Em 2017, Portugal recebeu perto de 20 milhões de hóspedes e criou mais de 58 mil empregos no Turismo. Com mais de 360 mil profissionais no ativo, o sector é hoje apontado como vital para a economia nacional e, em algumas áreas específicas, as empresas enfrentam já dificuldades de contratação por carência de mão-de-obra disponível. O Turismo de Portugal tem vindo a reclamar uma maior valorização das carreiras no sector, por via da qualificação dos seus profissionais e de melhores condições salariais, como forma de atrair talento para o Turismo nacional. Mas a prática ainda trava a ambição. No ano passado, o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) registou um total de 18.792 ofertas de trabalho para o sector do Turismo. 87,7% das vagas disponibilizadas exigiam como requisito de candidatura uma qualificação ao nível do terceiro ciclo do ensino básico (antigo 9º ano) e, dessas, 56,4% (10.615) não requeriam mais do que o 6º ano de escolaridade.
Os dados compilados pelo Expresso junto do IEFP contrastam com a dinâmica de um sector que nos últimos anos cimentou a sua posição como motor de recuperação económica e que tem procurado rejuvenescer-se e atrair jovens talentos. O emprego criado permanece pouco qualificado e, consequentemente, pouco valorizado. Em Portugal ainda se recruta para o Turismo requerendo aos candidatos menos do que o primeiro ciclo do ensino básico (antiga quarta classe). Em 2017, 1.859 vagas disponibilizadas pelo IEFP não pediam mais do que isto.
Mas é nas oportunidades de emprego para perfis com ensino secundário e superior que as ambições do Turismo de Portugal encontram maior resistência. A instituição liderada por Luís Araújo tem lutado aumentar as qualificações dos profissionais, mas na prática a procura por este tipo de perfis até diminuiu nos últimos dois anos. Em 2016, do total de ofertas disponibilizadas através do IEFP, 2.725 procuravam perfis com o ensino secundário concluído. No ano passado só 1.988 ofertas impunham este requisito. No ensino superior a redução foi ainda mais acentuada. Do total de ofertas divulgadas no último ano, só 250 exigiam licenciatura. Em 2016, eram 454 e em 2015 este era um requisito obrigatório em 691 das vagas divulgadas. Por outras palavras, o interesse das empresas em recrutar profissionais com qualificação superior através do IEFP, sofreu uma quebra de 36% em dois anos.
Os números do Instituto Nacional de Estatística (INE) corroboram este cenário. Segundo as contas da instituição, o sector do Turismo (nas atividades de alojamento, restauração esimilares) empregava 323,3 mil profissionais em Portugal. Só 95,1 mil detinham o ensino secundário ou cursos profissionais e apenas 33,8 mil possuíam qualificação superior. Do total de empregados no Turismo, 194,2 mil não detinham mais do que o ensino básico (9º ano de escolaridade).
Luís Araújo reconhece o problema: “60% dos recursos humanos que compõem o sector do Turismo em Portugal possuem apenas o 9º ano de escolaridade”. Os restantes 40% dividem-se entre a formação secundária e superior. Para o presidente do Turismo de Portugal, os dados do IEFP só podem espelhar uma realidade em que “as empresas optam por divulgar ofertas com requisitos de recrutamento mais baixos para captarem o maior número de candidatos possível e assegurarem elas mesmas, internamente, a qualificação dos profissionais que venham a recrutar”. Tanto mais que, garante, “temos sinais claros de que a qualificação e formação têm vindo a assumir um papel cada vez mais determinante nas empresas do sector”. O presidente do Turismo de Portugal reconhece, porém, que “faltam profissionais ao sector e, sobretudo, profissionais qualificados”, argumentando que “há ainda muito a fazer nesta área” e que esta escassez pode limitar o desenvolvimento futuro do sector.
Mudança de mentalidade ?nas contratações
Anualmente, o Turismo gera milhares de oportunidades em território nacional. Quando o assunto são qualificações, a realidade das empresas demonstra que ainda estão a trilhar o caminho da mudança de mentalidade. Muito do emprego criado acompanha as exigências da sazonalidade próprias do sector sendo, por isso, temporário. São disso exemplo a maioria das oportunidades de trabalho geradas pela S. Hotels, a organização criada para gerir o património hoteleiro da Sonae Capital (Aqualuz Troia, Troia Residence, Porto Palácio, The Artist Porto Hotel & Bistro e The House Ribeira Hotel). “O grupo tem atualmente 190 vagas disponíveis. Só nove não são para Tróia e não são temporárias”, explica Miguel Cordeiro, responsável de Recursos Humanos da S. Hotels, acrescentando que com exceção do empreendimento de Tróia - que pelas suas características tem a sua atividade muito concentrada nas épocas de Verão - todas as ofertas criadas no grupo são permanentes.
A S. Hotels recruta maioritariamente para as áreas de restauração e bebidas (food & beverage), comercial e de marketing. Miguel Cordeiro reconhece que o grupo ainda tem alguns profissionais menos qualificados, mas a tendência é para um aumento das qualificações seja dos profissionais que já integra ou dos que está a contratar. “Idealmente recrutamos profissionais nas escolas do Turismo de Portugal, nos Cursos de Especialização Tecnológica, com qualificações nas áreas do alojamento ou restauração, mas criamos também vagas em áreas de apoio, como o marketing e os departamentos comerciais. Nessas, requeremos qualificação superior e especializações em eCommerce, digital e redes sociais”, explica.
A Quinda do Lago, recruta em média 100 profissionais por ano. Tem neste momento 60 vagas em aberto para diferentes áreas de negócio. “A maior parte das contratações são sazonais, mas tendo em conta o crescimento da Quinta do Lago, a tendência de contratar apenas temporários para a época alta tem vindo a reduzir”, explica Paulo Gonçalves, diretor de Recursos Humanos da Quinta do Lago. O grupo prevê chegar 2018 com um crescimento de 20% nas contratações. Paulo Gonçalves reconhece que para algumas áreas mais específicas - como é o caso dos profissionais de cozinha - “as qualificações técnicas são fundamentais”, mas destaca sobretudo a relevância das competências humanas, já que “a hotelaria é um serviço de pessoas para pessoas”.
No Grupo Vila Galé, que nos últimos dois anos recrutou em média 250 a 300 profissionais por ano, aos cargos operacionais não é exigido mais do que o 9º ano de escolaridade. Mas “para os cargos de rececionista e direção de hotel são exigidos, pelo menos, 12º ano e licenciatura, respetivamente”, confirmou o departamento de comunicação do grupo, por escrito, ao Expresso.
À semelhança dois dois outros grupos contactados, o Grupo Vila Galé não divulga os patamares salariais que pratica. Uma questão que para o presidente do Turismo de Portugal é vital. Luís Araújo reconhece que não faz sentido querermos aumentar as qualificações e atrair para o sector talento qualificado, se as empresas só estiverem disponíveis para praticar os salários do passado. E embora reconheça que “as empresas já perceberam que para captar os melhores talentos é preciso dar-lhes condições aliciantes e praticar salários competitivos”, a verdade é que esse ainda permanece um entrave à qualificação do sector.