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Trabalho a dobrar

Em tempos de crise, com o poder de compra a baixar e o nível de endividamento a subir, são muitos os profissionais que não conseguem fazer face às suas despesas mensais apenas com o seu emprego a tempo inteiro. Há quem some vários trabalhos sacrificando a sua vida familiar. Mas há formas de tornar a conciliação de tarefas mais fácil
24.07.2008


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Cátia Mateus e Marisa Antunes
Um número crescente de pessoas está a recorrer a um segundo emprego para equilibrar os seus rendimentos mensais e assim fazer face à crise económica, à perda do poder de compra e a precariedade das relações laborais. Mais precisamente, 340 mil portugueses desempenham as suas funções em (pelo menos) duas organizações distintas, segundo dados recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE).

Fazer algumas horas num «call center» ou no atendimento de uma loja num centro comercial deixaram de ser tarefas monopolizadas pelos mais jovens e são agora disputadas por profissionais com muitos anos de experiência, como testemunham os responsáveis de algumas das principais empresas prestadoras de recursos humanos em Portugal.

“O sentimento comum de todos os nossos consultores envolvidos no recrutamento nas áreas de Trabalho Temporário (TT) e «outsourcing» é que se está, de há uns meses a esta parte, a registar um número pouco habitual de pessoas a solicitar informações sobre hipóteses de trabalho em «part-time» durante o período compreendido entre as 18/19h horas e as 22/24 horas”, realça Amândio da Fonseca, administrador executivo do grupo Egor.

Candidatos que saem fora do perfil habitual para estes horários, como confirma este responsável: “Enquanto anteriormente os «part-time» nocturnos eram maioritariamente solicitados por estudantes actualmente é cada vez maior o número de pessoas já com anos de experiência que procura este horário como trabalho suplementar”.

Nuno Cruz, gestor da unidade de negócios «Contact Centers» do grupo Select Vedior reforça: “São pessoas casadas, pais e mães, com filhos. Cerca de 10% dos 4200 colaboradores que temos na nossa unidade acumulam dois empregos, um deles no horário pós-laboral, entre as 18h-22h ou 19h-23h”.

No grupo Egor, como aponta Amândio da Fonseca, uma análise de candidaturas recebidas para horários nocturnos em TT apurou-se que em Março deste ano 21% dos candidatos pretendiam um 2º emprego, em Abril 20%, em Maio 25% e em Junho 27%.

<CW-17>Na Adecco Portugal, essa fasquia sobe ainda mais. Ana Aranha, técnica de recrutamento e selecção, da agência ‘Call Center Solutions' deste grupo, fala em 40% dos colaboradores que para além das horas que fazem no «call-center» têm outra actividade a tempo inteiro.

“Com o agravar das situações de sobre endividamento familiar e aumento geral do custo de vida a que se assiste nos dias de hoje no nosso país, a Adecco é cada vez mais procurada por candidatos em busca de uma situação temporária que lhes permita aumentar os seus rendimentos mensais”, lembra esta responsável.

Nuno Cruz, da Select Vedior resume: “Se antigamente as pessoas que acumulavam dois empregos faziam-no por apenas dois ou três meses e para juntar dinheiro para as férias ou para a compra de um carro, agora ficam nunca menos de um ano e fazem-no para suprir o negativo, para equilibrar o seu orçamento”.

Um perfil no qual se encaixa Teresa Matos. Licenciada em Relações Internacionais, a jovem de 33 anos foi forçada a acrescentar ao seu horário normal de trabalho, numa multinacional ligada ao sector farmacêutico, mais quatro horas diárias. Tudo porque para fazer frente às crescentes e inesperadas subidas das taxas de juro do seu crédito à habitação e do crédito automóvel, teve de procurar trabalho numa loja de roupa interior no centro comercial da capital.

“Eu não tinha um ordenado baixo, mas tenho encargos fixos elevados e sou sozinha. Não tive outra solução senão sacrificar o meu tempo de descanso”, diz Teresa que confessa: “É cada vez mais comum as pessoas terem dois empregos para conseguirem honrar os seus compromissos financeiros. Entre os meus amigos há quem tenha sido obrigado a viver de dois «part-times» por ter perdido o emprego”.

É o caso de Sara Esteves. Com 37 anos, divorciada e com um filho de quatro a seu cargo, Sara tem não dois, mas três empregos. “Só assim consigo pagar as minhas contas”, confessa.

Há três anos perdeu o emprego que tinha como técnica auxiliar de fisioterapia. Hoje trabalha de manhã num laboratório de análises clínicas, à tarde como recepcionista numa unidade hospitalar e aos fins-de-semana de 15 em 15 dias (quando o filho está com o pai) é empregada de balcão na loja de decoração de uma amiga, num centro comercial. Ganha cerca de 1500 euros por mês. Paga casa, escola e alimentação. “Ando de transportes porque o carro já me fugia do orçamento, sobretudo com o aumento da gasolina, e vendi-o até virem melhores dias”, explica.

Quer Teresa quer Sara, reconhecem que este é um ritmo de vida desgastante e cansativo que lhes retira tempo de qualidade com a família, mas não têm dúvidas de que integram já uma fatia crescente da sociedade que acumula trabalhos para sobreviver. Preferem encarar este modo de vida como passageiro, mas lamentam que esteja a demorar de facto muito a passar.

O psicólogo Marco Ramos estuda há muito as questões ligadas ao stresse laboral e acredita que esta nova tendência laboral “pode tornar-se preocupante se os trabalhadores não souberem estabelecer regras e ignorarem os sinais de aviso que o organismo sempre dá” (ver caixas).

Para o especialista, “ter dois empregos acarreta, como tudo na vida, um lado positivo e outro negativo. Por um lado, a diversificação de tarefas e trabalho permite a acumulação de experiência, o desenvolvimento de competências pessoais e profissionais, bem como o enriquecimento laboral. Por outro, pode gerar uma sobrecarga e o corpo reage sempre que não consegue suportar determinado ritmo”.

Marco Ramos aconselha estes profissionais a saber ouvir o seu organismo e os alertas que ele emite e acrescenta que “é muito diferente para o corpo acumular dois empregos por necessidade financeira extrema, durante um tempo considerável, e ter um emprego além da conta para juntar dinheiro para umas férias”. O desgaste associado ao primeiro é muito elevado, “daí a necessidade de saber gerir a ansiedade e as expectativas, optimizar o desenvolvimento de tarefas, entre outros factores”.

Consciente de que esta tendência não parará de crescer a breve prazo e de que o seu impacto na sociedade e nas famílias será cada vez mais visível, Marco Ramos deixa um alerta que pode ajudar a gerir os malefícios de trabalhar além da conta: “Muitas vezes, à custa de dormirmos mal, conseguimos estar globalmente bem, mas é seguro que não aguentaremos muito tempo a sacrificar o sono”.

Para garantir o desenvolvimento de uma vida profissional em múltiplos empregos, diz o especialista, é fundamental conseguir pausas de qualidade, descansar, mudar de actividade, de espaço, de rotina. E conclui: “Se o meu dever aumenta, as minhas rotinas de prazer têm de aumentar na mesma proporção. É a regra básica de equilíbrio, sem a qual nenhum trabalhador conseguirá manter esse ritmo de vida sem prejuízo próprio”.

Como ‘fintar' o desgaste?

Há sinais muito claros de que a rotina está a minar a sua saúde e o seu equilíbrio. Irritabilidade, perturbações do sono, alterações de humor, taquicardia ou problemas digestivos são apenas algumas das formas que o organismo tem de lhe pedir que abrande o seu ritmo. Tome, pois, nota de cinco regras básicas para ‘fintar' o desgaste e assegurar o seu bom desempenho profissional:

. Regra 1: Trabalhe a sua expectativa. Se assumir as dificuldades como temporárias, encarará a sobrecarga de trabalho de forma mais optimista e não se deixará abater com tanta facilidade. Lembre-se que o acréscimo de trabalho não vai durar a vida toda.

. Regra 2: Optimize a gestão do seu tempo. Interiorize a ideia de que mais do que realizar tarefas sempre perfeitas, o importante é que tudo o que há para fazer seja feito. O perfeccionismo exagerado é potenciador de stresse.

. Regra 3: Crie um método de trabalho. É deveras importante que consiga hierarquizar tarefas e estabelecer prioridades. Cumpra o que for urgente e saiba partilhar ou delegar aquilo que não tem de passar por si. A organização é fundamental para sobreviver a dois empregos.

. Regra 4: Separe bem os limites do que é trabalho e o que não é. Não dedique tempo laboral a tarefas do foro pessoal.

. Regra 5: Cuidado com o que sacrifica. Lembre-se que pode aguentar alguns meses a dormir horas reduzidas, mas não suportará esse ritmo a vida toda. Para desempenhar correctamente as suas funções é necessário ter rotinas de relaxamento. Sacrificar sucessivamente o sono não é boa política. Assegure momentos de descanso para si.

Sinais de alarme

O seu organismo tem formas muito claras de lhe pedir tréguas. Não despreze este sinais:

. Perturbações do sono;
. Dificuldades de concentração;
. Perda de apetite;
. Perda de memória;
. Irritabilidade;
. Variações repentinas de humor;
. Ansiedade;
. Desmotivação, frustração e outros sintomas depressivos;
. Dores de cabeça;
. Dores nas pernas e costas;
. Tensão muscular;
. Problemas digestivos;
. Taquicardia;
. Tensão alta;
. Náuseas;
. Nervosismo constante.





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