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Viciados no trabalho

Nem todos anseiam pelas férias. Há profissionais para quem estes períodos de descanso são um trauma difícil de gerir. Não se conseguem desligar do trabalho, entram em stresse e só descontraem quando regressam à agitação do dia-a-dia
28.07.2006


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Cátia Mateus
NO INÍCIO do século passado, Sigmund Freud relatou as alterações emocionais e físicas que sofreu durante uma estadia em Roma, mas só na década de 70 o termo «neurose de férias» surge pela primeira vez. Pode parecer estranho, mas há pessoas para quem as férias, os feriados ou fins-de-semana são um trauma que chega mesmo a provocar stresse ou casos extremos de ansiedade. São profissionais que trabalham compulsivamente e para quem uns dias de descanso representam um problema grave. Trata-se de uma espécie de adição, não tão rara quanto isso, mas menos divulgada do que outro tipo de dependências. Estes profissionais têm autêntica «alergia» ao descanso. A sua cabeça não consegue (ou simplesmente não quer) desligar do dia-a-dia laboral e só conseguem descontrair em pleno quando, finalmente, regressam ao trabalho.


O dia de Cristina F. (nome fictício) tem, como o de toda a gente, 24 horas mas é num desabafo que a própria confessa que «deveria ter mais para que pudesse concretizar todas as minhas tarefas diárias». A gestora de 35 anos é mãe de duas filhas e confessa que «viver a correr» faz parte de si.

É a rir que conta que trabalhou até às 22 horas do dia anterior ao nascimento das filhas gémeas e quando estava na maternidade manteve-se em contacto telefónico com a empresa. Escusado será dizer que «só a ideia de gozar a licença de maternidade por inteiro e de ficar tanto tempo afastada do trabalho era uma fonte de ansiedade e stresse», confessa.

Cristina F. nunca se separa da sua agenda, do telemóvel ou do portátil. Nem mesmo em férias. Garante que os amigos e a família já se habituaram a este ritmo acelerado. Não nega que «ir de férias é uma dor de cabeça» e reconhece que este padrão de comportamento poderá não ser o mais normal. Chega mesmo a assumir: «se calhar tenho aquilo que os nórdicos chamam de 'doença do ócio'. Fico em pânico só de pensar que vou ter dias completamente livres e sem o barulho do escritório».

E poderá bem ser. É que segundo um estudo efectuado pela Universidade Federal de Minas Gerais, no Brasil, o barulho vicia. Tudo porque activa a produção e libertação de endorfinas no sangue, tornando o organismo dependente. Dizem os estudiosos daquela universidade que «a libertação de endorfinas que acompanha o estado de alerta desencadeado pelo barulho é tanto maior quanto o número de decibéis».

Segundo os investigadores, a capacidade de concentração do indivíduo começa a diminuir quando exposto a níveis sonoros entre os 51 e os 65 decibéis (o equivalente ao barulho existente numa agência bancária). Quando o volume sobe para os 66/70 decibéis (som de um restaurante lotado), o organismo inicia a libertação de endorfinas, geradoras de dependência.

O relatório dos investigadores revela ainda que «a permanência contínua em ambientes com ruído superior a 70 decibéis (o equivalente a uma rua com filas de trânsito), eleva exponencialmente a produção de endorfinas e aumenta a longo prazo os riscos de depressão e doenças cardíacas». Por outro lado, quando há um corte com este ruído habitual, o corpo ressente-se. Razão pela qual um indivíduo habituado a uma vida de agitação e com forte exposição a elevados níveis de ruído poderá ressentir-se, física e emocionalmente, se quebrar a rotina repentinamente.

Este fenómeno, que segundo os especialistas está ligado à globalização e a um mercado de trabalho com grandes níveis de competitividade, afecta cada vez mais trabalhadores ainda que de forma pouco explícita. São poucos os profissionais que se assumem viciados na sua actividade e que reconhecem que uma simples falha ou ausência associada à profissão os deixa com os nervos em franja.

Ricardo P. refugia-se, tal como Cristina, num nome fictício para falar da sua adição ao trabalho. Tem 32 anos e há cinco que trabalha como criativo numa agência de publicidade. Não sabe o que é trabalhar menos de 12 horas por dia. Não sai para férias sem o computador e todo um arsenal de telecomunicações.

Confessa que consulta compulsivamente o telemóvel em busca de SMS ou chamadas, mas encara este seu «afecto» ao trabalho com grande naturalidade e é sem pudores que Ricardo assume que se sente aliviado cada vez que regressa de férias. «Odeio tempos mortos e desocupados. Se me sinto sem agenda parece que estou sem rumo, à deriva», revela Ricardo, adiantando: «a pior coisa que me podem fazer é dar-me a sensação de que estou a deitar tempo fora, tempo improdutivo».

O psicólogo e docente no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), Vítor Cláudio, esclarece que «a própria sociedade incute esta ideia de que improdutividade é algo que tem de ser punido, por exemplo quando temos 'spots' publicitários que nos aconselham a ocupar os tempos livres, a concretizar isto ou aquilo».

Para o professor, «ainda que não se possam padronizar as profissões mais propensas a este tipo de adição, é notório que existem funções mais exigentes do que outras, nomeadamente, as que exigem disponibilidade total ou ausência de horários».

Regra geral, o especialista reconhece que este stresse das férias tende a ser mais frequente nas profissões onde a competição e a hostilidade é maior, bem como nos cargos de chefia e com elevado grau de responsabilidade.

Vítor Cláudio refere ainda que «não generalizando, em alguns casos, os profissionais que sofrem deste tipo de adição têm comportamentos relacionais bastante complicados ou até mesmo inexistentes».

O docente argumenta ainda que «são indivíduos que vivem exclusivamente para o trabalho, aguardando um reconhecimento profissional. Se lhes tiram o trabalho, tiram-lhes tudo e não sabem o que fazer com o tempo». Quanto maior for a dependência do trabalho, «maior o seu isolamento, a sua incapacidade em se relacionar com os outros, em encontrar outras coisas para fazer na vida, além de trabalhar», explica.

Para Vítor Cláudio, a melhor forma de testar esta adição «é avaliar a capacidade se desligar totalmente da empresa e do trabalho». Todos cometemos excessos, Mas uma conduta aditiva é algo que não se consegue travar e por muito que se tente combater chega a dominar por completo a vida e o pensamento do adicto.

Você é dependente do trabalho?

SE FICA fica nervoso só de pensar em largar o computador, o telemóvel ou qualquer outro elo de ligação com a sua actividade profissional, mesmo que por um curto período de férias ou fim-de-semana, saiba que pode pertencer a um grupo de risco (trabalhadores compulsivos) e sofrer de stresse das férias. Esteja alerta e confira os principais sintomas:

1. Ansiedade
2. Irritabilidade e mudanças de humor
3. Problemas digestivos
4. Perturbações do sono
5. Tensão muscular (essencialmente no pescoço, ombros e costas)
6. Dores de cabeça
7. Fadiga
8. Vulnerabilidade a constipações e outras doenças
9. Nervosismo





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