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Trabalhadores em suspenso

Cerca de 250 empresas de Lisboa devem 70 milhões de euros a 13.500 trabalhadores
03.11.2006


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Marisa Antunes
A crise económica tem levado ao encerramento de centenas de empresas e colocado milhares de trabalhadores no desemprego. Só na região da grande Lisboa, e desde 1985, cerca de 250 empresas, de 11 sectores de actividade distintos, ficaram a dever 70 milhões de euros a quase 14 mil trabalhadores, entre salários em atraso e indemnizações devidas, segundo os dados da União dos Sindicatos de Lisboa, afecto à CGTP.

Na Pereira da Costa Construções, SA, uma empresa sediada na Amadora, um braço-de-ferro entre uma centena de trabalhadores e a administração prolonga-se há quase dois meses, devido precisamente à falta de acordo nas indemnizações envolvidas no processo de despedimento.

Junto às instalações da construtora, logo pelas nove da manhã, um grupo de 90 trabalhadores acotovela-se à entrada principal. Passam duas, três, oito longas horas de “trabalho" e eles continuam lá fora. À porta. Todos os dias, desde 1 de Setembro, cinquenta dias úteis já contabilizados, esta é a rotina de quase uma centena de funcionários da construtora. Faça chuva ou faça sol.

Em meados de Agosto, estes funcionários começaram a receber em casa notas de culpa, com acusações que incluíam desrespeito para com os superiores hierárquicos e pouca vontade em laborar, entre outras. Os trabalhadores refutam estas acusações, mas às notificações seguiu-se a instauração de processos disciplinares de forma a levá-los a sair coercivamente da empresa.

Na sequência dos processos disciplinares, a administração barra-lhes a entrada nas instalações da empresa e coloca um “contentor”, para ser utilizado como local de trabalho temporário, juntamente com um WC portátil, idêntico ao que é utilizado nas obras.

Em declarações ao Expresso, o administrador da empresa, Luís Moreira garante que tem provas do comportamento faltoso dos trabalhadores, acrescentando que a construtora corria o risco de falência se mantivesse os postos de trabalho daqueles trabalhadores.

João Serpa, coordenador do Sindicato da Construção Civil, Mármores e Madeiras contrapõe: “Estamos perante um despedimento ilícito, onde os trabalhadores são vítimas de calúnias e injúrias por parte de uma empresa que quer iludir a lei e não pretende garantir os direitos legais dos trabalhadores”.

Paralelamente à espera indefinida frente ao edifício, os trabalhadores avançaram já com queixas à Inspecção-Geral do Trabalho (IGT) e aos tribunais. Querem apenas a reintegração ou a indemnização que lhes seria paga, caso o processo tivesse seguido os trâmites legais de um despedimento colectivo, lembra João Serpa.

Segundo o Inspector-Geral do Trabalho, Paulo Morgado de Carvalho, “o processo está a ser acompanhado em permanência pela IGT e pelo Ministério do Trabalho, através do gabinete responsável pelos conflitos laborais”.

O processo seguiu, entretanto, para o Tribunal de Trabalho de Lisboa, uma vez que não se chegou ainda a acordo com a empresa quanto aos montantes e à forma de pagamento das indemnizações dos trabalhadores, cujo tempo médio de serviço ronda os 30 anos.

Vinte e dois trabalhadores, todos do sector da construção já foram ouvidos e aguarda-se, para a semana, o resultado da audiência judicial. Apesar do desalento provocado por toda a situação, os funcionários acreditam que tudo irá correr pelo melhor, até porque numa outra audiência, o tribunal deliberou a favor da reintegração de um colega, com funções na área da electricidade.

Mas Luís Moreira, administrador da Pereira da Costa, realça que este braço-de-ferro só acabará por prejudicar os outros 120 trabalhadores ainda em funções. “A empresa não tem viabilidade com estes trabalhadores e estamos dispostos a pagar o que é de lei para as indemnizações, mas de forma faseada, ao longo de 12 meses”, sublinha.

À margem de todo este impasse, Arménio Carlos, coordenador da União dos Sindicatos de Lisboa, lembra a dimensão social dos dramas que envolvem trabalhadores de empresas em situação complicada. “Muitas vezes são trabalhadores com mais de 40 anos, que estão ainda longe da reforma, mas com uma idade avançada para começar de novo. Além disso, muitos deles esforçam-se durante muito tempo para manter as empresas a laborar, mesmo com salários em atraso e depois acabam por ser sempre o elo mais fraco", sublinha o sindicalista.

Arménio Carlos realça a “morosidade dos tribunais e a falta de responsabilização estatal”. “O Estado deveria assumir a responsabilidade de pagar as indemnizações, quando os casos não ficam resolvidos no espaço máximo de dois anos, a média comunitária de duração de processos idênticos. Depois, após a conclusão dos trâmites, seria devidamente ressarcido. É inadmissível que existam processos de falência que durem 20, 25 anos e que acabem muitas vezes por privilegiar os créditos bancários em detrimento das dívidas aos trabalhadores", acrescentou ainda Arménio Carlos.





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