aumento de mais de 30% nos pedidos de recrutamento face ao período homólogo”, aponta.

Matilde Moreira corrobora: o país “continua a ser percecionado como um dos principais polos tecnológicos a nível mundial”, o que tem contribuído para atrair muitas multinacionais. “O investimento internacional no mercado de IT poderá ter acalmado ligeiramente, mas não há motivo para alertas. Continuamos a ser um mercado altamente apetecível para a entrada de empresas estrangeiras” e com oportunidades aliciantes para os profissionais, sinaliza.



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