Obstáculos à implementação da Responsabilidade Social em Portugal
(19-01-2007)
Carla Marisa Magalhães *
ebcarla@fgv.br
No último artigo foram dadas algumas sugestões potenciadoras da RS e que, ao mesmo tempo, poderão fazer de nós pessoas mais íntegras, mais éticas e mais conscientes. No entanto, para que o discurso da RS e as práticas socialmente responsáveis se confundam, há um longo caminho a percorrer, no sentido de, numa primeira fase, reconhecermos as nossas fraquezas para, numa segunda fase, as ultrapassarmos.Em Portugal existem alguns “constrangimentos” que podem dificultar (ou, pelo menos, não incentivar) o bom desempenho social das pessoas e das organizações. Vejamos quais:
Cultura
– Falar da cultura portuguesa é algo bastante complexo, na medida em que existem variações significativas de umas regiões para as outras, as quais dependem de aspectos como a origem étnica, o clima, a faixa etária, o nível de instrução, a tendência política, o grau de envolvimento religioso, a densidade populacional e o nível de riqueza e de desenvolvimento, entre outros. No entanto, apesar de tantas variáveis e de existirem pessoas que não se enquadram no padrão cultural português, a verdade é que existem traços culturais que são comuns à maioria de todos nós, o que nos permite falar em cultura portuguesa. Entre esses traços, existem dois que merecem especial reflexão, na medida em que interferem negativamente com a prática da RS. São eles:
- Aversão à instabilidade e à incerteza: apesar dos portugueses serem conhecidos como um povo “desenrascado”, não gostam de imprevistos, de situações geradoras de incerteza, nem de mudanças. Ora, este traço cultural faz com que as pessoas se mostrem comodistas e se preocupem apenas em manter uma espécie de “mínimo ideal”, isto é, mesmo não estando totalmente satisfeitas com a situação em que se encontram, nada fazem para a mudar, desde que o básico se mantenha. Deste modo, as organizações não são pressionadas pelos seus funcionários a terem um desempenho social mais satisfatório, pois apenas se espera que assegurem aquilo que realmente é importante: os salários e os direitos básicos. E como não existe pressão, não existe preocupação por parte das entidades empresariais, em torno deste assunto.
- Incapacidade de planear a longo prazo: a visão a curto prazo (ou até a falta de visão) é outro traço que acompanha empregados e patrões no nosso país. Deste modo, o planeamento só é apetecível se for feito com o fim à vista. Isso gera alguma ansiedade em torno dos resultados, o que faz com que as pessoas se preocupem apenas em traçar objectivos com um retorno quase imediato. Ora, perante um cenário destes, é natural que a RS tenha algumas dificuldades de penetração, na medida em que ela própria requer o seu tempo até começar a dar os tão esperados resultados.
Justiça
– Em Portugal, a Justiça é, muitas vezes, ineficaz. Na verdade, o grande problema não é a falta de legislação (embora em alguns aspectos haja ainda muitas lacunas), mas sim a falta de fiscalização, a qual é escassa, o que faz com que muitas pessoas e organizações actuem à margem da Lei. Com efeito, a Lei só é mesmo obrigatória se se fizer cumprir, o que significa que sem fiscalização não existe Lei! E o resultado é o incumprimento legal de muitos aspectos fulcrais para a RS (fiscais, trabalhistas, ambientais, etc.). De facto, enquanto não tivermos um sistema de justiça eficaz, a RS não tem voz activa, pois de nada adianta investir em projectos sociais na comunidade se houver fuga ao fisco, por exemplo.
Imprensa
– A Imprensa é um dos maiores formadores da opinião pública. A exposição mediática de determinada questão é meio caminho andado para essa questão começar a ser valorizada em termos sociais. No entanto, aquilo que vemos em Portugal é que a Imprensa pouco se manifesta acerca do tema da RS, o que torna essa temática pouco presente na mente dos portugueses. Deste modo, seria imperioso que a Imprensa portuguesa começasse a dar à RS o destaque que ela merece e necessita, de uma forma contínua e não apenas sazonalmente (como é comum acontecer na época natalícia).
Academia
– Dos académicos espera-se sempre uma tomada de posição relativamente às questões sociais que surgem num país e quando o que está em questão é um tema tão relevante para a sociedade mas, ao mesmo tempo, ainda não muito popular, como é caso da RS, a responsabilidade torna-se acrescida. Porém, em Portugal a Academia pouco destaque tem dado ao tema. Essa situação é comprovada pela falta de disciplinas e cursos respeitantes à Ética e à RS, pela falta de manuais académicos relacionados com o tema, pela falta de pesquisadores na área e de alunos interessados em estudar o assunto e pela falta de eventos sobre RS organizados por instituições académicas (normalmente, são-no por entidades empresariais e não governamentais). A situação torna-se ainda mais pertinente, se pensarmos no papel importante que a Academia representa (ou deveria representar) no seio das empresas, já que o ideal seria haver um intercâmbio constante entre ambos os tipos de organizações. Deste modo, é urgente que o tema da RS passe a ser uma referência obrigatória nas instituições de educação portuguesas (não só nas universitárias mas também nas pré-universitárias).
Assim, estas são algumas questões que merecem a nossa reflexão, no sentido de nos aproximarmos mais do paradigma da RS. As observações aqui feitas são generalistas, mas não gerais, isto é, estão presentes em grande parte da realidade portuguesa, mas não na sua totalidade, o que significa quem nem todos os portugueses são avessos à incerteza e ao planeamento a longo prazo, nem sempre a Lei é violada e nem toda a Imprensa e Academia se desinteressa pela RS. Porém, este artigo tem um objectivo fundamental: detectar e reflectir sobre eventuais elementos inibidores de uma cultura socialmente responsável no nosso país, no sentido dos mesmos serem ultrapassados.
E para isso, é necessário que todos – enquanto cidadãos e profissionais – façam uma auto-avaliação em cima das questões aqui abordadas, com o intuito de analisarem as responsabilidades de cada um para se proporcionarem as mudanças necessárias. Afinal de contas, todos temos um papel activo neste processo, quer actuando de forma coerente com os preceitos da RS, quer pressionando quem tem um poder de actuação ainda maior mas que até agora nada fez, em virtude de não se sentir “obrigado” a tal!
*Carla Marisa Magalhães é pesquisadora na área da Responsabilidade Social e doutoranda em Ciências Empresariais, na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, em parceria com a Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro.