Vem aí a ISO 26000 – Prepare-se!
(23-02-2007)
Carla Marisa Magalhães *
ebcarla@fgv.br
Em 2004, ao fim de quase três anos de estudos efectuados, a International Organization for Standardization (ISO) – organismo criado há cerca de 60 anos, com sede em Genebra e presente em mais de 150 países, que promove normas e actividades que favorecem a cooperação internacional ao nível intelectual, científico, tecnológico e económico – aprovou a elaboração de uma norma internacional de Responsabilidade Social – a ISO 26000.
Esta norma, que se prevê que esteja pronta e seja publicada até Outubro de 2008, não terá como objectivo a certificação, mas tão-somente a orientação, no sentido de colaborar com as organizações para que elas incorporem práticas socialmente responsáveis nos seus modelos de gestão. Será, pois, uma norma que não se dirigirá apenas às empresas, mas também a qualquer tipo de organização e actuará em harmonia com os restantes modelos existentes até então.
A grande novidade da ISO 26000 é que a sua construção está aberta à participação multistakeholder , ou seja, a todas as partes interessadas, incluindo aquelas que geralmente são excluídas de processos desta natureza, tais como trabalhadores, consumidores e ONGs. Assim, ao nível nacional, existem delegações compostas por especialistas que representam as seguintes categorias de stakeholder : consumidores, empresas, governo, ONGs, trabalhadores e serviços, suporte, pesquisa e outros.
É de destacar, ainda, a crescente participação dos países em desenvolvimento e, pela primeira vez, a liderança de um projecto deste tipo é levada a cabo conjuntamente por um país desenvolvido – a Suécia – e por um país em desenvolvimento – o Brasil.
Uma das grandes questões que foi ponderada durante o processo de construção da ISO 26000 (que ainda está a decorrer) foi decidir se a norma deveria ou não certificar. Para tal, foram analisadas as vantagens e desvantagens de uma norma certificadora e, desde logo, as desvantagens da certificação surgiram com maior fluidez. Eis algumas delas:
- A certificação reduz o carácter didáctico das acções socialmente responsáveis, pois retira às organizações a capacidade destas serem criativas no que diz respeito a essa questão, já que a RS passa a ser vista como um conceito fechado, finito e confinado aos preceitos da norma.
- A certificação dificulta a democratização da RS pelos diversos tipos de organizações, pois nem todas elas possuem meios para suportar um processo desse tipo.
- A certificação tem custos elevados, sendo por isso mais acessível às empresas com um maior poder financeiro e não necessariamente àquelas que dão mais cartas na área da RS.
- A certificação cria barreiras não tarifárias ao comércio internacional, uma vez que tende a ser utilizada pelas grandes organizações e por determinados países como condição essencial para a prática de negócios.
- A certificação ajuda a disseminar a ideia de que a RS é um negócio e não um valor.
- A certificação transforma a RS num negócio, criando um nicho de mercado, explorado por diversas entidades (singulares e plurais), que passam a dar ao conceito um cariz cada vez mais instrumental e cada vez menos substantivo – falamos aqui das entidades certificadoras.
- A certificação é menos flexível e difícil de aplicar em termos gerais, perante as diferenças culturais, sociais, económicas, políticas e ideológicas existentes ao nível mundial.
- A certificação pode transformar-se numa arma demagógica, que tende a camuflar as más práticas das organizações, com um selo que lhes confere um título a partir de algo que é bem feito, mas que não analisa o que é mal feito ou o que nem sequer é feito e deveria ou poderia ser. Isso gera uma falsa boa imagem aos olhos da sociedade menos bem informada e cria a ilusão de que uma empresa certificada tem que ser socialmente responsável e uma empresa não certificada dificilmente o será.
Assim sendo, perante uma vasta lista de desvantagens e sendo que a principal vantagem da certificação reside no facto de uma norma certificável ter maior força no mercado, em virtude das organizações poderem obter o reconhecimento externo advindo desse processo, foi decidido que a ISO 26000 não iria certificar organizações, mas apenas dar orientações no que diz respeito à aplicação da RS.
No entanto, é reconhecido que para as organizações que tivessem acesso ao processo de certificação, as vantagens seriam inúmeras (credibilização da marca, melhoria da imagem, diferenciação positiva face à concorrência, entre outras), mas uma vez que o que se pretende é tornar este processo o mais acessível e democrático possível, tornou-se então claro que certificar não seria o melhor caminho a seguir.
Deste modo, esta será a futura norma que irá “reger” as boas práticas organizacionais ao nível mundial. No entanto, até lá, Portugal deverá ter a sua própria norma de RS, tendência que, aliás, está a ser seguida em vários países.
Assim, para todas as organizações que não quiserem ficar fora deste contexto, que no final de 2008 deixará de ser uma simples tendência, as palavras de ordem são duas – Responsabilidade Social! Com ou sem certificação, certamente que a partir daquela data as organizações estarão muito mais expostas aos olhos da sociedade e serão muito mais pressionadas para actuarem de forma socialmente responsável no mercado.
E se os olhos estarão postos nas organizações que aderirem à ISO 26000 e/ou à norma portuguesa de RS, no sentido de se apurar se essa adesão é revestida por padrões de honestidade, transparência, congruência e sustentabilidade, certamente que as organizações que ficarem de fora desse processo de adesão também serão “cobradas”, não no sentido de aderirem a esta ou aquela norma (pois nenhuma delas será vinculativa, pelo menos para já), mas no sentido de se comportarem ao nível do actual paradigma que cada vez ganha mais força em termos mundiais – o paradigma da sustentabilidade!
*Carla Marisa Magalhães (marisamagalhaes@clix.pt) é investigadora e consultora na área da Responsabilidade Social e doutoranda em Ciências Empresariais, na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, em parceria com a Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro.