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Alternativas para o trabalho e emprego

01.02.2003


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António Dornelas*

SOU dos que pensam que os sistemas de regulação dos mercados de trabalho e de emprego são produtos históricos que individualizam cada sociedade e, se condicionam a intervenção política, também a tornam mais importante.


Por isso, creio que se justifica que partamos da caracterização das modificações que ocorreram em Portugal para definirmos a situação actual do emprego e do trabalho e as possibilidades e os modelos de intervenção política.

Por economia de tempo, abordarei apenas os dois últimos ciclos políticos. O primeiro ciclo - que se pode designar de "cavaquismo", por referência ao nome do primeiro-ministro da época - corresponde, neste domínio, à transformação da concertação social num fórum de negociação, de que resultou a generalização da regra da moderação salarial - o que permitiu pôr em fase com a dos nossos parceiros comunitários a negociação salarial - e, depois da greve geral de 1988, uma vaga de flexibilização legislativa, que nos colocou numa posição intermédia na UE quanto à rigidez da legislação laboral.

O segundo ciclo político - que, por critérios idênticos, se pode designar de "guterrismo", e no qual tive responsabilidades pessoais - corresponde à fase final da preparação para a UEM. Nele avultam o relançamento da concertação social e, em consequência disso, um conjunto de alterações muito relevantes, de que sobressaem: a "Lei das 40 horas, da flexibilidade e da polivalência" e a aposta na reorganização global das relações laborais consubstanciada no Acordo de Concertação Estratégica, de que resultou um conjunto relevante de alterações legislativas; a reformulação das políticas de emprego e de formação profissional, consubstanciada no Plano Nacional de Emprego; o lançamento das políticas de combate à pobreza extrema, a diferenciação positiva das prestações sociais e a resolução dos problemas suscitados pela necessidade de garantir a sustentabilidade financeira da segurança social.

É, ainda, indispensável referir a reformulação da concertação social, traduzida em três acordos unânimes, cada um deles sobre um tema específico: política de emprego, mercado de trabalho, educação e formação; saúde, higiene e segurança no trabalho e combate à sinistralidade; fórmula de calculo das pensões e as condições dum eventual plafonamento.

Em resultado destas transformações, o que se pode dizer do emprego e do trabalho em Portugal, situando o nosso país no contexto europeu? Em primeiro lugar, que em Portugal se trabalha muito, desde muito cedo e até uma fase muito avançada da vida, com horários longos, que temos taxas "nórdicas" de emprego feminino, sendo que, ao contrário do que prevalece no norte da Europa, as mulheres portuguesas trabalham, maioritariamente, a tempo inteiro e que temos muito baixas taxas de desemprego, quer de curta, quer de longa duração.

Depois, que o nosso país ilustra bem o dilema (Van Parijs) que opõe a promoção da inclusão social pelas políticas de emprego - que preferem criar empregos, mesmo que de má qualidade, a deixar alastrar o desemprego - às políticas de limitação da exploração, que optam por reduzir as situações de emprego precário, visto que estas tendem a facilitar a exploração económica dos trabalhadores.

Em terceiro lugar, que Portugal é um país de muito baixos salários e aquele em que o nível de dispersão salarial atinge o valor máximo, situando-se entre o do Reino Unido e o dos EUA.

Por último, a produtividade e a regulação do mercado de trabalho: temos taxas de participação no mercado de trabalho e de mobilidade profissional e geográfica superiores à média comunitária, estamos abaixo dela no que respeita ao acesso à formação e à flexibilidade do tempo de trabalho e temos a legislação mais rígida de protecção do emprego, parâmetro que, no meu entender, uma decisão política socialmente sensível deve considerar conjuntamente com o facto de termos também o segundo pior nível de protecção social no desemprego (cerca de um quarto da média comunitária).

Perante este cenário, que orientação podem e devem tomar as políticas de emprego de trabalho?
A primeira possibilidade tem presente um conjunto de tensões e de problemas sobre os quais quer intervir: a que resulta do dilema entre a promoção da inclusão pelo emprego e a limitação das condições que favorecem a exploração, já referida; a que resulta da atipicidade do emprego e da multiplicidade das formas de relacionamento salarial serem traços distintivos da época em que vivemos, que não devem ser considerados ocasionais ou temporários (Boyer); a que deriva da insuficiência dos critérios clássicos para definir as fronteiras do mundo do trabalho caracterizado pela dependência económica; a que está postulada no "trilema das economias de serviços" (Iversen e Wren), segundo o qual as políticas públicas estão sujeitas a constrangimentos que tornam impossível obter resultados óptimos para os três vértices que definem um triângulo que liga os objectivos da disciplina orçamental, do crescimento do emprego e da equidade na distribuição dos rendimentos.

As políticas públicas coerentes com tal estratégia tenderão a centrar-se na gestão daquelas tensões e a regular as diversidades que coexistem nos mercados de trabalho e de emprego, o que exige a redução do intervencionismo legislativo e administrativo, objectivo que é realizável através conjugação duma lei renovada - bem sistematizada, susceptível de ser conhecida e aplicada com rigor - com uma negociação colectiva a que se dê possibilidades de ter um papel mais relevante.

A possibilidade alternativa parte da concepção - a meu ver sistemicamente errada, quando uma imensa maioria de micro e pequenas empresas coexiste com um emprego em que predominam muito baixos níveis de escolaridade e de qualificação - de que é adequada aos tempos em que vivemos uma reforma da legislação laboral que assenta num código com muitas centenas de artigos, a ser complementado por dezenas de leis e em que o papel da negociação colectiva fica espartilhado entre a imperatividade da lei, a eventualidade da intervenção administrativa do Governo e a individualização das relações de trabalho.

Tal estratégia é, a meu ver, demasiado virada para os problemas do passado para ser adequada a estes anos em que uma nova agenda das políticas de trabalho, de emprego e de protecção social, para se obter eficácia e equidade na regulação dos mercados de trabalho e de emprego, só pode ser abordada com a utilização dos múltiplos instrumentos de intervenção.

O anterior ciclo político, ao ser interrompido, terminou sem deixar decididas a sistematização e a renovação estrutural da legislação do trabalho e o reforço da sustentabilidade social do sistema de solidariedade e segurança social de que carecem mercados de trabalho e de emprego em que crescem simultaneamente os riscos sociais - ligados às descontinuidades e às mudanças de profissão e de situação profissional - e a intolerância dos cidadãos perante eles.

Mas trabalhou nelas e deixou um património de acordos de concertação, de instrumentos técnicos e legislativos que desenham um caminho de resposta aos problemas que temos, evitando o equívoco de responder a problemas que não temos. Os resultados desse trabalho ficaram, aliás, à disposição da comunidade.

No actual ciclo político, parece ter sido escolhida uma via que alterou as prioridades que no anterior foi fixada com os parceiros sociais, a qual, julgo, não resolve os problemas que temos nem é, substantiva e sistemicamente, adequada aos desafios do presente e do futuro.

Há trabalhos de Sísifo e é indiscutivelmente legítimo que cada governo tenha opções diferentes. Mas é minha convicção que o caminho em direcção à renovação e à sustentabilidade de que falei, que apenas se iniciou, está ser invertido, deixando-nos mais longe desta do que estávamos quando o actual ciclo político se iniciou.

*Ex-Secretário de Estado do Trabalho e Formação








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