Marisa Antunes
É uma das profissões mais instáveis e precárias do mundo e em Portugal, são poucos os que se conseguem manter no mesmo local de trabalho por mais de um ano. Sujeitos a um stresse permanente e esmagador, estes profissionais mediáticos tão depressa são elevados ao estatuto de líderes competentes como no dia seguinte passam por estrategas falhados. Apesar de tudo, a profissão de treinador de futebol continua a ser desejada por muitos. Basta dizer, por exemplo, que no nosso país existem 1800 treinadores certificados para dirigir as equipas da 1ª Liga, que são apenas 16.
“Nós somos o exemplo da precariedade no emprego. Existe muita rotatividade e quando os contratos de trabalho, habitualmente acordados por um ano, duram efectivamente esse tempo, já nos damos por muito satisfeitos”, sublinha José Pereira, presidente da Associação dos Treinadores de Futebol (ANTF).
Mas nem todos resistem. Em seis das 16 equipas da 1ª Divisão, e apesar de ainda não ter terminado a época, já houve mexidas nos treinadores, os primeiros (e às vezes os únicos) a caírem quando os resultados são pouco satisfatórios. “É uma das características da nossa profissão: quando temos êxito temos de o repartir por todos, ficando-nos reservada uma pequena fatia. Quando os insucessos aparecem, a culpa é sempre do treinador”, realça ainda José Pereira.
E será que a culpa é mesmo do treinador? Desalentado com o desaire em que o Benfica mergulhou nos últimos tempos, Camacho, o segundo treinador dos encarnados nesta época, preferiu sair, argumentando não conseguir contrariar a falta de motivação dos jogadores.
Uma saída já esperada dentro dos parâmetros das movimentações futebolísticas em Portugal. “É assim entre os países latinos e sul-americanos, onde os treinadores estão muito mais vulneráveis e sujeitos a uma rotatividade mais acentuada. Entre os ingleses, que têm mais «fair-play» e onde se joga o melhor futebol do mundo, os treinadores ficam bastante tempo à frente das suas equipas. Basta dar o exemplo do Manchester, onde o treinador já lá está há mais de duas décadas, ou do responsável da equipa do Arsenal, o mesmo há 12 anos”, salienta o presidente da ANTF.
MBA para profissionais do futebol
Cientes da fragilidade dos seus vínculos e da vulnerabilidade da sua profissão, são cada vez mais os profissionais desta área que procuram alternativas. Atenta, a Universidade Autónoma de Lisboa vai já na 2ª edição do MBA Executivo em Gestão & Liderança no Futebol (em parceria com a Federação Portuguesa de Futebol), tendo o curso de 136 horas (ao longo de quatro meses) arrancado esta semana, apesar de ainda estarem abertas as inscrições.
João Morais, que faz parte do grupo de coordenadores do MBA — onde se inclui o conhecido ex-jogador Paulo Sousa, considerado também o patrono do curso — lembra que “para os profissionais do futebol, entre eles os treinadores, que possuem ligações inconstantes com as suas entidades patronais, esta é uma forma de assegurarem uma maior versatilidade no exercício das suas funções”.
“A ideia é dotar estas pessoas de várias ferramentas, além da formação que já têm, por isso existem módulos como Gestão de Organizações Desportivas, Liderança de Equipas e Comunicação Interpessoal, Negociação, Direito e Fiscalidade no Desporto e também Organização e Gestão de Eventos Desportivos”, exemplifica João Morais.
Ferramentas que poderão abrir novas oportunidades de trabalho, defende este responsável, justificando: “Por exemplo, os treinadores que queiram fazer derivar a sua actividade para «manager» ou director desportivo de um clube, precisam saber como devem organizar tudo o que tem a ver com a equipa, desde a logística à planificação da época, da marcação das viagens e dos hotéis até aos compromissos desportivos que a equipa tenha de cumprir”.
João Morais, que vai precisamente leccionar o módulo referente à Gestão de Eventos Desportivos, realça a importância desta matéria para o sucesso das equipas. E exemplifica: “As vantagens do Futebol Clube do Porto vão além do treinador. Assentam também na organização que estrutura e apoia toda a equipa”.
Uma opinião corroborada pelo presidente da ANTF. “É como em tudo na vida. Se uma organização estiver bem estruturada, sem confusões no organigrama do clube, onde as atribuições de cada um estão perfeitamente definidas, isso só pode favorecer o treinador”, conclui José Pereira.
Entre os alunos do curso, que se destina não só a treinadores, mas também a jogadores, empresários e dirigentes desportivos, estão Carlos Dinis, seleccionador nacional dos Sub-17 e João Moutinho, jogador do Sporting.
Ter jeito não basta
Não baste ter paixão ou jeito para o futebol para se ser treinador de futebol. Até para as equipas infantis é preciso formação adequada. Como realça José Pereira, presidente da Associação Nacional de Treinadores de Futebol, "todas as equipas de juniores ou seniores, profissionais ou não, são obrigadas a ter um treinador, sob pena da equipa ser penalizada com multas monetárias".
Assim, o curso de formação reparte-se por quatro níveis e é gerido pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) através de 22 associações regionais. Os primeiros dois níveis realizam-se precisamente nestas associações e dá acesso a treinar equipas distritais (o primeiro nível) e a 2ª Divisão B e a 3ª Divisão (o segundo nível).O terceiro nível permite treinar equipas da 2ª Liga e o quarto nível, o topo, confere a certificação para chegar às equipas da 1ª Liga e Selecção Nacional. Os dois últimos patamares de formação são administrados directamente pela FPF, em regime de internato, na Escola Superior de Rio Maior, conforme pormenorizou José Pereira.
Dispensados do primeiro nível, estão os jogadores com mais de 15 internacionalizações ou os licenciados em Educação Física, com opção em Futebol. Durante os vários níveis de formação, estes profissionais apreendem, para além da táctica e da técnica futebolística, noções de arbitragem, ciências comportamentais e têm até de saber dar massagens.