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“O desemprego só se vence fazendo da educação o principal investimento nacional”

“O desemprego só se vence fazendo da educação o principal investimento nacional”

É um dos mais reconhecidos especialistas nacionais em recrutamento e tem do mercado de trabalho uma visão crítica e sustentada no valor da formação. Amândio da Fonseca, o administrador do grupo de recursos humanos EGOR, que fundou em 1986, dedicou toda a sua carreira à seleção e gestão de talentos. Ao Expresso traça uma análise do atual contexto do mercado de trabalho onde a qualificação dos profissionais, a fuga de talento e a recuperação da economia são peças centrais.

09.10.2015 | Por Cátia Mateus


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Que análise faz da recuperação do mercado laboral nacionais nos últimos anos?
Acredito que se insere numa tendência de gradual melhoria em vários sectores: educação, saúde, bem-estar e desenvolvimento económico de que Portugal tem beneficiado nos últimos dois anos. O crescimento económico gera não apenas fatores tangíveis como a redução do desemprego mas também fatores intangíveis que se traduzem em indicadores sociais mais favoráveis. Infelizmente, este processo de melhoria deixa de fora os mais idosos, os jovens pouco qualificados e os desempregados de longa duração. O desemprego de longa duração e desemprego jovem são dois dos "flagelos nacionais" em matéria de empregabilidade e também questões prioritárias para a Europa.

Quais seriam as suas propostas para inverter, ou pelo menos atenuar, estas estatísticas?
O desemprego de longa duração constitui o principal problema dos países onde se verificam mudanças bruscas induzidas por razões tecnológicas e transformações sociais. Há sempre uma parcela significativa da população que não consegue acompanhar as alterações tecnológicas, económicas e culturais das novas gerações. Na medida em que os desempregados de longa duração são, na esmagadora maioria dos casos, vítimas de sistemas políticos e económicos que os mantiveram pobres e incultos para beneficiar de mão-de-obra barata, compete à sociedade assegurar as condições materiais e os custos de uma reforma digna nos casos em que a reconversão profissional é irrealista.

E na área do desemprego jovem?
O desemprego jovem constitui um problema de mais fácil solução, que tende a resolver-se à medida que o crescimento económico e as oportunidades de reconversão, nomeadamente através da aposta no ensino profissional, constituírem uma realidade.

É da opinião de que existe em Portugal uma desadequação entre as competências dos candidatos disponíveis no mercado e as necessidades das empresas?
O gap que refere resulta de um fenómeno multifacetado que vai do défice educacional gerado pela fraca escolaridade, à sobrequalificação de algumas dezenas de milhares de jovens licenciados que investiram em licenciaturas sem empregabilidade e de que o mercado de trabalho não necessita.

Em que áreas é esse gap mais flagrante?
Cursos de trabalho social e audiovisuais, bem como muitas dezenas de outros cursos, predominantemente ministrados nos politécnicos do interior, lideram as estatísticas do desemprego demonstrando que a motivação política, embora bem intencionada de democratizar o ensino superior, não teve em conta as realidades locais da ausência de mercado de trabalho que as justificasse. Nos últimos anos, o país assistiu à saída de milhares de profissionais que procuraram oportunidades de trabalho noutras geografias.

Acredita que Portugal está em condições de inverter a fuga de talento que enfrentou nos últimos anos?
Numa economia aberta como a europeia, a atração dos mais jovens pela emigração qualificada irá manter-se por muitos anos e tornar-se-á, a partir de certa altura, um fator natural de um mercado de emprego mais vasto e atraente que o do país de origem. Portugal dificilmente poderá competir nos próximos anos com as ofertas de trabalho e as operações de brain hunting que países como a Alemanha ou o Reino Unido promovem ativamente. A emigração dos cérebros ocorre em todo os países em que a melhoria dos níveis de preparação educativa (oferta superior à procura) e os cursos superiores não encontram correspondência da parte da economia, nem em quantidade nem em qualidade, das oportunidades de carreira que os países mais desenvolvidos lhes proporcionam.

Quer com isso dizer que lhe parece pouco plausível que estes talentos queiram regressar a Portugal?
O regresso à pátria dos expatriados mais qualificados só tende a ocorrer quando o país emissor recupera condições e oportunidades de emprego semelhantes, ou aproximadas, daquelas que os emigrantes usufruem nos países hospedeiros. Programas de retorno limitados a incentivos financeiros são uma medida com objetivos políticos mas com níveis de nula eficácia. Só quando o desenvolvimento e a expansão económica e social da sociedade portuguesa o permitir, é que o país recuperará com enormes vantagens este tipo de emigrantes. Resta como consolação que irão regressar mais cosmopolitas, profissionalmente mais bem preparados e mais aptos para alavancar mudanças profundas na sociedade portuguesa. Portugal beneficiou de um fenómeno semelhante com a vinda dos retornados, graças ao vigor, ao dinamismo e a capacidade de iniciativa que centenas de milhares de pessoas que induziram numa sociedade traumatizada por muitos anos de marasmo económico e político.

Na sua opinião, que grandes batalhas enfrenta ainda Portugal na recuperação dos seus níveis de emprego e no combate ao desemprego?
Os principais problemas tem o cordão umbilical ligado aos baixos níveis de qualificação e índices etários elevados, de uma grande maioria da população que não tem condições para vencer as barreiras profissionais impostas pela sociedade da informação. É um problema geracional que muitos outros países atravessaram quando evoluíram no pós-guerra da indústria primária para uma cultura de serviços e tecnologias avançadas. Muitos destes desempregados de longa duração, são náufragos da construção civil ou da agricultura que não tem capacidade para se adaptar a uma economia mais mecanizada e orientada para o investimento privado do que para as grandes obras públicas que anestesiaram o mercado laboral até 2008. Apenas os mais aptos conseguem encontrar na emigração para países em vias de desenvolvimento oportunidades de trabalho que Portugal hoje lhes nega. Num outro extremo da pirâmide, encontramos níveis anormalmente elevados de desemprego de jovens licenciados que resultam da desadequação gerada pela liberalização do ensino superior e as necessidades de mercado de emprego e das empresas. Existem largas dezenas de curso superiores em que o desemprego é superior a 20% e cursos específicos em que o desemprego é praticamente total. O abandono escolar, no qual ocupamos os últimos lugares das estatísticas europeias, constitui igualmente o retrato infeliz de uma geração que sai das escolas sem a preparação mínima para enfrentar um mercado com níveis de exigência cada vez mais elevados. Os índices de produtividade portugueses, onde mais uma vez lideramos a cauda das estatísticas europeias, constituem o indicador mais eloquente dos gigantescos desafios com que a economia portuguesa se defronta.

Como ultrapassar estas questões?
Fazendo da educação o principal investimento nacional. Esse propósito, clamorosamente verbalizado cada vez que existem condições de alternância política, só tem aumentado a confusão e o desgoverno do sistema educativo. O ensino constituiu durante muitos anos o refúgio vocacional de muitas pessoas que o encararam como a ultima oportunidade de emprego. A racionalização efetuada nos últimos anos suscita a esperança que o método e o rigor tenham vencido os interesses instalados e que finalmente o sistema educativo assuma as responsabilidades de principal motor de transformação da sociedade portuguesa.

Quais são as áreas em que Portugal tem ativamente criado mais emprego e contribuído para o inverter da estatística de desemprego nacional?
Estatísticas recentes identificaram mais de oito dezenas de cursos superiores com emprego a 100%. Para além da Medicina e dos sistemas de informação, cursos como a Gestão Industrial, Ambiente, Transportes, Logística, Ciências Veterinárias, matemáticas, Eletrónica e Automação, Física, Ciências Agrárias, Biologia, T e outras, constituem investimentos seguros, quer em termos de mercado de emprego local como global.

E as que estão a ter uma recuperação mais lenta na criação de emprego?
A recuperação do emprego marcha a par e passo com a evolução e crescimento da economia. Setores como o da exportação e o turismo estão a proporcionar oportunidades de emprego a muitas pessoas, oriundas de diversas áreas de formação vocacional, numa demonstração de que um crescimento forte da economia em geral permite criar postos de trabalho e reduzir as taxas de desemprego em geral em áreas com as do ensino em que uma larga faixa de professores ficou desempregada. As formações superiores nas áreas humanisticas defrontam-se igualmente com dificuldades num mercado em que existe uma carência crescente de profissionais habilitados para responder às crescentes necessidades das empresas e dar respostas às necessidade de uma economia marcada pelas exigências da Era da Informação.

Os profissionais portugueses estão preparados para as novas circunstâncias que o mercado de trabalho impõe, nomeadamente o facto de um candidato ter estar disponível para uma reconversão em qualquer ponto da sua carreira, direcionado-se para áreas de maior empregabilidade?
A realidade nunca é taxativa. Existe um número crescente de candidatos preparados para responder aos desafios das novas circunstâncias do emprego. Cada vez mais as universidade competem entre si, no sentido de preparar os seus licenciados para o mercado de trabalho global, onde a mudança de responsabilidades, locais de trabalho, transições de carreira se tornaram uma realidade irreversível. No entanto, ainda nos deparamos com muitos candidatos que, ao abrigo de subsidio de desemprego generosos, se dão ao luxo de recusar ou mostrar reticências em relação a oportunidades que lhe são oferecidas.

O que é necessário para potenciar e acelerar o processo nacional de recuperação do emprego?
A recuperação do emprego não depende nem de intenções políticas, nem de promessas eleitorais falaciosas. A continuidade da recuperação do emprego depende, exclusivamente, das empresas e da evolução da economia. Compete ao futuro Governo, manter e criar as condições de árbitro de uma sociedade mais justa onde o empreendedorismo e a iniciativa privada não fiquem reféns de promessas irrealistas e de cenários manipulados, para conquistar os votos dos menos esclarecidos.



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