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Alma de Samurai

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Homem de causas e descendente do homónimo navegador, Tristão da Cunha é o rosto do Aikido Tradicional de Iwama Ryu, em Portugal. Guardou na gaveta um curso tirado na Austrália para abraçar a causa de Morihei Ueshiba, fundador do Aikido, criando no país uma associação e uma ‘escola-templo’ que acolhe centenas de aikidokas dos quatro cantos do mundo.
26.03.2010 | Por Cátia Mateus


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Itinerante de alma, mas com o coração ligado ao Japão, Tristão da Cunha é o típico cidadão do mundo. Mudou o rumo da vida por paixão a uma causa – o Aikido Tradicional – e assume a sua sede de viver e descobrir o melhor de cada recanto do mundo por onde passa, ensinando e aprendendo incessantemente a sua arte. É 7º Dan de Iwama Shin Shin Aikido (Iwama Ryu), foi discípulo e ushi deshi (estudante residente) de Morihiro Saito e Hitohiro Saito, sucessores da Via marcial desenvolvida pelo fundador do Aikido, O-Sensei Morihei Ueshiba, durante o principio do século XX, na aldeia de Iwama, no Japão. Na gaveta deixou um curso de Estudos Urbanos concluído na Victoria University, em Melburne (Austrália), que nunca chegou a exercer até porque, como refere gracejando “sempre gostei mais de agricultura do que de planeamento urbano”.

Desapegado de valores materiais, assume a honestidade como grande desafio de vida. Não a honestidade perante os outros, “essa é fácil de alcançar, já que os meus valores base não me apelam à necessidade de aldrabar ninguém, mas honestidade comigo mesmo. É um desafio muito grande não me enganar a mim próprio”, confessa. E foi em nome deste ideal que dobrou o canudo e rumou a Portugal para criar, em 1989, a pedido do seu mestre Morihiro Saito, a Portugal Aiki Shuren Kai (Associação Portuguesa de Aikishurendojo), a única associação de Aikido Tradicional no país (www.aikishurendojo.org). Vive do Aikido e para o Aikido e diz-se completo. Faz o que gosta e tal como preconizam os princípios desta arte marcial, o facto de ter dedicação exclusiva a esta Via permite-se aperfeiçoar consecutivamente as suas técnicas e partilhá-las com os seus alunos.

Diz que chegou a profissional sem se dar conta e que ainda hoje pensa nisso e explica porquê. “O Aikido é servir, o seu princípio é esse. Pode parecer poético, mas quem não quer servir a sociedade, fazer o bem, com respeito pelos demais, ajudar o outro e fazer tudo isso com sentido de humildade, não está no sítio certo”, frisa argumentando que “esta Via marcial resulta da conjugação de estudos profundos de diversas artes, entre as quais a arte do sabre ( ken ), do bastão ( jo ), da alabarda ( naginata ), da lança e do combate corpo a corpo ( taijutsu ), sem dissociar isto do objectivo basilar do Aikido que é o desenvolvimento mental e espiritual do praticante, através do treino austero e rigoroso”. Tristão da Cunha foi prosseguindo todos estes objectivos e, posteriormente, partilhando a sua aprendizagem com outros curiosos que foi encontrando nesta mesma viagem pela descoberta do Ki (força interior). “Fui talhando todo o meu percurso de forma natural, com a intenção de colaborar na evolução dos outros. Foi-me incumbida a missão de formar uma associação, formei. Depois pensei, já que está criada vou desenvolvê-la e já que tenho estes alunos, vou ajudá-los a ir mais longe. Fui estabelecendo metas anuais até que quando ia ao Japão perguntavam-me ‘Tu és profissional? Vives do Aikido?' e eu respondia ‘De facto não faço mais nada, acho que sou profissional!”, sorri.

Uma das metas que se colocou e que lhe é particularmente grata foi a criação, em Portugal, de um projecto para formação de aikidokas. A raiz histórica do Aikido preconiza a transmissão de técnicas, conhecimentos e valores pela via da partilha de experiências e da proximidade entre o Mestre e os seus uchi deshi (discípulos residentes). Pegando no modelo praticado em Iwama, onde a residência de O-Sensei acolhe, em espírito comunitário, centenas de jovens estudantes oriundos de diferentes nacionalidades, Tristão da Cunha fundou em Portugal a Aikifarm (também conhecida como a Quinta do Aikido). O projecto esteve até agora instalado na zona da Covilhã, mas como o proprietário do terreno necessitou de lhe dar outra utilização, a Aikifarm está agora em vias de se instalar numa propriedade no Alentejo onde prosseguirá os seus objectivos iniciais de acolhimento e formação de praticantes e professores, em busca do aperfeiçoamento da sua técnica.

“A agricultura é uma das bases do Aikido porque há um conceito que é o Takemusso Aikido que obedece á lógica do nascimento consecutivo de técnicas, tal como na natureza. Para o fundador, Morihei Ueshiba, o Aikido era ensinado com recurso à agricultura porque para ele quem não sabia plantar a técnica, cuidar dela para depois colher dai os frutos e voltar ao inicio fazendo sempre melhor, não era bom na arte. Por isso todos os dojos tem um pequeno jardim e qualquer espaço de treino e prática tem de ter forçosamente esta componente”, explica. Quando o uchi deshi está na Aikifarm aprimora não só a sua técnica pela via do treino físico e mental exaustivo, como também participa em todas as actividades da quinta. “Tivemos centenas de uchi deshi na Aikifarm oriundos de vários países como o Chile, a Venezuela e vários pontos da Europa. Neste momento estamos a negociar a nova localização na zona do Alentejo, num projecto que será agora mais abrangente”, explica. O novo espaço não servirá apenas para acolher praticantes. A meta de Tristão da Cunha é promover a formação de professores de Aikido Tradicional e alargar a actividade à realização de workshops , visto que a sensibilidade da comunidade em relação aos benefícios desta prática em vários aspectos quotidianos como o campo profissional é cada vez maior (ver caixa “ Um Ki que move montanhas ”).

Até ao final do ano o também director técnico da Associação Portuguesa de Aikishurendojo conta ter as portas da nova Aikifarm abertas. Até lá, prossegue o objectivo que abraçou de divulgar o Aikido Tradicional em Portugal, com total espírito de missão. E relembra as palavras de O-Sensei para Morihiro Saito, na primeira vez que este o procurou para aprender Aikido: “com esta arte posso ensinar-te a servir a sociedade”. Porque afinal o Aikido não é apenas uma arte marcial. “Aiki não é uma técnica para lutar ou derrotar o inimigo. É o caminho para reconciliar o mundo e fazer dos seres humanos uma só família”, disse um dia O-Sensei Morihei Ueshiba.  

Um Ki que move montanhas  

A Via marcial desenvolvida por Morihei Ueshiba está longe de se restringir à aplicação técnicas de defesa pessoal. Segundo Tristão da Cunha, “a técnica são só 10% da Via do Aikido”. Um conceito vasto, numa arte que tem como objectivos basilares o desenvolvimento mental e espiritual do indivíduo através do seguimento de um austero treino. Com efeito, o aspecto social e humano do Aikido não pode ser separado dos estudos técnicos das diferentes artes que o incluem e para o mestre Tristão da Cunha “a dimensão ética do Aikido permite a sua prática dentro e fora do tatami”. Já defendia o seu fundador que o objectivo desta arte marcial é unir pessoas, pela via da partilha, da sensibilidade ao mundo exterior e da compreensão da natureza humana.

“Um praticante de Aikido experiente, ao ser confrontado com uma situação de conflito físico, aplica o controlo necessário para neutralizar o ataque ao mesmo tempo que evita causar danos no adversário. A meta é mesmo alcançar um nível de tal forma elevado de prática que permita antecipar e evitar qualquer situação de conflito”, explica Tristão da Cunha. Esta sensibilidade o mundo exterior, a uma possível situação de tensão interpessoal ou social carece de muitos anos de prática, do cultivo da autoconfiança e de um apurado estado de alerta. “Esta postura faz do Aikido um caminho, cuja prática sincera contribui tanto para a melhoria da destreza física e individual, como para a compreensão da essência da natureza humana”, argumenta. Tudo isto se consegue com técnica, mas também aprendendo a gerir o Ki (força interior, o que nos move).

Princípios que encontram aplicação directa em vários aspectos da vida quotidiana, mas sobretudo no campo profissional. Tristão da Cunha revela que a Associação Portuguesa de Aikishurendojo é procurada não só por alunos ávidos de aprender as cerca de quatro mil técnicas do Aikido, mas também por empresas que procuram ensinar aos seus colaboradores a importância da gestão do Ki interior e vital.

“Recentemente, fomos contactados por uma companhia de seguros que pedia que treinássemos os seus funcionários em técnicas de ataque. Não o ataque violento, mas o ataque de energia. Ensiná-los a explorar e tirar partido do seu Ki que, na verdade, é um conceito que está na essência de tudo – do shiatsu , da acupuntura, etc – mas que é pouco estudado e explorado”, explica Tristão da Cunha. Segundo o Mestre, o Ki tem muitas aplicações incluindo a intenção. “Quem consegue desenvolver a intenção consegue desenvolver tudo e é essa energia interior, plena de força, que o Aikido trabalha e que tem um impacto extremamente positivo na forma como o praticante se posiciona perante a vida e, consequentemente, perante o trabalho”, enfatiza argumentando que “há pessoas que nascem com isto, outras precisam de treinar o seu Ki, a sua força interior, rumo à evolução”. Uma estratégia que pode ter um impacto determinante na gestão quotidiana do stress e de conflitos, bem como na forma de se posicionar perante o trabalho.

Bilhete de Identidade

Tristão da Cunha iniciou a sua abordagem ao Aikido Tradicional em 1981, na Austrália, onde estudava, pelas mãos de Barry Night Sensei (que acabara de regressar do Japão onde viveu como uchi deshi (estudante residente) de Morihiro Saito Shihan. Praticou diariamente Aikido até concluir a sua licenciatura em Estudos Urbanos e regressar à República Dominicana para se juntar à sua família.

O gosto pela arte levou-o a rumar pela primeira vez ao Japão, em 1986, onde permaneceu como uchi deshi de Morihiro Saito, no dojo do fundador do Aikido Morihei Ueshiba. Regressou a Portugal com a missão de implantar, a pedido de Morihiro Saito, o Aikido Tradicional (Iwama Ryu). Fundou em 1989 a Portugal Aiki Shuren Kai (Associação Portuguesa de Aikishurendojo) que é membro da Iwama Shin Shin Aikishurenkai.

Desde então regressa com regularidade ao Japão (Iwama) como uchi deshi de Hitohiro Sensei (filho e sucessor de Morihiro Saito) e dinamiza em Portugal a prática do Aikido Tradicional, canalizando para Iwama dezenas de uchi deshi portugueses. Tristão da Cunha é 7º Dan de Iwama Shin Shin Aikido, desde 2007, e ocupa o cargo de Director técnico da associação que criou em Portugal ( www.aikishurendojo.org )



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