Cátia Mateus
Nove em cada dez portugueses tornaram-se empresários no ano passado. Um número que rompeu com a tradição e colocou a taxa de empreendedorismo do país acima da registada na média europeia. Para os especialistas, esta é a resposta do país à crise económica que atravessa. Pode parecer contraditório mas a nação que sempre foi de arriscar pouco, aventura-se agora na criação de empresas como complemento a actividades profissionais por conta de outrem. A necessidade gera a acção e Armindo Monteiro, presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários, e Francisco Banha, líder da GesVenture, afiançam que a tendência está a crescer e que há mesmo quem aproveite o Verão para por em marcha o seu projecto de negócio. As oportunidades são mais que muitas e há mesmo ideias que podem resultar em projectos muito rentáveis e com forte potencial de continuidade.
“As pessoas têm de reagir à adversidade, pois a apatia só piora a conjuntura”. Disto Armindo Monteiro não tem dúvidas. O presidente dos jovens empresários reconhece que “a actividade empresarial é um risco permanente”, mas acredita que há cada vez mais portugueses disponíveis para corrê-lo. Nesta medida, o Verão pode mesmo ser potenciador de um primeiro contacto com a vida de empresário.
O facto de se tratar de um negócio sazonal não significa que o potencial empreendedor não tenha de cumprir todas as etapas de criação de um negócio ou que descuide as questões legais, mas isso parece não intimidar os que se lançam nesta aventura. Ainda assim, o presidente da ANJE alerta: “quem for empresário apenas por necessidade e não por vocação, muito provavelmente será mal sucedido nos negócios”.
Francisco Banha, presidente da empresa de capital de risco e fomento ao empreendedorismo GesVenture, afiança que a instituição a que preside tem vindo a registar de forma crescente a procura de apoio para a criação dos designados “negócios de Verão”, muito embora reconheça que os projectos sazonais não são o «target» primeiro da organização que lidera. Contudo, o especialista não nega que destas pequenas ideias de negócio podem surgir grandes projectos empresariais desde que o empreendedor saiba estruturá-los de raiz (ver caixa).
As hipóteses são mais que muitas e com níveis de investimento ao alcance de todas as bolsas. Desde a venda de revistas e jornais no areal da praia, passando pela comercialização das últimas tendências de biquinis e fatos de banho junto ao mar, até negócios um pouco mais elaborados, como desenvolvimento de jogos lúdicos, direccionados a ocupar crianças na praia, ou restaurantes junto ao mar pensados para as famílias onde só existem ementas saudáveis e onde as crianças podem cozinhar elas próprias aprendendo o valor nutritivo de cada alimento são algumas das ideias avançadas por Francisco Banha e Armindo Monteiro que sugere ainda “a criação de oficinas criativas em aldeamentos turísticos, onde a imaginação dos petizes seria estimulada com exercícios de escrita, pintura, cerâmica e tecelagem”.
A estes negócios acrescem ainda outros como, por exemplo, disponibilizar-se para passear e tratar animais, durante as ausências dos seus donos, evitando assim que estes tenham de abandonar o seu ambiente usual durante as férias ou, por oposição, e se tiver espaço, a criação de um hotel para animais.
Francisco Banha cita ainda como exemplo destes negócios impulsionados pelo calor os professores. “Há alguns professores que nas férias aproveitam para dinamizar os conceitos de Clínicas de Férias, oferecendo aos seus alunos, a preços deveras competitivos, serviços muito profissionalizados e perfeitamente adaptados às características dos jovens, recorrendo até a antigos alunos para as funções de monitores”. Na sua essência, tratam-se de pequenos negócios que podem, contudo, gerar grandes oportunidades bastante lucrativas.
Segundo Armindo Monteiro, “os projectos empresariais que surgem nestas circunstâncias são do tipo micronegócio, com uma natureza eminentemente utilitária e estão intimamente ligados às competências próprias do empreendedor que as exerce muitas vezes a partir de casa”. O especialista diz, no entanto, que este pode ser o princípio de uma vida de empresário, desde que os empreendedores acautelem alguns factores para que não se tornem “empresários temporários”.
“Nestes projectos empresariais, há que ter em atenção o seu carácter sazonal e as circunstâncias que daí advêm”, refere o presidente da ANJE acrescentando que “a sazonalidade tem implicações, por exemplo, no montante de investimento e na forma de o financiar, no recrutamento de recursos humanos, na definição dos meios de produção e outros, na forma de encarar o mercado ou até na relação com o consumidor. Tudo isto muda em relação aos negócios a médio/longo prazo”.
O especialista defende ainda que “para um negócio de Verão não faz muito sentido procurar capital de risco, sendo melhor recorrer ao tradicional crédito bancário ou, quando muito, ao microcrédito”. Da mesma maneira, “não fará muito sentido investir em equipamentos dispendiosos, infra-estruturas pesadas ou quadros de pessoal fixo”, frisa. Já o «marketing» aqui é tudo, uma vez que o que conta nestes negócios é a proximidade com o cliente e a qualidade do serviço.
Certo é que os negócios de Verão parecem estar a despertar um interesse crescente entre os portugueses e podem mesmo ser uma porta de entrada para o mundo dos negócios.
Dicas de sustentabilidade
O Verão pode, de facto, constituir uma oportunidade de entrada no mundo do empreendedorismo mas para que o seu negócio não se revele tempestuoso há cuidados que deve ter. Francisco Banha e Armindo Monteiro deixam-lhe algumas dicas para minimizar as hipóteses de fracasso. Tome nota:
. Foque-se no mercado, sem nunca esquecer que o seu produto/serviço é definido pelos clientes e não pela sua capacidade produtiva ou mesmo de investigação, por isso avalie a sua concorrência e a real necessidade que o mercado tem do que lhe quer oferecer;
. Procure planear antecipadamente as suas necessidades de tesouraria e capital, sendo perspicaz em todas as matérias financeiras;
. Antecipe a necessidade de reforçar as suas competências de gestão antes que o negócio o venha a exigir, sobretudo se o objectivo for dar continuidade ao negócio fora dos meses de Verão;
. Defina correctamente as funções que se encontra preparado para desempenhar no seu negócio, ou seja, aquelas em que pode acrescentar valor;
. Defina claramente o objectivo que quer atingir com a criação da empresa e mobilize todos os seus recursos nesse sentido;
. Analise cuidadosamente o mercado e prepare o seu «business plan», orçamento, e tenha particular atenção às questões jurídicas que podem inviabilizar o seu negócio;
. Procure ser criativo, introduzir elementos de diferenciação em produtos ou serviços;
. Antecipe eventuais obstáculos e procure preparar-se para os resolver.