Carreiras

Quando os colegas de trabalho são golfinhos



01.01.2000



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Quando os colegas de trabalho são golfinhos

Chama-se Brenda Morgado e tem uma profissão invulgar. O seu trabalho passa por brincadeiras, carinhos, treinos e apresentações ao público. Prefere dizer que trabalha com animais, em vez do título de "treinadora de golfinhos". Os dois machos e as três fêmeas, que habitam no delfinário do Jardim Zoológico de Lisboa, fazem parte da sua vida e ela conhece-os ao pormenor.



Expressoemprego: Quando é que surgiu o interesse por golfinhos e esta oportunidade?

Brenda Morgado: Isto é uma paixão que eu já tenho desde pequenina. Nasci em Oeiras, mas fui viver logo para Setúbal. Em Setúbal, aos dois anos, vi pela primeira vez um golfinho e fiquei apaixonada. Então, fiz a escola normal e decidi que ia ser treinadora dos golfinhos aos treze anos.
Completei o 12º ano e tentei vir trabalhar para o Zoo. Consegui entrar e estive o primeiro ano em voluntariado. Como gostaram do meu trabalho e viram a dedicação, o empenho e o esforço que é preciso para esta profissão, decidiram contratar-me e cá estou há 4 anos. E sinto-me a pessoa mais realizada do mundo.

EE: Como é trabalhar com animais, neste caso, com golfinhos?

BM: Eu acho que todos os animais são especiais. Eu não faço uma distinção entre os golfinhos ou outro tipo de animal. Para mim, eles têm todos o mesmo tipo de importância.
Obviamente que o golfinho é aquele animal que parece que está sempre a sorrir... são diferentes e ainda há tanto por descobrir acerca deles. Eles têm uma inteligência, uma capacidade de aprendizagem alucinante, mas não deixam de ser tão importantes como um chimpanzé, uma girafa, etc.



EE: Teve alguma experiência profissional em que trabalhasse com pessoas?

BM:
Sim. Eu fiz um curso de modelo e trabalhei numa loja de roupas e posso dizer que trabalhar com pessoas é horrível. Prefiro trabalhar com animais, sem sombra de dúvida. Eles não traem, eles são como são. Quando são amigos são para toda a vida.

EE: Mas também há dificuldades...

BM: Sim, sem dúvida. Nós praticamente vivemos aqui. Eu passo aqui a maior parte do meu tempo. Entro às sete e meia da manhã e, se for preciso sair às oito e meia da noite, eu saio. O mínimo de trabalho que eu faço aqui é de onze horas por dia. Se for preciso vir trabalhar nas folgas, eu venho; se for preciso abdicar de férias, abdico. Isto tudo porque estes cinco (golfinhos) são mais do que a minha família. No fundo, passo mais tempo com eles do que com o meu pai ou a minha mãe.


EE: E também há stress, ou não?

BM: Sim. Há stress por muita coisa. Eu acho que a parte negativa, o stress, deste trabalho é precisamente essa preocupação constante que temos com os animais.
Quando um está doente, eu fico doente. Quando há aqueles ventos ciclónicos, chuvas fortes, andamos sempre numa roda-viva a preparar tudo para que nada caia na piscina. É preciso muito cuidado.


EE: E para os golfinhos? No fundo, este é o trabalho deles. Também sentem o stress? Reagem de uma forma diferente?

BM: Reagem, sem dúvida. Normalmente, o Zoo tem uma época baixa e uma época alta. A época baixa vai desde 21 de Setembro até 21 de Março, quando começa a Primavera. Nesta altura eles têm duas apresentações por dia durante a semana e ao fim-de-semana fazem três apresentações.
Na época alta, têm três apresentações por dia ou mais. Eles chegam ao fim do Verão completamente "saturados", com desgaste porque é sempre a mesma rotina.


EE: Tem algum projecto pessoal que gostasse de fazer e que envolvesse os golfinhos?

BM: Estou actualmente a tirar um curso de Enfermagem Veterinária. O meu sonho era ter tirado Medicina Veterinária, mas como surgiu logo a hipótese de vir para aqui, quando acabei o 12º ano, interrompi os estudos. E foi complicado porque os meus pais disseram que eu tinha de fazer um curso superior. Mas eu disse-lhes que não me interessava um diploma se não estivesse a fazer aquilo que eu gosto na vida.
Então, surgiu a possibilidade de vir para aqui e esqueci o curso superior. Hoje já começo a dar razão aos meus pais. É sempre estimulante nós estarmos a estudar e a aprender coisas novas, mesmo para o bem deles (golfinhos). Então agora estou a tirar esse curso e há-de ser uma coisa que eu vou aplicar.
O projecto pessoal com eles... desde que de eles vivam com saúde e com tudo o que necessitem, já é muito bom.

EE: O que é que se pode fazer para evoluir nesta profissão?

BM: Muita coisa, desde participações em conferências, conhecer e experimentar métodos e técnicas diferentes de treino - compartilhar aquilo que os treinadores de outras instalações e países sabem. Eu posso dizer que já há quase dois anos que não tenho férias porque aproveito pelo menos metade desse período para enriquecer o meu currículo. Este ano estive a fazer um estágio na clínica veterinária do Zoo de Barcelona. O ano passado, estive com golfinhos e leões-marinhos. Depois fui visitar o Sea World, assisti a uma conferência com um dos "gurus" a nível de treino e que tem técnicas alucinantes. No fundo, é também o interesse e a motivação que as pessoas têm.

EE: Como é que decorre o processo de aprendizagem dos golfinhos?

BM: Eles são treinados através de reforço positivo. Eles fazem qualquer coisa em troca de um prémio que pode ser um carinho do treinador, um peixe ou um brinquedo. A facilidade com que eles aprendem é incrível.
Com um animal jovem começa-se por ser positivo. Por exemplo, imagine que eu tenho à minha frente um animal, um golfinho, que eu não conheço. Começo por olhar para ele e por lhe dar peixe. O animal começa a associar-me com algo positivo: "ela dá-me peixe". Noutra sessão faço com que ele me toque na mão e se ele o fizer dou-lhe uma festinha ou um peixe. A seguir, por exemplo, para fazer um mortal, nós precisamos de um prolongamento do braço que é uma espécie de vara com uma bolinha onde ele vai ter de tocar. Ele sabe que tem de tocar ali e sempre que o faz é reforçado com carinho, brincadeira ou peixe. Sempre que eles vêem esse instrumento ficam loucos! E é assim que se vão fazendo os comportamentos.

EE: E se esse comportamento não for conduzido com qualquer tipo de instrumento, eles podem fazê-lo à mesma?

BM: Podem capturar pela imitação dos outros golfinhos e até mesmo sem qualquer estímulo porque querem chamar à atenção. Eles não gostam de ser ignorados. Gostam da sua privacidade, mas se me querem chamar a atenção por algum motivo, ou porque estão com fome ou querem brincadeira, eles podem oferecer um mortal.

EE: Tem algum episódio particular que gostasse de contar?

BM: Uma das coisas especiais que aconteceu foi quando eu fui de férias durante dez dias. Eu sou das pessoas que mais brinco com eles. Adoro brincar e respeitar o espaço deles. E foi engraçado porque quando regressei eles arregalaram os olhos muito espantados, viram-me, saltaram para eu lhes fazer festinhas e vocalizaram atrás de mim.
Isto para nós é uma maravilha, sabe tão bem! É, sem dúvida, uma recompensa e deixa-me assustada quando penso que, algum dia, lhes pode acontecer algo.



Fotos de uma sessão de treino com os dois machos, Lucky e Hastings:

Brenda com Lucky e Hastings,
fora da pisicina.

O carinho entre a treinadora e os
golfinhos é visível.

As peripécias dos nossos amigos
capazes de darem um valente
aperto de «mãos».

Um abraço forte e muito especial.


TP





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