A empresa de capital de risco First Round, que reúne uma vasta comunidade de startups entre as quais a Uber, acaba de divulgar as conclusões do State of Startups, um inquérito que realizou junto de mais de 700 fundadores de startups a nível global, para identificar os principais desafios que se colocam no lançamento e gestão destas empresas. A encabeçar a lista de preocupações dos líderes com a sobrevivência e expansão do seu negócio, estão as dificuldades em contratar os melhores talentos. A constatação não espanta os mentores de startups nacionais como a Feedzai, a Hole19, a Unbabel, a SWORD Health, a Peekmed ou a Uniplaces. Há muito que sabem que é na qualidade da sua equipa que reside a massa crítica do negócio e que sentem na pele a dificuldade que é atrair os talentos certos. Um desafio que vão voltar a enfrentar este ano, quando começarem a selecionar os mais de mil profissionais que querem contratar para as suas operações.
A equipa é o principal trunfo de qualquer empresa no mercado. Nas startups, empresas em fase de implantação e afirmação no mercado, muito orientadas para a inovação, com estruturas por vezes reduzidas aos mínimos, a contratação de profissionais é cirúrgica. Nos últimos anos, as startups nacionais criaram centenas de empregos em solo nacional e internacional, e a tendência é para continuar. Competem com as grandes multinacionais pela captação dos melhores talentos, por vezes de forma desequilibrada pela capacidade salarial que primeiras têm e às segundas escasseia. Mas o seu foco é distinto: às startups não basta atrair os melhores técnicos. É preciso captar profissionais capazes de meter 'as mãos na massa' e fazer acontecer, mesmo que fora da sua área de saber.
Concorrência de gigantes
Nuno Sebastião, CEO da Feedzai, prepara-se para contratar durante este ano mais de 200 profissionais, altamente qualificados, em todo o mundo. Não há limites geográficos para a busca de talento e essa é uma das características das startups. O talento mora em qualquer lugar e a mobilidade não é um problema para os profissionais que decidem abraçar carreiras em startups. Na verdade, “mais de 60% das novas contratações ficarão sedeadas em Portugal e as restantes 40% nos Estados Unidos e noutras geografias mundiais”, explica o fundador.
Será fácil contratá-los? Não. Mas nunca o foi até aqui. Apesar da empresa ser referenciada como um dos casos de sucesso de startups nacionais, enfrenta desafios de captação de talento. “Um dos entraves que enfrentamos prende-se com o facto de na área da inteligência artificial, estarmos a competir pelos melhores candidatos (engenheiros e cientistas de dados) com empresas de grande dimensão como a Google, IBM Watson e Palantir”, confirma. Dificuldades com que João Pedro Ribeiro, CEO da Peekmed, também se debate e que Sérgio Moreira, diretor de marketing da Beeverycreative confirma. O primeiro argumenta que, “os melhores acabam por ser contratados por empresas que oferecem condições que as startups não conseguem acompanhar” e para o segundo, além da questão salarial, onde é difícil a um startup competir com grandes multinacionais, “os candidatos, em especial os mais seniores, preferem a segurança de grandes empresas”.
Mas o que Nuno Sebastião, João Pedro Ribeiro e Sérgio Moreira encaram como um entrave, é para Virgílio Bento, fundador e CEO da Sword Health, uma vantagem. O líder da startup que desenvolve tecnologias na área da reabilitação motora acredita que “essa aparente dificuldade permite-nos contratar pessoas que querem verdadeiramente trabalhar connosco, não só pelas condições que oferecemos, mas principalmente porque valorizam a nossa missão e o impacto real que tem na vida das pessoas”.
E se é difícil atrair estes talentos quando o filtro são apenas as suas competências técnicas, se o grau de exigência se eleva para uma combinação da técnica com a adequação à cultura da empresa, o processo complica-se. Na Uniplaces, por exemplo, não entram candidatos que não cumpram quatro requisitos-chave: “flexibilidade, capacidade de ajustamento, um perfil mais 'mãos na massa' e menos teórico e uma orientação internacional”, explica João Figueirinhas Costa, especialista senior de Talento da empresa que este ano quer contratar 40 profissionais, “a maior parte para desenvolvimento de negócio e vendas, produto e engenharia”. Alguns serão recrutados no estrangeiro, tal como os novos profissionais que Anthony Douglas, fundador e CEO da Hole19, quer incorporar este ano. O líder da startup usada por golfistas concentra as operações em Portugal, mas reconhece que embora o país tenha talentos incríveis em muitas áreas, “tem também alguma inexperiência” e acrescenta que “existem características essenciais para que um profissional possa vingar num ambiente de startup. A principal é a capacidade de adaptação a um clima de constantes mudanças e onde é preciso ter-se disposição para muita tentativa e erro”.
A esta receita, Vasco Pedro, CEO da startup Unbabel, acrescenta “não ter medo de arregaçar as mangas e não esperar que as coisas apareçam feitas”. É este tipo de talentos que quer ver entre os 40 que este ano selecionará para a empresa que lidera e é também um perfil próximo dos 110 novos profissionais que a 360imprimir quer contratar. “O ritmo de trabalho e aprendizagem numa startup são alucinantes e é preciso ter perfil para isso, espírito crítico, capacidade para pensar fora da caixa e gosto por desafios”, explica Carolina Maçãs, porta-voz da empresa. Na Science4You, de Miguel Pina Martins, há outro requisito fundamental: diversidade. “Não temos um trabalhador padrão. Procuramos pessoas ecléticas, com perspetivas e formas distintas de pensar. É isso que nos dá o equilíbrio necessário para aprender em conjunto e elevar a empresas a novos patamares”, defende.
Tem perfil para uma startup?
. O quotidiano de uma startup é muito diferente das multinacionais. A pressão para atingir resultados de gigante com equipas pequenas tende a ser maior.
. As hierarquias são esbatidas e os cargos menos relevantes. Numa startup, empreendedorismo e proatividade são fundamentais e a prioridade é encontrar soluções, mesmo que o problema esteja fora da sua área de intervenção.
. O ritmo de trabalho é muito acelerado, sobretudo em empresas em fase de arranque, e a necessidade de perfis com capacidade de adaptação à mudança e orientação para a solução é fundamental.
. Não há funções herméticas. É um trabalho de equipa, onde a prioridade é 'arregaçar as mangas' e fazer o que há para fazer, mesmo que vá além das suas funções.