Cátia Mateus
Durante três dias, todos os caminhos
foram dar à cidade Invicta. O Mercado Ferreira Borges
e o Palácio da Bolsa, no Porto, foram palco da Feira
do Empreendedor. Uma iniciativa com a marca ANJE que voltou
a registar "lotação esgotada"
Portugal continua (pouco)
empreendedor
A CIDADE do Porto voltou a acolher a Feira do Empreendedor.
A edição deste ano, a sexta, mais do que assumir um
papel pedagógico procurou apresentar-se como uma ponte para
a criação do auto-emprego, como "arma" de
combate aos despedimentos que têm vindo assolar o país.
A Associação Nacional de Jovens Empresários
(ANJE), a entidade organizadora, fez o convite e a comunidade aderiu
em massa.
Durante os três dias do evento, todos os caminhos foram dar
ao Mercado Ferreira Borges, no Porto, onde decorria a feira subordinada
ao tema "Mercado Global".
Paralelamente aos 1600 metros quadrados dedicados às "ideias
inovadoras e boas oportunidades", o Palácio da Bolsa
recebia (do outro lado da estrada) 40 homens de negócios
de vários ramos do tecido empresarial nacional, prontos para
partilharem a sua experiência com os jovens empreendedores
ali presentes. Um certame de sucesso que encerra com "chave
de ouro" o mandato de Manuel Fernandes Thomaz à frente
da ANJE.
Ana Gonzaga tem 23 anos, uma licenciatura em Direito, e acredita
que o seu destino passa pelo mundo empresarial. Por isso, foi uma
das muitas pessoas que insistiu em marcar presença nas várias
conferências que integravam o programa do evento. É
a terceira vez que visita a Feira do Empreendedor, sempre em busca
de novidade e de "coragem para dar o passo rumo à
criação de uma empresa". Sim, porque para
Ana Gonzaga "ser empresário é antes de mais
ter coragem para arriscar".
Diz a jovem que, "o principal contributo
desta feira são as conferências que promove. A exposição
ajuda, dá-nos uma dimensão do mercado e das oportunidades
existentes, mas as conferências são muito importantes
na medida em que abordam, de uma forma muito prática, as
principais dúvidas de quem quer criar uma empresa".
Na realidade, embora o recinto da feira tenha sido bastante concorrido,
as extensas filas concentravam-se no Palácio da Bolsa onde
decorriam as conferências (ver caixa). Conseguir um lugar
sentado para assistir às cerca de 30 intervenções
previstas revelou-se uma tarefa hercúlea. Muitos foram os
que enfrentaram filas para conseguir uma senha que lhes daria direito
à tão invejada cadeira. Outros, apanhados desprevenidos,
acabaram por ficar de pé.
Todos os anos é assim e, nos corredores do imponente edifício
que o majestoso rio Douro envolve, as conversas giram em torno de
um só ponto: "se isto acontece sempre e já
sabem que nunca cabe toda a gente, porque não escolhem um
espaço maior?".
Sofia Sousa é uma das descontentes. Chegou tarde demais e
já não conseguiu senha para um lugar sentado. "Nas
duas primeiras conferências ainda fiquei de pé, mas
agora vou-me embora", lamenta. Sofia é uma das muitas
vítimas que o desemprego já causou este ano em Portugal.
Tem 27 anos de idade, é licenciada em Engenharia e sabe que
os seus quatro anos de experiência profissional já
lhe conferem alguma vantagem.
Contudo, assegura que "está mais do que na hora de
criar a minha própria empresa". Para Sofia Sousa,
"esta Feira surge na melhor altura. Com o desemprego, há
muita gente a procurar criar pequenos negócios como tábua
de salvação".
Empresário em tempo de crise
Mesmo assim, Sofia Sousa sabe que é um risco apostar na criação
de uma empresa em tempo de crise. Um risco que, assegura, "vale
a pena correr. Ficar parada e à mercê das limitações
do mercado de trabalho é que não é boa política.
Não quero criar uma multinacional e sim o meu auto-emprego".
E foi também a pensar nestes casos que a ANJE delineou a
edição deste ano da Feira do Empreendedor. Neste local
- o que apresenta maior número de ideias e oportunidades
por metro quadrado - os negócios são organizados como
uma cidade interactiva.
São muitas as ruas a percorrer e convém não
ter receio de "atravessar" a estrada. Da Rua das Oportunidades
de Negócio (onde estão presentes as oportunidades
de "franchising") até à Rua da Criação
de Empresas (dominada por instituições que apoiam
as "start-ups") é apenas um pulo. Mas para um debate
de ideias alargado, não há como parar na Praça
Pública ou beber um sumo natural na Praça da Alimentação.
Afinal, para Manuel Fernandes Thomaz, presidente da ANJE, "este
é o espaço perfeito para encetar relações
profissionais privilegiadas, seja com potenciais franqueados, agentes,
concessionários, revendedores ou investidores".
É nesta diversidade de espaços e conceitos que, segundo
Manuel Fernandes Thomaz, reside parte do sucesso do evento anual.
"O conceito da Feira do Empreendedor atrai não só
os jovens que querem lançar-se no mundo empresarial como
também, estudantes ou empresários com experiência
que, por terem pouco tempo para se actualizar, vêm aqui saber
o que há de novo", explica visivelmente satisfeito
com a adesão que a VI Edição da Feira alcançou.
Uma adesão que para Manuel Fernandes Thomaz, "não
se sustenta no facto de enfrentarmos um momento de crise e despedimentos".
Aliás, "é nesta alturas que as pessoas mais
se coíbem de criar empresas". Para o homem que colocou
o "empreendedorismo" na boca dos portugueses, "o
sucesso desta edição significa que a sociedade em
geral está a compreender a importância do conceito
e do espírito de iniciativa".
Portugal continua (pouco) empreendedor
TRÊS dias, 30 conferências, 40 oradores,
profissionais especializados em distintas áreas do universo
empresarial português. Este bem poderia ser o "cartão
de visita" para as conferências paralelas à Feira
do Empreendedor. Seria sem dúvida aliciante, mas não
foi necessário tal "chamariz".
As duas salas do Palácio da Bolsa destinadas ao evento não
chegaram para receber todos aqueles que queriam "aprender"
com a experiência de quem há vários anos dá
cartas no mundo empresarial.
Talvez por isso mesmo uma das intervenções mais concorridas
tenha sido a de Luís Alves Monteiro, gestor do Programa Operacional
da Economia. Em cerca de uma hora de intervenção,
o responsável passou em revista os programas em vigor para
o apoio à criação de empresas, mas traçou
também o panorama do empreendedorismo a nível nacional
e internacional.
E em Portugal o panorama não é animador: "Cerca
de 62% dos portugueses confessam nunca terem tido a ideia de criar
um negócio, 24% já pensaram no assunto e 14% iniciaram
a criação da sua própria empresa",
explica o gestor. Os dados têm por base o "Enterpreneurship,
Flash Eurobarometer" e são citados por Luís Alves
Monteiro para explicar o panorama nacional em matéria de
empreendedorismo.
De acordo com o responsável, embora a actividade empreendedora
seja dinamizadora da competitividade, crescimento económico,
criação de emprego e reforço da coesão
económica e social, "existem no país dois
grandes obstáculos à criação de empresas:
falta de suporte financeiro e complexidade dos procedimentos administrativos".
Luís Alves Monteiro recorre novamente ao estudo para ilustrar
os riscos mais temidos na criação de uma empresa.
Em Portugal não há margem para dúvidas: "47%
temem o insucesso financeiro, 43% não avançam com
medo de perder os bens, 32% receiam a incerteza face ao rendimento,
23% têm medo do insucesso pessoal, 19% temem a incerteza face
ao emprego e 7% acreditam que um negócio próprio carece
de muito tempo e energia".
Face a estas estatísticas, o responsável conclui que
53% dos portugueses não iniciaram um negócio pelo
risco de fracasso. Uma realidade que o vasto leque de conferências
tentou ajudar a inverter. Em três dias, discutiu-se de tudo
um pouco.
Desde ideias de negócio à opção do "franchising",
passando pela elaboração de planos de negócio,
estratégias para negociar com a banca, até aos mecanismos
de apoio à criação do próprio emprego,
no Palácio da Bolsa a palavra de ordem foi: partilhar conhecimentos
para promover o empreendedorismo.
E para que nada caia no esquecimento, a ANJE disponibilizará
brevemente no seu sítio (www.anje.pt) as intervenções
dos vários especialistas convidados.