Jorge Nascimento Rodrigues e Ruben Eiras
OS EMPREENDEDORES e as pessoas que criam o seu próprio emprego
não o fazem por gostarem do risco. "É que a insatisfação
gera o auto-emprego, a qual está positivamente correlacionada com
o empreendedorismo", defende Geert Hofstede, guru da gestão
multicultural, em entrevista ao EXPRESSO.
Segundo este especialista, os portugueses
não são um povo com medo do risco. Só que para ultrapassar
a actual crise, os políticos em vez de tentarem mudar a matriz
da cultura nacional, devem apostar numa estratégia que "valorize
os pontos fortes da nação".
UM DOS motores do empreendedorismo são
altos níveis de insatisfação num dado país
e inclusive uma aversão à incerteza numa dada cultura nacional.
"Verifiquei num estudo que fiz que a insatisfação
gera o auto-emprego, que está positivamente correlacionada com
o empreendedorismo", diz Geert Hofstede, um especialista holandês,
com 74 anos, que se tornou famoso desde o final dos anos 80 por falar
da gestão da diversidade de culturas nas organizações
multinacionais a convite da Escola de Gestão do ISCTE proferir
uma conferência sobre "Cultura e Empreendedorismo".
Cultura de negócios não é global
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segundo o modelo
de gestão intercultural de Hofstede
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O guru holandês frisa que os empreendedores
não são profissionais do risco - não é o gosto
pelo risco que fabrica os empresários e os que criam o seu próprio
emprego, apesar de um certo discurso que iguala amor pelo risco com criar
empresas. "A incerteza está para o risco, tal como a ansiedade
para o medo. O que acontece em culturas de alta aversão à
incerteza é que as pessoas não se sentem confortáveis
com situações ambíguas", acrescenta.
Mas Hofstede não tira a ilação
dogmática de que nessas culturas de aversão à incerteza
existe "aversão natural ao risco", o que levaria à
ideia de que seriam economias sem criadores de negócios - porventura
sociedades de funcionários públicos - em que seria necessário
"injectar" artificialmente empreendedorismo. "Eu nunca
falei de aversão ao risco no meu modelo de cinco dimensões
culturais nacionais", sublinha ao EXPRESSO, fazendo uma veemente
"correcção" à deturpação
do seu conceito.
Entre nós, essa "deturpação"
do pensamento de Hofstede tem servido para zurzir em cima dos portugueses
acusando-os de medrosos face ao risco - um povo, que paradoxalmente, se
aventura na emigração e se multiplica em negócios
e exploração de oportunidades em períodos de aperto.
Ora basta olhar para este tipo de sociedades - como as latinas e algumas
mediterrâneas (como a Grécia) - para assistir a um fervilhar
de iniciativas de auto-emprego, micro-empresariais e de PME de todo o
tipo.
A mulher de Hofstede mete mesmo uma "colherada"
no debate e revela que ficou impressionada com os portugueses - um povo
que considera como "os castores". "Uma cultura de castor
- constrói, tem persistência, vive em família, destrói
e recomeça, e dá-se bem com a água", diz-nos
Maaike Hofstede, que havia ficado grande parte da entrevista a pensar
em como nos definir.
E como num país latino o poder está
distante (como se se tratasse de uma elite inalcançável),
"inovar não é fácil" - exige uma boa dose
de coragem, pois é preciso ou convencer os que detêm o poder
na empresa e na sociedade ou quebrar as regras. Pelo que os portugueses
deitam mão à sua capacidade de improviso e à sua
arte de contornar a rigidez das normas.
Hofstede acha mesmo que não se deve querer
"mudar", de um ponto de vista voluntarista, os traços
culturais de um povo. "As culturas nacionais mudam mas nunca de
acordo com os planos", ironiza Hofstede, para depois dar um conselho
de gestão: "É mais inteligente potenciar as coisas
em que uma dada cultura é forte".
O guru explica que os economistas precisam de
perceber que "a economia é marcada pela cultura nacional"
e que é "uma questão essencial para os negócios
entender a cultura profunda de um povo". Aconselha, por isso,
a que não se confunda isto com práticas organizacionais
- a que, por vezes, se chama cultura de empresa. "As práticas
organizacionais podem ser geridas - as culturas nacionais são um
dado para o gestor", adverte.
Um exemplo que talvez choque os portugueses habituados
a darem uma imagem "machista" da postura cultural do país,
é que Hofstede encontrou entre nós um peso maior de uma
dimensão "feminina" de cultura em oposição
à "masculinidade". "Essa característica
que eu designei no meu modelo de 'feminina', dá ao vosso país
uma maior inclinação para uma economia de serviços
do que para uma produção de massa", alvitra o holandês.
Cultura de Negócios não é global
GEERT Hofstede recusa a ideia de uma cultura de negócios universal,
de algo "globalizável". "As práticas organizacionais
podem ser partilhadas numa multinacional, mas as culturas não.
Há que ter em conta a diversidade cultural e não cair na
ideia de uma monocultura global", refere o holandês.
O anedotário do mundo dos negócios encheu-se, ao longo
de anos, com as gafes cometidas nas áreas de "marketing"
e publicidade por muitas multinacionais. "Não se pode extrapolar.
O que os consumidores fazem depende da sua cultura nacional. Não
há essa ideia bizarra de um consumidor global", diz Hofstede
para, de seguida, chamar à atenção para não
se cometer o mesmo tipo de erros na gestão da cultura nas empresas
transnacionais.
Essa é uma das preocupações centrais do IRIC, o
Instituto para a Investigação na Cooperação
Intercultural, que ele fundou na Universidade de Limburgo, em Maastricht,
na Holanda, onde é professor de Antropologia Organizacional e Gestão
Internacional.
Segundo o "The Economist", Hofstede terá sido "o
guru que inventou a diversidade cultural como tema de gestão".
O impacto do seu pensamento foi tão forte na gestão como
na psicologia.
E por mais estranho que pareça - para quem nunca tenha ouvido
pronunciar este nome holandês -, Hofstede tem mais citações
científicas do que Keynes entre os economistas ou Kant entre os
filósofos.
Depois de uma carreira de engenharia doutorou-se em psicologia social
e tornou-se chefe de psicólogos na IBM. Foi nesta multinacional
que desenvolveu um estudo em 64 países e compôs o seu modelo
de cinco dimensões culturais capazes de identificar o perfil de
um dado povo na forma de trabalhar e conviver.
Dessa investigação sairia um livro em 1980 - Consequências
da Cultura - que levou oito anos a ser reconhecido como um marco na gestão.