São os únicos dois sectores onde a maioria das empresas está a praticar atualizações salariais em linha com o valor da inflação apurado em 2022, 7,8%, ou até acima desse montante. No caso do turismo, o incremento não excede em muito o valor da inflação, mas no sector tecnológico as atualizações salariais que em 2023 chegam aos bolsos dos profissionais são da ordem dos dois dígitos, conclui um estudo da consultora Neves de Almeida e do ISCTE Junior Consulting a que o Expresso teve acesso.
“São as dinâmicas do mercado a funcionar”, sinaliza Pedro Rocha e Silva, diretor-executivo (CEO) da consultora Neves de Almeida, que coordenou o estudo que agrega a visão de 150 CEO sobre o que vai mudar na gestão de pessoas em 2023. E se no caso das tecnologias — não só pelo patamar salarial praticado no sector, mas também pela forte concorrência de recrutadores internacionais a competir pelo talento nacional — não espanta que os empregadores estejam a atualizar salários de forma mais agressiva, “na casa dos dois dígitos”, como explica Pedro Rocha e Silva, o mesmo não acontece no turismo.
Há muito que se tornou óbvio que os empregadores desta área teriam que alterar profundamente as suas práticas e incrementar salários para conseguir ultrapassar o que o CEO da Neves de Almeida designa de “dores tremendas para contratar e reter profissionais”. O sector foi fortemente impactado pela pandemia e perdeu muitos dos seus trabalhadores, que abandonaram esta área para se dedicarem a outras atividades menos expostas à sazonalidade e capazes de garantir maior previsibilidade e estabilidade. “Não se consegue trazer de volta estes profissionais que saíram do sector sem uma significativa atualização salarial face ao que era prática no mercado”, explica.
É o que parece estar a acontecer este ano, com o turismo a destacar-se como uma das duas áreas onde a maioria das empresas (60%) está a aplicar atualizações salariais aos seus trabalhadores que ficam em linha ou mesmo acima dos 7,8% de inflação. Mais, o mesmo estudo dá conta de que são maioritariamente as pequenas empresas a superar o valor da inflação ou a igualá-lo nas suas atualizações salariais, com 80% a fazê-lo.
Efeito de contágio
Mesmo que abaixo da inflação, Pedro Rocha e Silva nota que este fenómeno generalizado de atualizações salariais no país não era visto há muito. “Não me recordo de existir a nível nacional um movimento tão grande e generalizado de atualizações salariais”, diz, sinalizando que, mesmo tratando- se maioritariamente de aumentos abaixo do valor da inflação, “este movimento coloca uma pressão enorme sobre as empresas que não o acompanharem”.
“As empresas que não aderirem a este movimento e não aumentarem em linha com a inflação não vão conseguir travar a saída dos seus trabalhadores nem atrair novos”, alerta Pedro Rocha e Silva, acrescentando que “estamos a assistir não apenas a esta atualização, mas também à procura de outras formas de compensação aos trabalhadores”. Além dos prémios e bónus, há uma nova tendência a evidenciar-se nas empresas: a política de benefícios personalizada.
“Não é uma prática que possamos dizer que esteja já implementada na maioria das empresas, mas é esse o caminho que se está a fazer”, vinca. “Não fará muito sentido a um profissional que está em teletrabalho ter carro de serviço ou cartão de combustível. Mas se calhar dá-lhe jeito converter esse valor mensal num cheque para pagamento da creche ou colégio dos filhos”, explica, sinalizando que “estes detalhes são, cada vez mais, alvo de ponderação por parte dos gestores”.
Colocar com eficácia esta estratégia no terreno pode implicar “ter uma espécie de gestor de cliente, que assegurará na empresa a gestão das necessidades específicas de cada colaborador”, nota o CEO da consultora.
Em paralelo, os 150 CEO inquiridos no âmbito deste estudo identificaram como tendências de gestão o investimento na formação e capacitação de líderes, “que está a ser visto como uma necessidade fundamental nas empresas”, e as estratégias de captação e retenção de talento.