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A irresponsabilidade social no sistema de ensino superior português!



01.01.2000



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A irresponsabilidade social no sistema de ensino superior português!
(22-03-2007)

Carla Marisa Magalhães *
ebcarla@fgv.br


Se é verdade que em Portugal o “jeitinho” está presente em muitas empresas, não é menos verdade que ele também se impõe em muitas instituições do ensino superior, desde o politécnico ao universitário, desde o público ao privado. Sendo o ensino superior a pedra basilar da educação de um país, pois é por seu intermédio que se formam os recursos humanos que tornam uma nação, eventualmente competitiva, esta questão ganha particular relevância e merece toda a nossa preocupação, independentemente da ligação mais ou menos directa que tenhamos com essa realidade.
Assim sendo, é legítimo perguntar: onde está a meritocracia no sistema de ensino superior português? A resposta a esta questão torna-se extremamente importante se nos centrarmos no facto de, actualmente, se estar a viver um momento raro (ou até mesmo inédito) em Portugal, decorrente dos recentes despedimentos ocorridos nas instituições de ensino superior e do consequente aumento de docentes no desemprego, o que se deve, sobretudo, à diminuição do número de alunos e às reestruturações provocadas pelo Tratado de Bolonha.

Se nos debruçarmos sobre o facto de muitos dos docentes desempregados serem de inegável qualidade e de muitos daqueles que se encontram no exercício das suas funções possuírem uma qualidade para lá de duvidosa, podemos também perguntar: onde está a Responsabilidade Social do ensino superior português? Simplesmente não está!

O que se passa dentro de muitas das nossas instituições de ensino superior é, de facto, uma vergonha para o país. Senão vejamos:

- Existem instituições que são autênticas “empresas familiares”, contratando sucessivamente recursos humanos, por estes possuírem algum tipo de relacionamento com alguém que “é de dentro” e não pelo seu mérito científico-pedagógico.

- Existem instituições demasiadamente proteccionistas, que optam por recrutar recursos humanos que frequentaram (ou frequentam) os seus cursos e, mais uma vez, fazem-no sem terem a preocupação de recrutar os mais qualificados.

- Existem instituições que simplesmente têm “horror” a candidatos altamente qualificados, não vá uma boa contratação abalar o estado de tranquilidade e de inércia em que se encontram.

- Existem instituições que possuem vários docentes que insistem em não evoluir em termos científicos. São os eternos potenciais investigadores, que se assumem como constantes promessas dentro do sistema, mas não passam disso – de uma promessa! E, por vezes, nem sequer esse estatuto atingem.

- Existem instituições que dispensam recursos humanos altamente qualificados e se comprometem com outros de menor ou até reduzida qualidade, sendo o grau desse comprometimento directamente proporcional ao nível de afinidade que possuem com os mesmos.

Enfim, muitas outras situações poderiam ser aqui descritas, mas estas já são mais do que suficientes para proporcionar alguns momentos de reflexão sobre algo que necessita de mudanças profundas.

Mas, de onde vem tudo isto? De um sistema onde impera uma lógica relacional, em detrimento da lógica meritocrática. De um sistema onde o maior trunfo é a questão pessoal, em detrimento da questão profissional. De um sistema onde não importa aquilo que sabemos, mas sim como e com quem nos relacionamos. Em suma, de um sistema onde impera o famoso “jeitinho”!

E quais são as consequências disso? As mais imediatas são:

- A fuga de recursos humanos qualificados para o exterior, que tanta falta fazem por cá;

- O aumento de recursos humanos qualificados no desemprego (sem direito ao subsídio de desemprego, mesmo tendo realizado elevados descontos enquanto faziam parte do sistema);

- O aumento da despesa do Estado (ainda que com dinheiros europeus), devido aos subsídios (as chamadas bolsas) atribuídos aos recursos humanos qualificados, como forma de os manter ocupados e de os compensar pela vergonha de não terem um emprego num país onde a mediocridade dá mais pontos do que a qualidade.

Como consequências menos imediatas, temos a deterioração do sistema de ensino superior português (e de todo o restante sistema de ensino), fruto do baixo nível qualitativo docente e, consequentemente, a perpetuação de baixos níveis de competitividade nacional, pois se a qualidade falha naqueles que ensinam, terá mais hipóteses de falhar naqueles que aprendem.

Mas, quem perde com esta situação? Portugal, de um modo geral! E, em particular, as gerações futuras de alunos, as gerações futuras de funcionários, as gerações futuras de empregadores, as gerações futuras de usufruidores dos serviços prestados e, até mesmo, todos aqueles que actualmente contribuem para este sistema perverso, pois sustentabilidade económica e falta de qualidade cada vez caminharão menos de mãos dadas, o que poderá ameaçar a posição daqueles que, dentro dessas instituições, têm poder de decisão, mas nada fazem para mudar a situação (o que seria ironicamente belo!).

A solução? De forma nua e crua, é simples, mas drástica: substituir os “pesos mortos” pelos “pesos vivos”, os maus pelos bons, em suma, substituir a lógica relacional, pela lógica meritocrática! Essa é a verdadeira Responsabilidade Social das nossas instituições de ensino, pois a partir daí o sistema encarrega-se de fazer o resto! E não se trata de nada que já não seja feito há muito tempo nos países mais desenvolvidos.

Não adianta tentar promover a Responsabilidade Social nas empresas, se ela não é abraçada nas instituições que formam os recursos humanos mais qualificados daquelas. Com efeito, falar sobre Responsabilidade Social num país só faz sentido se os seus alicerces básicos – como a educação – estiverem conformes a essa realidade. Mas, pelo que vemos, o Desenvolvimento Sustentável tem sido sistematicamente abalado por este sistema, pois aquilo que se tem vindo a fazer é sacrificar gerações e a tendência é que as gerações futuras também não sejam poupadas.

Perdoem-me todos aqueles que, como eu, estando dentro do sistema e conhecendo a sua perversidade, se esforçam por combater a actual lógica que impera, mas a minha preocupação recai sobretudo naqueles que, injustamente, não conseguem partilhar a sua qualidade com os outros, ingenuamente, não sabem distinguir o bom do mau e desaprendem aprendendo e, ironicamente, nem sequer se preocupam com esta questão, pelo pouco contacto que têm com essa realidade, mas acabam por ser vítimas de um sistema que, apesar da sua vocação educativa que lhe confere uma responsabilidade acrescida para com a sociedade, se pauta por requisitos que veneram aquilo que menos seria de esperar nas instituições académicas – a irresponsabilidade social!

Mas, vamos aguardar para ver o que acontece… Quem sabe D. Sebastião não regressa durante uma manhã de nevoeiro?!


*Carla Marisa Magalhães (marisamagalhaes@clix.pt) é investigadora e consultora na área da Responsabilidade Social e doutoranda em Ciências Empresariais, na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, em parceria com a Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro.






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