Ruben Eiras
PARA Portugal possuir um sector privado de serviços
de emprego que atraia investimento estrangeiro, o Governo tem de reforçar
e apostar seriamente na inspecção do mercado de trabalho.
Quem o afirma é Mário Costa, director-geral do grupo Select,
um dos líderes do mercado de trabalho temporário nacional,
em entrevista ao EXPRESSO. Aquele responsável defende ainda a criação
de uma parceria entre o Instituto de Emprego e Formação
Profissional (IEFP) e as empresas de RH para formar a população
desempregada.
EXPRESSO - Portugal é o país da UE onde o desemprego
subiu mais depressa no último trimestre. Como é que a nossa
economia chegou a este ponto?
MÁRIO COSTA - A culpa não é só da crise internacional,
mas também das que criamos internamente. Por exemplo, todo o dinheiro
que veio do Fundo Social Europeu (FSE) para ser investido em formação
a sério foi utilizado indevidamente. Esses recursos são
normalmente entregues aos sindicatos ou à banca, mas quem precisava
mesmo desse dinheiro eram as PME, a fim de aproximar a formação
das necessidades reais destas empresas. Pelo contrário, o que se
tem feito é adequar a formação à teoria e
não à prática. O mercado precisa de cursos rápidos
e práticos, orientados para as tarefas. Para concretizar este objectivo,
os subsídios europeus não funcionam. Mas não é
só em Portugal, na Alemanha acontece o mesmo. É só
para ter as pessoas ficticiamente a ter formação e baixar
a taxa de desemprego. Será que isto vale alguma coisa para o país?
EXP. - Então a forma como foi aplicado o FSE na formação
reforçou os desequilíbrios de formação entre
as grandes e as pequenas empresas?
M.C. - Sim. E a política do governo de formação é
sempre para tapar buracos, sem estratégia e sem planeamento. Há
três anos, no pico do "boom" económico (que afinal
foi uma ilusão), não conseguíamos encontrar pessoas
para trabalhar nas TI e em outras funções. Então
propus ao IEFP que autorizasse as empresas de recursos humanos e de trabalho
temporário (TT) a explorarem as suas bases de dados de desempregados
para lhes dar formação, porque havia falta de mão-de-obra.
Mas negaram o acesso.
EXP. - E porquê?
M.C. - Porque dizem que nós somos privados. O IEFP não queria
estar bem com as empresas do sector de emprego.
EXP. - Com a mudança de Governo, houve alguma evolução
na relação entre o serviço público e privado
de emprego?
M.C. - Até agora, as orientações de cima são
para colaborar com as empresas. Mas a máquina burocrática
está a emperrar o processo. Temos tanta gente dentro do Estado,
que não podemos levar a mal que criem burocracia para se defenderem.
Assim, esta guerra vai exigir o dobro do esforço.
EXP. - Como é que a articulação entre as entidades
privadas e públicas no sector laboral poderá ajudar a corrigir
as disfuncionalidades do nosso mercado de trabalho?
M.C. - De muitas formas. Recentemente estive a discutir com os directores
da segurança social no sentido de criar parcerias entre a segurança
social e a Associação Portuguesa de Empresas de Trabalho
Temporário. Isto para perceberem bem os problemas de que o sector
sofre e como nos podem ajudar. As mesmas conversações estão
a decorrer com a Inspecção do Trabalho (IGT).
EXP. - Mas como é que se faria uma parceria de privados com
a IGT a nível da inspecção do trabalho temporário?
Isso não poderia influenciar a acção da entidade
fiscalizadora?
M.C. - A parceria que se estabeleceria seria nos domínios da informação
e da formação sobre o funcionamento do negócio do
trabalho temporário. Há inúmeras variações
do TT conforme a indústria onde é utilizado e os inspectores
do trabalho não têm conhecimento aprofundado sobre as várias
realidades nesta matéria. É que por muito que a gente queira,
a IGT não tem meios, pessoas e formação para levar
a cabo a sua missão. É preciso informatizar todo o sistema
e os seus respectivos processos para combater as empresas de TT que não
pagam segurança social. Se a ilegalidade continuar impune, não
temos empresas de RH credíveis no mercado português e não
se atrai investimento estrangeiro de qualidade. Nenhuma multinacional
quer arranjar problemas com ilegalidades laborais. Temos que ter uma concorrência
transparente com regras iguais para todos. A lei não pode ser só
rigorosa e rígida para os cumpridores.
EXP. - Então a IGT não conhece o mercado que inspecciona?
M.C. - Não estou a dizer isso. Conhece o mercado mas tem falta
de meios e de inspectores para conhecê-lo com maior profundidade.
Sou totalmente a favor de que as grandes empresas de TT devem ser as primeiras
a serem inspeccionadas para dar exemplo ao resto do sector, mas há
que ir às outras empresas também. Por exemplo, em Alqueva,
há imensos trabalhadores temporários na ilegalidade. São
mais baratos... Mas será que o Estado faz alguma coisa? Sabe da
existência do problema, mas não faz nada, porque não
tem meios. Se calhar só têm um inspector por lá...
Na construção dos estádios de futebol repete-se o
mesmo cenário.
EXP. - Mas se calhar o Estado também não tem interesse
na detecção da ilegalidade, dado serem obras com interesse
estratégico e que ficam mais baratas assim...
M.C. - Pois, porque o Estado não decidiu por um preço razoável
e justo, mas sempre pelo mais baixo. Mas se uma empresa de TT não
paga à segurança social, só aí corta 30% de
custo! Então quem anda a fomentar este comportamento é o
Estado.
EXP. - Então o Estado fomenta a fuga aos impostos sobre o trabalho?
M.C. - Mas é, não é?
EXP. - Passemos à formação. As ETT são
obrigadas por lei a investir 1% em actividades formativas. A legislação
é cumprida?
M.C. - A lei diz que se deve investir em formação, mas depois
não diz como é que deve fazer. Por isso, ninguém
faz nada.
EXP. - Mas a atitude dos empresários portugueses face à
formação também é de desinvestimento...
M.C. - Acho que se poderá mudar isto através do tal esquema
de parcerias entre o Estado e o sector privado de que falei há
bocado. Mas têm que ser estabelecidas com boa-fé dos dois
lados. Se estou a investir na formação, se pago os meus
impostos, devo ter um reconhecimento do Estado por este comportamento.
EXP. - Considera o Código do Trabalho como um factor de mudança
nesse relacionamento?
M.C. - Sim, embora prejudique o sector do trabalho temporário.
EXP. - Em que medida?
M.C. - Devido à colocação do TT como lei especial
e não com o mesmo estatuto que as outras formas de trabalho flexível
detêm, como o contrato a termo. A alternativa real para a flexibilidade
nas empresas é o trabalho temporário, não o contrato
a prazo. No esquema do TT, a empresa só paga a factura no final
do mês e não têm que preencher mapas de segurança
social e outras burocracias. O TT é um sucesso nos mercados mais
desenvolvidos, porque a sua flexibilidade cria maior agressividade concorrencial
às empresas. Se queremos mudar a nossa economia, temos que ir por
este caminho.
EXP. - Mas a flexibilidade em Portugal vem quase sempre acompanhada
de precariedade...
M.C. - Mas isso, mais uma vez, isso é uma questão de fiscalização
para combater a concorrência desleal e o "dumping" de
preços do TT.
EXP. - Como avalia os sinais que o Governo tem dado nesta matéria?
M.C. - Têm sido positivos. Escutam as nossas preocupações,
mas vamos ver... É crucial um reforço por parte das inspecções.
Há que injectar sangue novo nos corpos inspectivos e dar formação
a sério a estes profissionais.