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"Há profissões a desaparecer, mas o trabalho mantém-se"

Janina Kugel lidera a nível global os Recursos Humanos da Siemens e é uma das poucas mulheres a integrar o conselho de administração da multinacional alemã. Pelas suas mãos passa toda a estratégia de contratação da marca. O Expresso entrevistou-a em exclusivo, numa visita relâmpago à sede da multinacional em Portugal. Os desafios da transformação digital para profissionais e empresas, os empregos do futuro, o talento e o sucesso guiaram uma conversa com aquela que é globalmente reconhecida como uma líder inspiracional, para quem o talento é um conceito difícil de definir.

30.01.2017 | Por Cátia Mateus


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Como é que a Siemens está a enfrentar os desafios da transformação digital?
Há hoje uma enorme influência da tecnologia em tudo o que fazemos. São as pessoas que têm de se adaptar e gerir a complexidade de um mundo mediado pela tecnologia. Acho que é por isso que a área dos recursos humanos será eternamente desafiante. Quando falamos de digitalização, esquecemo-nos de falar dos blue color jobs (trabalhadores técnicos ou fabris). No último encontro de Davos, na passada semana, emergiu a ideia de que o mundo do trabalho já não se divide em colarinhos azuis e colarinhos brancos (executivos). A tecnologia esbateu isso. Pensemos num soldador ou num mecânico, qualquer um dos dois terá de desenvolver também competências digitais, as necessárias à sua função. E isso não quer dizer que toda a profissão esteja ou vá mudar. O que estamos a fazer na Siemens é olhar, de forma continua, para todas as competências que os nossos profissionais necessitam de atualizar e a garantir-lhes a necessária reconversão. Investimos muito dinheiro neste processo.

Quanto?
No último ano fiscal, cerca de 500 milhões euros.

A Siemens é empresas de orientação digital, mas não tem um chief digital officer (diretor de digital). Porquê?
(Sorri) Porque não me parece que possamos atribuir a responsabilidade da transformação digital de uma empresa a uma só pessoa e fazer as outras acreditar que essa missão não lhes cabe. A digitalização acontece, e tem de acontecer, em todo o lado, desde as funções de liderança corporativa, às áreas tecnológicas, recursos humanos ou operacionais. Tem de acontecer de forma transversal em todo o negócio.

O que é que está verdadeiramente a mudar, no mundo do trabalho, com a digitalização para os profissionais?
Quase tudo e estamos longe de concluir este ciclo de mudança. O recrutamento pode ser um bom exemplo para perceber o que está a mudar. Quando os recrutadores analisam currículos olham para todo o documento. Se há uma foto, analisam se lhes agrada aquela pessoa, olham para a idade e fazem nova apreciação, para o género e fazem novo julgamento. Muitas vezes até procuram no nome ilações sobre a origem da pessoa. E isso significa que não se estão a focar no que deveriam: as competências do candidato. A inteligência artificial, e já o estamos a testar, dá bons contributos nesta matéria porque permite uma triagem objetiva dos candidatos com base num conjunto de critérios definidos como vitais para a função. Na Siemens estamos a investir muito nestes processos de identificação de talento que permitem eliminar os “preconceitos”, ainda que inconscientes, associados aos processos de seleção.

Devemos sentir-nos, enquanto profissionais, ameaçados pelas máquinas?
Não, não me parece. Esta revolução digital é em tudo idêntica às revoluções industriais que vivemos antes. E de cada vez que as pessoas percebem que algo vai mudar radicalmente, têm medo. É humano tê-lo, mas há importantes oportunidades que podemos aproveitar.

Mas para isso as qualificações dos profissionais também têm de evoluir...
Sim. O desafio que hoje temos, e que é inquestionável, é que o nível de qualificação dos profissionais tem de ser superior para fazer face às exigências desta transformação digital. Infelizmente, encontramos em muitos países europeus uma percentagem significativa de profissionais que por alguma razão não concluem a sua formação e tendemos a aceitar isto, do ponto de vista social, como normal. Normal que abandonem a escola a uma determinada idade e que em função disso, as suas qualificações não lhes confiram as competências necessárias para encontrar lugar num mundo profissional digital. E este é que acredito que seja o grande desafio e responsabilidade, não só das empresas como da sociedade e dos próprios Governos: garantir que estamos a formar as nossas pessoas para os novos contextos de trabalho e para as exigências que eles comportam. Nem todos os 351 mil funcionários da Siemens, vão tornar-se “digitais” do dia para a noite. É um processo que levará o seu tempo e não acontecerá para todos os profissionais em simultâneo. O nosso desafio é antecipar as mudanças e saber geri-las.

Arriscaria dizer que a digitalização está a mudar empregos, mas não a eliminar empregos?
Diria que há profissões a desaparecer, mas o trabalho mantém-se. Alguns empregos não existirão daqui a cinco anos, tal como tínhamos empregos no passado dos quais hoje nem sequer nos lembramos. Tentemos explicar aos nossos avós o que é um analista de dados, um gestor de redes sociais ou um especialista em cibersegurança. Alguns empregos desaparecerão, mas o trabalho permanecerá e a necessidade de profissionais qualificados para o desempenhar também.

Que empregos vão desaparecer?
Os que possam ser automatizados, que sejam muito repetitivos ou preditivos, em que possamos ter um algoritmo que reconheça os padrões de atuação. Faço sempre a comparação com os agentes de viagens. Todo o processo de agendamento de uma viagem, que era completamente manual há poucos anos, é hoje quase na sua totalidade digital.

E que novos podem emergir?
Adorava saber (risos).

Que tipo de profissionais estarão na mira da Siemens no futuro?
Uma das áreas que podemos confirmar, e Portugal é um bom exemplo disso, são os profissionais com fortes competências tecnológicas e na área da engenharia. Mas há outras funções que são menos associadas à Siemens e que as pessoas muitas vezes não sabem que procuramos, como soldadores (dependendo dos países em que estamos, naturalmente), que são muito difíceis de contratar. O que me parece que é altamente relevante para os profissionais do futuro é que, independentemente da função, tenham uma elevada capacidade de aprendizagem e uma postura que lhes permita lidar com a complexidade e ambiguidade. Isto será muito necessário no futuro.

Como é que os profissionais se devem adaptar à transformação digital?
Num contexto de complexidade, globalização e digitalização, com uma mente aberta e flexibilidade. Não acreditem que o que quer que seja que estão a estudar hoje será suficiente no futuro. E isto não é só válido para jovens, é para os seniores também.

Que tipo de talentos procura quando contrata para a Siemens?
Num negócio complexo como este não há apenas um tipo de talento e eu também não acho que exista um tipo único de ser humano, nascido para ter sucesso profissional. Ambas as definições - talento e sucesso - variam de gestor para gestor. É bom que assim seja. Por isso, diria que talento para mim é alguém apaixonado por aquilo que faz, que se compromete com a sua missão, que partilha boas ideias e que não está à espera de ordens para executá-las. A complexidade do contexto empresarial atual não se compadece com profissionais que apenas cumprem ordens, exige profissionais responsáveis, capazes de assumir a dianteira de projetos e soluções.

Formou-se em Economia. Onde é que aparece a paixão pelos Recursos Humanos?
Quando decidi estudar Economia tinha a ambição de trabalhar para as Nações Unidas. Isso acabou por não acontecer, mas muitos dos meus amigos ainda me dizem “bem, trabalhar para a Siemens é quase o mesmo do que trabalhar para as Nações Unidas” (risos). Há 11 anos tomei a decisão de me dedicar aos Recursos Humanos. Achava que poderia dar um contributo nesta área. Os líderes estão sempre a dizer que as pessoas são a grande mais-valia de uma empresa, mas infelizmente muitas vezes as suas ações não vão neste sentido. Para mim, as pessoas são a única coisa que de facto faz a economia mexer e os negócios acontecerem. Mesmo que estejamos a falar de tecnologia ou de um produto, ele foi certamente inventado por um ser humano, pelo menos até ver.

PERFIL

Idade
47 anos

Formação
É licenciada em Economia pela University of Mainz (Alemanha) e mestre na mesma área pela Università degli Studi di Verona (Itália)

Percurso
Iniciou a carreira na área da consultoria, ao serviço da Accenture, onde trabalhou em múltiplas geografias (Suécia, Itália, Suíça, Estados Unidos e Alemanha). Em 2001 integrou a equipa da Siemens Communications, na área de Estratégia, num cargo também global. Durante quatro anos representou a empresa na Alemanha e na China, na posição vice-presidente para a área de Transformação do Negócio e Gestão do Conhecimento (Business Transformation & Knowledge Management). Em 2005 torna-se diretora de Desenvolvimento Corporativo da empresa, na Alemanha, e mais ruma a Itália para liderar os Recursos Humanos da subsidiária italiana da tecnológica. Em 2013 torna-se vice-presidente da Siemens AG para a área de recursos Humanos, Pessoas e Liderança, com responsabilidades nos mercados americano, do Médio Oriente e África. Dois anos mais tarde passa a integrar o conselho de administração da empresa e a tutelar a área de Recursos Humanos à escala global.

Cargos externos
É membro do conselho de gestão da Siemens Foundation (Siemens Stiftung) e do conselho de supervisão da Siemens Healthcare GmbH. Integra também os conselhos consultivos da Hertie School e da University of Applied Sciences Ingolstadt.



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