Vivemos amedrontados com o cenário futurista (mas já nem tanto) de as máquinas tomarem conta dos postos de trabalho dos humanos. Contudo, a tecnologia e a inteligência artificial podem ser benéficas, não apenas a substituir a mão do homem nas tarefas mais rotineiras e pesadas, mas também a ajudar os trabalhadores a encontrarem os melhores empregos — através da agilização dos processos de recrutamento e da análise a quantidades maciças de dados que permitem encontrar a ligação perfeita entre uma empresa e o talento que procura. É esse o caminho que a Randstad, uma das maiores empresas mundiais de recrutamento e outsourcing, está a trilhar. “Nos +Recursos Humanos (RH), ainda não existe nenhum Uber ou Airbnb, numa altura em que as aplicações e o digital estão a moldar novos modelos de negócio e a transformar sectores. Mas várias startups estão a nascer e a querer ficar com uma fatia do negócio do recrutamento e gigantes como o Facebook, Google ou LinkedIn estão a investir fortemente nesta área. Nos RH, o digital já uma realidade, mas ainda é possível atuar sobre ela. Precisamos de agir e de continuar a ser relevantes”, reflete o holandês René Steenvoorden, o chief digital officer da companhia, de visita a Portugal.
Nos últimos anos, a multinacional, de origem holandesa, tem procurado surfar a onda do digital, percebendo os pontos onde, ao longo do processo de recrutamento, a tecnologia pode ajudar. “Nós sabemos que existem vários perfis de trabalhadores que são difíceis de encontrar. E, geralmente, as pessoas não gostam de fazer testes nem de preencher formulários chatos. Por isso, decidimos mudar totalmente esta experiência e introduzir a gamificação [técnica que utiliza jogos para tornar mais motivantes determinadas tarefas]. À medida que os jogos vão sendo concluídos, nós conseguimos estabelecer o seu perfil”, exemplifica o responsável. Ao mesmo tempo, os utilizadores podem ligar esses jogos às suas páginas no Facebook ou no LinkedIn. A aplicação, que ainda lhes sugere novos jogos e oferece conselhos consoante os resultados alcançados, foi desenvolvida pela Pymetrics, startup fundada por duas neurocientistas e que cria jogos baseados em pesquisa científica como ferramentas de avaliação de personalidade e de competências. Em 2016, o fundo de inovação da Randstad comprou uma participação da empresa. Não foi jogada única. São mais de três dezenas as participações em capital de startups, sobretudo tecnológicas, que a multinacional de RH já detém. “É uma forma de estarmos sempre à frente do que de mais inovador é feito”, explica Steenvoorden.
O grupo também adquiriu a RiseSmart, uma solução digital especializada em outplacement: ao invés do acompanhamento a trabalhadores em transição de carreira e que estão a passar por processos de despedimento ser feito por um consultor, que em condições normais dá workshops a grupos de várias pessoas, estes têm à sua disposição um assistente digital: “O acompanhamento é personalizado, o treino digital é adequado às necessidades do utilizador. Nesse sentido, temos comprovado que os níveis de sucesso de transição de carreira são mais altos, apesar de esta solução ser mais barata”, aponta o responsável pela área digital da Randstad. Esta solução, que está a ser implementada pelo grupo nos Estados Unidos, aguarda aprovação para poder ser utilizada na Europa. Da lista de soluções digitais que o grupo tem angariado, fazem também parte a Checkster, uma ferramenta de verificação automática de referências, ou a Crunchr, solução de análise de dados de RH.
Importância dos big data
Se estas são algumas das ferramentas tecnológicas que a Randstad tem colocado à disposição dos clientes, também tem feito igual esforço dentro de casa. “No nosso sector, sempre lidámos com imensos dados, mas a acumulação de grande quantidade de informação tornou-se central no nosso negócio”, aponta René Steenvoorden. Por isso, a equipa de cientistas de dados do grupo, já composta por ”várias dezenas” de profissionais, continua a crescer, da mesma forma que estão a ser aplicadas novas soluções tecnológicas, ligadas à inteligência artificial, para conseguir dar uma lógica aos dados que se vão acumulando: “Se tivermos mais e melhor informação, então conseguimos encontrar as ligações mais apropriadas entre empregador e trabalhador. Por um lado, são maiores a probabilidades de o empregado ter maior sucesso nas suas novas funções. Por outro lado, se formos capazes de compreender cada vez mais as necessidades estratégias dos nossos clientes, se percebermos que precisa de determinada competência ou mais flexibilidade, podemos encontrar os melhores candidatos”, aponta o responsável.
Em Portugal, grande parte deste trabalho é feito com recurso à linguagem de programação da nacional Outsystems, uma tecnologia que permite fazer o desenvolvimento rápido de aplicações de software, como se de peças de Lego se tratassem, e que entretanto já foi “exportada” para outras operações do grupo, nomeadamente Holanda, Austrália, Brasil e Estados Unidos. A crescente acumulação de informação e a cada vez maior sofisticação do tratamento de dados está a levar a empresa a criar e a aperfeiçoar modelos preditivos, que possam antecipar as exigências dos clientes e do mercado sobre, por exemplo, o tipo de perfis de profissionais que vão ser necessários num futuro próximo. Num cenário em que as necessidades de talento não correspondem às competências das pessoas que estão disponíveis para trabalhar, a Randstad quer ser um ator ativo na definição, “a par com os governos, dos programas e ciclos educacionais adequados para o mercado de trabalho do futuro”.
René Steenvoorden, que veio a Portugal para participar numa conferência sobre “O Lado Negro do Digital” está, pois, longe de ter uma visão tão pessimista sobre o tema. “A mudança não é nada de novo, já passámos pelas revoluções industriais e ainda estamos aqui, com os nossos trabalhos e empregos que, entretanto, se adaptaram. O mesmo vai acontecer agora”, acredita. Uma vez que um dos principais focos da empresa é a garantia da qualidade do seu produto ou serviço e a melhoria contínua do mesmo, a procura por “competências correntes e tradicionais” vai continuar a ser muito grande. Todavia, porque o foco das empresas também deve estar, cada vez mais na inovação e na disrupção do mercado, Steenvoorden aponta para a crescente procura de cientistas de dados, especialistas em robótica e inteligência artificial, profissionais de impressão 3D ou especialistas em cibersegurança, exemplifica.
As pessoas, diz, vão continuar a trabalhar. Até porque em todos os sectores, continuará a ser necessário o “toque humano” — daí que o lema da estratégia da Randstad, a nível global, seja “tech and touch” (tecnologia e toque). “A tecnologia ajuda e muito mas, ao final do dia, não é um elemento de mudança. O toque humano, sim, é um momento definidor na vida. Daí que, por exemplo, na banca, hoje um sector altamente digital, quem contrata o seu primeiro empréstimo à habitação prefira ir a uma agência do que a tratar via online”, remata o responsável pela estratégia digital da Randstad.