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Caloiros tardios

Voltar a estudar depois de estar anos parado não é fácil. Mesmo assim, muitos adultos avançam para uma licenciatura com o intuito de subir na carreira ou alcançar novcas oportunidades laborais. O problema é o seu acolhimento no mercado de trabalho.
17.11.2006


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Maribela Freitas e Marisa Antunes Quando os outros vão para casa descansar no final de um dia extenuante de trabalho, eles pegam nos livros e vão queimar pestanas para as faculdades. Persistentes, estes caloiros tardios vão buscar a energia e a força de vontade à ambição de um dia mudarem radicalmente a sua vida profissional.

Anabela Ferreira é o exemplo feliz de que estudar compensa. No fim do liceu, quando muitos dos seus amigos iniciavam os estudos universitários, Anabela dava entrada no mercado de trabalho, conseguindo algum tempo depois um lugar como administrativa num museu municipal do concelho de Vila Franca de Xira. Mas a vontade de progredir na carreira impediu-a de enterrar para sempre o sonho de se qualificar. Por volta dos 30 anos, a funcionária pública conseguiu, por fim, atravessar os portões de uma universidade. No seu caso foi os da Aberta, para se licenciar em História, curso que terminou com 36 anos.


“Quando acabei o liceu não sabia bem o que queria seguir. Comecei a trabalhar e com vinte e poucos anos tentei entrar para o ensino superior, mas não consegui. Foi só perto dos 30 que ingressei”, conta Anabela Ferreira. O gosto pelo estudo e investigação ficou-lhe e actualmente, aos 38 anos, está a realizar um mestrado em Estudos do Património.

“A vontade de progredir na carreira e a necessidade de aprofundar conhecimentos que me auxiliassem no meu trabalho do dia-a-dia, foram algumas das razões que me levaram a avançar para uma licenciatura”, explica Anabela Ferreira. Na altura em que entrou para a Universidade Aberta, pensou em tirar apenas o bacharelato. “Durante o curso mudei de ideias. Questiona-se sempre o futuro e a licenciatura e agora o mestrado, podem ser uma porta aberta para outros desafios profissionais”, refere. A sua carreira profissional com a licenciatura teve uma viragem. A trabalhar há 16 anos num museu municipal, viu recentemente o pedido de reclassificação de carreira ser aceite e tornou-se técnica superior de história de 2.ª classe.

Mas todo este processo não foi fácil. Anabela Ferreira conta que após tantos anos sem estudar foi complicado pegar novamente nos livros. “A vantagem da universidade Aberta é que podemos estudar ao nosso ritmo. Houve anos em que me dediquei mais, outros menos e fui fazendo o curso sem prejudicar o meu trabalho”, refere.

Como realça Jorge Marques, presidente da Associação Portuguesa de Técnicos e Gestores de Recursos Humanos (APG), a principal vantagem destes profissionais comparativamente aos recém-licenciados é que potenciam a componente prática que adquiriram ao longo do tempo com a informação teórica. “Pelo contrário, quem acabou de se formar, não tem ainda a vivência da empresa e os conhecimentos que possuem estão ainda descontextualizados”, sublinha este responsável.

Apesar desta mais-valia, a verdade é que na prática nem sempre estes licenciados são devidamente valorizados pelas suas entidades profissionais, realça o especialista. “Ainda há um certo preconceito, um bloqueio, porque nas empresas portuguesas vive-se muito de estatutos e quando se trabalha muitos anos no mesmo local, é difícil aproveitar internamente esse reforço na sua qualificação. O melhor mesmo, por vezes, é mudar de empresa e começar de novo noutro local”, refere.

Ana Loya, administradora da Ray Human Capital, empresa de recrutamento e «executive search», corrobora e acrescenta que “as pessoas que tentam progredir nas empresas onde sempre trabalharam acabam por ter muita dificuldade em que o sistema os passe a percepcionar de maneira diferente”.

Ciente de que nem tudo será fácil, Orlando Silva, um trabalhador por conta própria, com 45 anos e estudante do quarto ano de direito da universidade Independente não faz para já grandes planos. “Depois de terminar o curso logo verei o impacto que este poderá ter na minha vida profissional e o que farei com ele”, explica. Na sua opinião a licenciatura em direito é muito trabalhosa e é das mais exigentes em termos de formação teórica. E por isso arrepende-se, apenas, “de não ter começado a estudar mais cedo”.

“A vontade de realizar o sonho de ter uma licenciatura; ter mais possibilidades de trabalho; ocupar os tempos livres e de contactar com outras realidades, levaram-me até à universidade”, conta. Isso aconteceu aos 42 anos. “Depois de tantos anos sem estudar, a habituação foi boa. As turmas são pequenas, os professores ajudam bastante e tenho-me sentido integrado”. Contudo nem tudo são facilidades. Este estudante confessa que conciliar família, estudo e trabalho é muito complicado. Além disso, afirma, “com Bolonha a vida dos trabalhadores estudantes vai ser mais difícil. A avaliação é contínua, realizam-se mais testes e espera-se que o aluno frequente colóquios e seminários. Tudo isto é muito complicado para quem tem duas actividades”.

Importante mesmo para a progressão profissional é escolher bem o curso que se vai tirar. Mas não só. Como sublinha a responsável da Ray Human Capital, “há três variáveis que podem condicionar ou não a ascensão da pessoa após este reforço das suas qualificações e que são as características do trabalhador e da cultura da empresa, bem como o tipo de formação que a pessoa entretanto adquiriu”.

Quando o profissional apostou numa formação que se complementa bem na área onde sempre trabalhou é mais fácil subir os degraus dentro da empresa a que está ligado há anos. “Há muitos casos de quem está na banca e tirou Gestão ou Economia e conseguiu transitar internamente. Quando os cursos são muito diferentes da área e das funções onde sempre se trabalhou, o ideal até é fazer a carreira fora”, lembra Ana Loya. Mas nem sempre. Como ressalva a especialista, “a dimensão da organização também conta, e nas maiores é sempre possível pedir transferência e começar uma nova etapa num outro departamento da empresa”.





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