Quando os colegas de trabalho são golfinhos
       Chama-se Brenda Morgado e tem uma profissão 
        invulgar. O seu trabalho passa por brincadeiras, carinhos, treinos e apresentações 
        ao público. Prefere dizer que trabalha com animais, em vez do título 
        de "treinadora de golfinhos". Os dois machos e as três 
        fêmeas, que habitam no delfinário do Jardim Zoológico 
        de Lisboa, fazem parte da sua vida e ela conhece-os ao pormenor.
    
  
  
   
     
      Expressoemprego: 
         Quando é que surgiu o interesse 
        por golfinhos e esta oportunidade?
        
        Brenda Morgado: Isto 
        é uma paixão que eu já tenho desde pequenina. Nasci 
        em Oeiras, mas fui viver logo para Setúbal. Em Setúbal, 
        aos dois anos, vi pela primeira vez um golfinho e fiquei apaixonada. Então, 
        fiz a escola normal e decidi que ia ser treinadora dos golfinhos aos treze 
        anos.
        Completei o 12º ano e tentei vir trabalhar para o Zoo. Consegui entrar 
        e estive o primeiro ano em voluntariado. Como gostaram do meu trabalho 
        e viram a dedicação, o empenho e o esforço que é 
        preciso para esta profissão, decidiram contratar-me e cá 
        estou há 4 anos. E sinto-me a pessoa mais realizada do mundo.
      
      EE: Como 
        é trabalhar com animais, neste caso, com golfinhos?
        
        BM: Eu acho que todos os animais são especiais. Eu não 
        faço uma distinção entre os golfinhos ou outro tipo 
        de animal. Para mim, eles têm todos o mesmo tipo de importância. 
        
        Obviamente que o golfinho é aquele animal que parece que está 
        sempre a sorrir... são diferentes e ainda há tanto por descobrir 
        acerca deles. Eles têm uma inteligência, uma capacidade de 
        aprendizagem alucinante, mas não deixam de ser tão importantes 
        como um chimpanzé, uma girafa, etc.
        
        
        EE: Teve 
        alguma experiência profissional em que trabalhasse com pessoas?
        
        BM: Sim. Eu fiz um curso de modelo 
        e trabalhei numa loja de roupas e posso dizer que trabalhar com pessoas 
        é horrível. Prefiro trabalhar com animais, sem sombra de 
        dúvida. Eles não traem, eles são como são. 
        Quando são amigos são para toda a vida.
         
      EE: Mas 
        também há dificuldades... 
        
        BM: Sim, sem dúvida. Nós 
        praticamente vivemos aqui. Eu passo aqui a maior parte do meu tempo. Entro 
        às sete e meia da manhã e, se for preciso sair às 
        oito e meia da noite, eu saio. O mínimo de trabalho que eu faço 
        aqui é de onze horas por dia. Se for preciso vir trabalhar nas 
        folgas, eu venho; se for preciso abdicar de férias, abdico. Isto 
        tudo porque estes cinco (golfinhos) são mais do que a minha família. 
        No fundo, passo mais tempo com eles do que com o meu pai ou a minha mãe.
        
        
        EE: E 
        também há stress, ou não?
        
        BM: Sim. 
        Há stress por muita coisa. Eu acho que a parte negativa, o stress, 
        deste trabalho é precisamente essa preocupação constante 
        que temos com os animais. 
        Quando um está doente, eu fico doente. Quando há aqueles 
        ventos ciclónicos, chuvas fortes, andamos sempre numa roda-viva 
        a preparar tudo para que nada caia na piscina. É preciso muito 
        cuidado.
        
        
        EE: E 
        para os golfinhos? No fundo, este é o trabalho deles. Também 
        sentem o stress? Reagem de uma forma diferente?
        
        BM: Reagem, 
        sem dúvida. Normalmente, o Zoo tem uma época baixa e uma 
        época alta. A época baixa vai desde 21 de Setembro até 
        21 de Março, quando começa a Primavera. Nesta altura eles 
        têm duas apresentações por dia durante a semana e 
        ao fim-de-semana fazem três apresentações.
        Na época alta, têm três apresentações 
        por dia ou mais. Eles chegam ao fim do Verão completamente "saturados", 
        com desgaste porque é sempre a mesma rotina.
        
        
        EE: Tem 
        algum projecto pessoal que gostasse de fazer e que envolvesse os golfinhos?
        
        BM: Estou 
        actualmente a tirar um curso de Enfermagem Veterinária. O meu sonho 
        era ter tirado Medicina Veterinária, mas como surgiu logo a hipótese 
        de vir para aqui, quando acabei o 12º ano, interrompi os estudos. 
        E foi complicado porque os meus pais disseram que eu tinha de fazer um 
        curso superior. Mas eu disse-lhes que não me interessava um diploma 
        se não estivesse a fazer aquilo que eu gosto na vida. 
        Então, surgiu a possibilidade de vir para aqui e esqueci o curso 
        superior. Hoje já começo a dar razão aos meus pais. 
        É sempre estimulante nós estarmos a estudar e a aprender 
        coisas novas, mesmo para o bem deles (golfinhos). Então agora estou 
        a tirar esse curso e há-de ser uma coisa que eu vou aplicar.
        O projecto pessoal com eles... desde que de eles vivam com saúde 
        e com tudo o que necessitem, já é muito bom.
      EE: O 
        que é que se pode fazer para evoluir nesta profissão?
        
        BM: Muita coisa, desde participações 
        em conferências, conhecer e experimentar métodos e técnicas 
        diferentes de treino - compartilhar aquilo que os treinadores de outras 
        instalações e países sabem. Eu posso dizer que já 
        há quase dois anos que não tenho férias porque aproveito 
        pelo menos metade desse período para enriquecer o meu currículo. 
        Este ano estive a fazer um estágio na clínica veterinária 
        do Zoo de Barcelona. O ano passado, estive com golfinhos e leões-marinhos. 
        Depois fui visitar o Sea World, assisti a uma conferência com um 
        dos "gurus" a nível de treino e que tem técnicas 
        alucinantes. No fundo, é também o interesse e a motivação 
        que as pessoas têm.
      EE: Como 
        é que decorre o processo de aprendizagem dos golfinhos?
        
        BM: Eles são treinados através de reforço 
        positivo. Eles fazem qualquer coisa em troca de um prémio que pode 
        ser um carinho do treinador, um peixe ou um brinquedo. A facilidade com 
        que eles aprendem é incrível.
        Com um animal jovem começa-se por ser positivo. Por exemplo, imagine 
        que eu tenho à minha frente um animal, um golfinho, que eu não 
        conheço. Começo por olhar para ele e por lhe dar peixe. 
        O animal começa a associar-me com algo positivo: "ela dá-me 
        peixe". Noutra sessão faço com que ele me toque na 
        mão e se ele o fizer dou-lhe uma festinha ou um peixe. A seguir, 
        por exemplo, para fazer um mortal, nós precisamos de um prolongamento 
        do braço que é uma espécie de vara com uma bolinha 
        onde ele vai ter de tocar. Ele sabe que tem de tocar ali e sempre que 
        o faz é reforçado com carinho, brincadeira ou peixe. Sempre 
        que eles vêem esse instrumento ficam loucos! E é assim que 
        se vão fazendo os comportamentos.
      EE: E 
        se esse comportamento não for conduzido com qualquer tipo de instrumento, 
        eles podem fazê-lo à mesma?
        
        BM: Podem 
        capturar pela imitação dos outros golfinhos e até 
        mesmo sem qualquer estímulo porque querem chamar à atenção. 
        Eles não gostam de ser ignorados. Gostam da sua privacidade, mas 
        se me querem chamar a atenção por algum motivo, ou porque 
        estão com fome ou querem brincadeira, eles podem oferecer um mortal. 
        
      EE: Tem 
        algum episódio particular que gostasse de contar?
        
        BM: 
        Uma das coisas especiais que aconteceu 
        foi quando eu fui de férias durante dez dias. Eu sou das pessoas 
        que mais brinco com eles. Adoro brincar e respeitar o espaço deles. 
        E foi engraçado porque quando regressei eles arregalaram os olhos 
        muito espantados, viram-me, saltaram para eu lhes fazer festinhas e vocalizaram 
        atrás de mim.
        Isto para nós é uma maravilha, sabe tão bem! É, 
        sem dúvida, uma recompensa e deixa-me assustada quando penso que, 
        algum dia, lhes pode acontecer algo.
      
        
        Fotos de uma sessão de treino 
        com os dois machos, Lucky e Hastings:
      
       
      
         
          
          
        
         
           
            Brenda com Lucky e Hastings, 
              fora da pisicina.
             
          
           
            O carinho entre a treinadora e os 
              golfinhos é visível.
             
          
        
         
          
          
        
         
           
            As peripécias dos nossos amigos 
              capazes de darem um valente 
              aperto de «mãos».
             
          
          
            Um abraço forte e muito especial.
             
          
        
      
      
      TP