Cátia Mateus
Joaquim Domingos Capela é um homem de "vida cheia".
Engenheiro de formação, rendeu-se aos encantos da construção
de violinos.
INQUIETAÇÃO, mudança, desafio, novidade,
paixão e amor... "sim, amor porque é possível
amar um instrumento". Eis as seis componentes com que dão
"alma" a um genuíno "luthier" (construtor de
violinos).
Não existem em Portugal muitas pessoas a dedicar a sua vida à
construção de violinos, mas Joaquim Domingos Capela é
o exemplo perfeito de como é impossível fugir ao apelo desta
arte, mais ainda quando se trata de uma tradição familiar.
Com apenas nove anos construiu o seu primeiro violino, mas a vida deu-lhe
outros caminhos. Estudou, licenciou-se em Engenharia Mecânica, foi
professor universitário, "ganhou o mundo" e concretizou
o sonho de conhecer África, chegando a leccionar na Universidade
de Lourenço Marques. Mas nunca deixou de lado a arte de construir
violinos.
Aos 68 anos, Joaquim Domingos Capela define-se como "um vadio
da vida". Caracterizam-no uma procura incessante de novos desafios,
uma busca pelo conhecimento, uma inquietação visível
pela novidade. Mas, acima de tudo, uma imensa paixão pela "arquitectura
das cordas".
A alma e a voz de um violino nascem nas mãos de quem o constrói
e Joaquim Domingos Capela conhece o peso dessa responsabilidade. Com o
pai, Domingos Ferreira Capela, aprendeu a caminhar rumo à perfeição.
Sabe que num instrumento, "como em tudo o que construímos
na vida", nada fica ao acaso e por isso assume-se como um perfeccionista
e um eterno curioso.
Nascido na freguesia da Anta, concelho de Espinho, no seio de uma família
humilde que se notabilizou, nacional e internacionalmente, na construção
de violinos, tornando-se uma das mais notáveis "luthiers",
Joaquim Domingos Capela é o exemplo perfeito de um "self-made
man" a quem a persistência premiou com uma vida feita de vitórias.
Aluno exemplar, progrediu nos estudos com mérito. "Quando
conclui a escola primária não havia muita gente a estudar,
mas como tinha boas notas a professora convenceu o meu pai a deixar-me
ir estudar para a Escola Industrial, para o curso de carpinteiro de moldes",
relembra.
A "paixão" pelas máquinas
Foi, mas perdeu-se na aventura das máquinas e à revelia
da autoridade paterna pediu transferência para o curso de serralharia
mecânica. Concluiu o curso com sucesso, ganhou uma bolsa de estudo
e já a trabalhar licencia-se em engenharia mecânica.
"Durante este tempo nunca deixei de ajudar o meu pai na oficina.
Como era bom aluno, dispensava dos exames e por isso tinha longos períodos
de férias que aproveitava para auxiliar na construção
de violinos", explica.
É só com 22 anos que Joaquim Domingos Capela se afasta da
construção de violinos. Ao concluir o curso superior é
convidado para permanecer como professor assistente na Universidade do
Porto.
Dali embarca na aventura africana. Assume funções de assistente
na Faculdade de Lourenço Marques e simultaneamente exerce funções
técnicas e de gestão em algumas empresas. Regressa a Portugal,
onde inicia a sua actividade na Caixa Geral de Depósitos.
Em 1978 regressa à "arte da madeira e das cordas"
e nunca mais parou. "De início era uma actividade de tempos
livres, mas depois da reforma dediquei-me à construção
a tempo inteiro", confessa.
Ao todo, Joaquim Domingos Capela já construiu 22 violinos, 16 bandolins,
26 guitarras clássicas, 1 alaúde, 3 cavaquinhos, 26 guitarras
portuguesas, três bandolas, 3 bandoloncelos, 3 bandoletas, 1 viola
de arco e uma viola de amor.
Garante que desconhece ao certo quanto tempo demora a construir um violino.
"Não tenho a preocupação da produção
e por isso trabalho com a alma, sempre em busca da perfeição
e além disso, é frequente interromper a construção
de um instrumento e depois retomá-la meses mais tarde", confessa.
Todavia, a ligação do artista aos instrumentos musicais
não se fica pela sua construção.
Para Joaquim Domingos Capela, "é importante dar a conhecer
ao público a história dos instrumentos, é fundamental
mostrar o que está para além do som e da forma".
Por isso, já perdeu a conta ao número de palestras que realiza
juntos dos jovens sobre esta temática.
Além desta componente formativa, o "luthier" faz questão
de mostrar a qualidade dos violinos portugueses além fronteiras
e por isso já participou em vários concursos da especialidade.
Em tom de brincadeira refere que "os concursos são um pretexto
porque o que eu gosto mesmo é de viajar. Envio os violinos e depois
vou atrás". Uma estratégia que já o levou
a conhecer inúmeros museus. É que para o "luthier",
"o maior contributo que um indivíduo pode deixar à
humanidade é valorizar-se".
Diz Joaquim Domingos Capela que "a construção de
violinos é uma paixão perfeita, faz-se com alma",
mas não esconde que tem outras. Além da recuperação
de mobiliário, no seu portfolio artístico já soma
a criação de mais de 200 guarda-jóias totalmente
construídos por si. São peças em vários tipos
de madeira, com formas distintas, onde o lado geométrico das formas
se alia, num misto de perfeição e irreverência, ao
lado mais utilitário dos objectos.
Mas não se pense que por se encontrar em idade de reforma, o artista
não tem metas a atingir. "Neste momento estou a fazer uma
colecção de instrumentos da família Capela que quero
doar ao Museu da Música", explica. Um legado que coincidirá
com o centenário do nascimento Domingos Ferreira Capela, seu pai,
aquele que foi afinal o grande mentor da sua paixão pela arte dos
violinos.