Cátia Mateus, Maribela Freitas
e Ruben Eiras
MAIS de 60% da população activa portuguesa
é feminina. Todavia, esta estatística do INE não
revela que algumas dessas mulheres ainda vivam na encruzilhada da escolha
entre a vida familiar e a profissional, gerada pela falta de igualdade
no mercado de trabalho. O EXPRESSO recolheu três retratos que espelham
os dilemas e os sucessos profissionais da nova mulher portuguesa.
Elsa Henriques, 31 anos, licenciada em Psicopedagogia Curativa, começou
a trabalhar em 1998 com a Associação Portuguesa de Apoio
à Vítima (APAV), através de um estágio curricular.
Acabou por ficar nesta instituição onde esteve como voluntária
e técnica no serviço de informação a vítimas
de violência doméstica.
Em 2001 e com o nascimento da sua filha, "senti-me dividida
entre se queria continuar a trabalhar ou ficar em casa com a bebé,
uma vez que não tinha com quem a deixar", refere Elsa
Henriques. Enveredou pela segunda opção, mas continuou
ligada à APAV - até há pouco tempo -, onde ia uma
a duas vezes por semana, de acordo com a disponibilidade que a bebé
lhe deixava.
Confessa que, no início, foi difícil, pois era uma pessoa
muito activa e tinha vontade de fazer muitas coisas e chegou mesmo a
inscrever-se num mestrado, mas não conseguiu conciliá-lo
com a sua "nova" vida. A seguir a ter ficado em casa explica
que "uma parte de mim queria voltar ao trabalho e a outra não.
Além disso, também não apareceram alternativas
nem nada de muito apelativo". Hoje, com mais um filho afirma
que a situação se alterou e pensa voltar ao trabalho.
Surgiu-lhe até uma oportunidade que não sabe ainda se
irá concretizar-se.
Mas como seria de esperar, e na luta por um emprego, nem tudo é
fácil. Elsa Henriques considera que ficou muito tempo parada
e sente-se quase como se estivesse a começar do zero. "É
complicado retomar a vida activa, as pessoas querem disponibilidade
imediata e muitas vezes os filhos adoecem. Além disso, em cada
dia que passa é mais difícil arranjar um trabalho",
refere.
Mesmo assim não desarma e afirma estar com muita vontade de trabalhar
e, por isso, está a procurar emprego não só na
sua como noutras áreas profissionais. Quanto às opções
que tomou "não estou de forma alguma arrependida. Mas
se tivesse tido outras oportunidades de carreira talvez tivesse continuado
a trabalhar". Na sua condição de mulher e mãe
reconhece que em Portugal deveria existir mais apoio à família.
Família e profissão de mãos dadas
A história de Isabel Guerreiro, de 31 anos, é um pouco
diferente. Licenciada em engenharia informática trabalhou na
Novabase de 1995 a 2003 e pelo meio casou e teve duas filhas gémeas.
"Sempre trabalhei e tive o suporte familiar para poder continuar
a minha carreira", explica.
A exercer o cargo de directora de unidade na Novabase, sentiu no final
de 2002 que estava na altura de fazer uma reciclagem e candidatou-se
ao MBA do Insead, em França, onde foi aceite e pediu uma licença
sem vencimento para se dedicar a esta nova etapa do seu percurso profissional.
"Eu e o meu marido conversámos sobre o assunto e chegámos
ao consenso que nos três primeiros períodos do curso a
minha mãe e as minhas filhas ficariam comigo em França
e nos outros dois - que estou a fazer agora -, ficariam em Portugal
com o pai", refere Isabel Guerreiro. Para esta profissional
"o MBA é um enriquecimento pessoal, é um apostar
e acreditar em mim".
Tem consciência que conciliar carreira e família não
é fácil e no seu caso só tem sido possível
pelo grande apoio familiar. "No mundo do trabalho as mulheres
são marginalizadas depois de serem mães e é difícil
ter filhos e fazer carreira e isso vê-se por exemplo nas poucas
mulheres que existem em cargos de topo". Acredita que ainda
hoje na generalidade, as mulheres têm de trabalhar mais para chegar
a cargos de chefia.
No reverso da moeda está Rute Obadia, 27 anos. É solteira,
sem filhos e trabalha como gestora de produto e de parcerias da Palme
Viagens, uma agência turística pertencente à rede
Key Clube Prestige. Esta executiva também concorda que a mulher
tem de trabalhar o dobro para ascender a postos de liderança.
"Uma mulher tem de dar mais, assim como abdicar mais de si,
para chegar a um lugar de destaque a que, há uns anos atrás,
só um homem aspirava", salienta.
E quando a mulher conquista o cargo de chefia, a sua afirmação
profissional passa muitas vezes pela adopção de um estilo
de gestão mais "masculino". "Para uma mulher
ascender a determinada posição de destaque terá
que, por norma, adoptar uma postura mais rígida e um modelo de
comportamento de gestão mais duro, rigoroso e implacável.
Mas esta forma de estar cria necessariamente alguns atritos nas relações
laborais", reconhece a executiva.
Até ao momento, Rute Obadia escolheu a carreira em detrimento
da vida familiar. "A mulher já não abdica da sua
vida profissional e da sua realização em prol da família
e do 'ficar em casa'", sublinha. Para aquela gestora, o sacrifício
do tempo de qualidade em família e do relacionamento com os filhos
é compensado pela igualdade da realização profissional.
Mas há um custo: o delicado equilíbrio entre o investimento
na carreira e nos afectos faz muitos casais soçobrar. "Cada
vez mais os casamentos entram em crise devido ao pouco tempo que lhes
é dedicado", observa Rute Obadia.
Não obstante, está convicta de que a tolerância
da parte do homem perante a consolidação da independência
da mulher "tem vindo a crescer", tanto a nível
profissional, como a nível familiar. "É uma questão
de tempo até ambos os sexos se adaptarem aos novos contornos
dos papéis dentro do casal", afirma.
Em jeito de conclusão reitera que esta tendência é
"inevitável", já que "surgem
cada vez mais mulheres licenciadas e com uma sede cada vez maior de
sucesso e de realização profissional".
O PESO DA HERANÇA CULTURAL
AO LONGO dos anos a relação das mulheres com a gestão
da sua carreira sofreu inquestionáveis mudanças. Todavia,
para Márcia Trigo, coordenadora da Escola de Gestão e
Negócios da Universidade Autónoma de Lisboa (EGN/UAL)
e com uma vasta experiência no desempenho de cargos de gestão,
tanto no sector público como no privado, "há características
que permanecem imutáveis".
Diz a responsável que a mulher está em desvantagem face
ao homem na gestão da carreira. À parte da dificuldade
em conciliar o trabalho e as obrigações familiares, o
sexo feminino carrega ainda "uma pesada herança cultural
que durante várias décadas lhe limitou as opções
profissionais, afastando-as de funções tidas como 'masculinas'".
Ainda hoje, refere, "o número de mulheres a singrar nas
engenharias e economias, embora seja muito positivo, é desproporcional
face aos homens". Márcia Trigo acredita que em Portugal
as mulheres em lugares de topo são ainda poucas, mas estas têm
sabido afirmar-se e mostrar o seu valor.
Da sua experiência na direcção de equipas, a responsável
retirou a noção de que "as mulheres são
mais persistentes, organizadas e determinadas no desempenho das suas
funções, não hesitando em rejeitar uma oferta de
trabalho se considerarem não ter disponibilidade para realizá-la
com sucesso". Já o sexo masculino tem maior propensão
para "agarrar as oportunidades, tendo inquestionavelmente uma
maior aptidão para a gestão da carreira".
Para Márcia Trigo, as mulheres continuam a centrar a carreira
na qualidade do seu desempenho profissional negligenciando outros factores
importantes - que os homens não deixam passar em branco - como
a componente social da carreira (a criação de uma rede
de contactos; a presença em eventos sociais e desportivos e outras
iniciativas onde se fazem negócios). "Uma componente
que a mulher muitas vezes não consegue satisfazer por ter de
dedicar parte do seu tempo à família", explica
adiantando que neste campo "os homens gerem melhor a sua carreira
e a sua imagem".
Sem pudores, Márcia Trigo adianta que "para uma mulher
chegar a um lugar de topo, à parte do seu valor, ainda tem de
ser muito melhor do que um homem, tem de trabalhar muito mais, ser mais
competente, mais credível e mais confiável".