Ruben Eiras
A RESPONSABILIDADE social tem que fazer parte da estratégia
das empresas portuguesas, porque a pressão internacional para a
ética e transparência nos negócios será cada
vez maior.
É o que Don Tapscott, guru da gestão, em entrevista ao EXPRESSO,
por ocasião da sua deslocação na passada semana ao
INDEG-ISCTE, numa conferência de apresentação do seu
novo livro The Naked Corporation - How the Age of Transparency Will Revolutionize
Business.
EXPRESSO - O seu novo livro é sobre transparência e ética,
questões que estão no topo da agenda da gestão. Até
que ponto uma empresa deve ser transparente?
DON TAPSCOTT - A transparência não deve ser apenas
financeira, mas também nas relações entre todas as
pessoas que compõem as empresas: accionistas, empregados, clientes,
a comunidade social envolvente.
Esta visão tem que fazer parte do comportamento e valores dominantes
da empresa. Depois dos escândalos da Enron a da Andersen, o tecido
empresarial está cada vez mais nu. E quando se está nu,
vê-se tudo. Por isso, é bom que as empresas estejam em boa
"forma".
EXP. - Mas que novo sistema de valores defende para a prática
empresarial?
D.T. - Os valores-chave são a honestidade (dizer a verdade),
a responsabilidade, a benevolência (eu confiarei no outro se ele
levar em conta o meu interesse) e a candura (abertura à transparência).
EXP. - Mas acha que os CEO irão colocar esses valores em prática?
D.T. - Estas ideias eram consideradas "moles" no antigo
ambiente de negócios. No novo, estes são elementos cruciais
para uma boa "performance" económica. Vejamos isto da
perspectiva dos directores de recursos humanos, que gerem as pessoas.
A transparência gera confiança e isso diminui os custos de
transacção internos. Por exemplo, se existir um grande nível
de transparência, num sistema de trabalhadores de conhecimento,
isto reduz os "joguinhos" de influência dentro da organização,
as "políticas" de escritório, o comportamento
competitivo entre empregados e aumenta a lealdade.
EXP. - E a competitividade dentro de uma organização
não é saudável?
D.T. - Todas as pesquisas mostram que se as pessoas estão
sempre a competir umas com as outras, é impossível criar
um trabalho efectivo baseado no conhecimento, porque não se partilha
conhecimento. E sem partilha, não há trabalho baseado no
conhecimento.
EXP. - Então deverá abolir-se a competição
dentro da empresa?
D.T. - Isso é uma afirmação demasiado geral.
Algumas vezes faz algum sentido ter grupos a competirem entre si com estratégias
diferentes para desenvolver um produto. Mas dentro de um grupo de trabalho,
a competição pode ser tóxica para realizar um trabalho
de conhecimento efectivo, um processo que exige partilha. E quanto mais
se partilha, mais aberto tem que se ser num grupo de trabalho ou numa
empresa.
EXP. - E qual é o papel dos directores de RH neste novo contexto?
D.T. - Os antigos profissionais de RH trabalhavam para executar
funções administrativas de RH. Esse é um papel muito
limitado. As pessoas que temos de gerir já ultrapassam as fronteiras
internas da empresa.
Hoje vivemos em redes de negócio e os directores de RH também
têm de se preocupar em gerir as pessoas que estão nas outras
partes da cadeia de distribuição, como os fornecedores e
clientes.
Num ambiente transparente, toda a gente pode ver toda a cadeia de produção.
E por isso é bom que não exista trabalho escravo, infantil,
na colheita de cacau, se for uma empresa de chocolate.
EXP. - A responsabilidade social passa a ser um pilar do negócio?
D.T. - Sim. A ética e os valores têm que estar ao
longo de toda a cadeia de distribuição, porque num mundo
transparente as pessoas descobrem tudo o que se passa.
EXP. - Acha que os governos deviam incentivar a criação
de etiquetas sociais ou de ética?
D.T. - Isso já existe, com a Global Reporting Initiative,
um conjunto de normas adoptadas por muitas empresas que reportam não
só os resultados financeiros, mas também os ambientais e
sociais. E vai haver uma pressão em Portugal para que as empresas
divulguem todos estes resultados. Medir para divulgar num relatório
público muda o comportamento.
Os directores de RH podem ser líderes neste novo modelo de empresa
aberta, se assim o quiserem. Mas não basta uma declaração
de valores.
São valores que têm de estar na medula da empresa, em tudo
o que faz: como as pessoas pensam, se comportam, como se desenvolvem os
produtos, como se desenvolvem as relações, como se tratam
as pessoas. Por exemplo, se um fornecedor oferecer um suborno, já
se sabe o que se deverá fazer. Não há manual para
dizê-lo.
EXP. - Então o director de RH deverá agir como um guardião
desses valores?
D.T. - Sim, da integridade e da ética dos princípios
dos negócios.
EXP. - Mas a ética é sempre relativa...
D.T. - É verdade que os valores variam de empresa para empresa.
Os interesses das várias partes às vezes chocam. Por exemplo,
na deslocação de uma fábrica para um mercado onde
o trabalho é mais barato, os accionistas ficam a ganhar mas os
trabalhadores perdem, porque os empregos desaparecem. O equilíbrio
é sempre difícil.
EXP. - Entre os EUA e a Europa, quem está mais preparado para
este novo modelo de negócio?
D.T. - Desta vez, quando se fala de valores-chave das pessoas além
dos accionistas, a Europa está mais avançada do que os EUA.
Muitas empresas americanas não se preocupam com o valor dos empregados,
dos clientes, das comunidades envolventes, é sempre o dos accionistas.
Reportar à base da organização foi sempre visto com
hostilidade. Portanto, a Europa tem uma oportunidade para se reposicionar
à frente dos negócios. O futuro o dirá.