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Reformados & Activos

A reforma não é encarada por todos com satisfação. Há profissionais para quem esta fase da vida chega cedo demais. Gente activa e empreendedora que, simplesmente, tem dificuldade em parar de trabalhar
11.08.2006


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Cátia Mateus ACTUALMENTE, o número de idosos em Portugal supera já a percentagem de jovens com menos de 15 anos. As estimativas oficiais apontam para que em 2020 o país tenha cerca de dois milhões de habitantes com mais de 65 anos. Gente que gastou a maior parte do seu tempo de vida a trabalhar e para quem a proximidade da reforma é encarada com natural apreensão. O medo de envelhecer é uma realidade e a reforma ainda está associada a muitos estereotipos, como a inactividade. Todavia, mesmo quem queira contrariar esta imagem e manter uma actividade laboral além da reforma, não tem a vida muito facilitada em Portugal. As oportunidades escasseiam.


Mário Sousa representa uma excepção. Tem 70 anos e depois da reforma encontrou um emprego em «part-time» numa mediadora imobiliária. Durante a maior parte da sua vida trabalhou no sector bancário, mas confessa que «não foi fácil aceitar que tinha chegado o momento de parar e enfrentar a reforma». Mário Sousa explica que se sentia ainda activo demais para «deixar a agenda e os horários de lado e viver entre os cafés e a televisão».

Durante uns meses decidiu experimentar a vida de reformado, mas não foi preciso muito para perceber que tinha de encontrar uma ocupação. As primeiras abordagens que fez ao mercado foram infrutíferas. «Eu ia aos locais e respondia aos anúncios e diziam-me que era louvável a minha vontade de querer continuar a trabalhar mas que tinham em mente pessoas mais novas, mais activas», recorda.

Em tom de brincadeira vai dizendo que «a capacidade de iniciativa está mais na mente do que no corpo», argumentando com o velho ditado: «o pior dos embrulhos pode esconder o melhor dos presentes». Há dois anos que trabalha em «part-time» na mediação imobiliária e garante que vai continuar «enquanto puder contribuir activamente para a expansão da empresa». Mas assegura que «não é uma batalha fácil de travar».

Embora reconheça que a condição de reformado é, em Portugal, pouco valorizada e muitas vezes associada ao consumismo de gastos públicos sem retorno, o psicólogo António Fonseca afirma que a passagem à reforma não é sentida como uma tragédia pela maioria dos portugueses. Doutorado em Ciências Biomédicas, docente da Universidade Católica e membro da Unidade de Investigação e Formação Sobre Adultos e Idosos, António Fonseca é autor de um estudo sobre os efeitos psicológicos da passagem à reforma.

Neste trabalho são várias as conclusões de peso, mas merece destaque a ideia de que o perfil do reformado português está ainda associado a pensões muito baixas e consequente insatisfação pelas condições de vida. Ainda assim, e embora existam sempre pessoas para quem a reforma é uma fonte de perturbação e mal-estar, o estudo desdramatiza a passagem à reforma e concluí que, regra geral, as pessoas adaptam-se bem a esta nova fase da vida e conseguem ocupar o seu tempo de modo útil e satisfatório.

Para os que têm mais dificuldade em ocupar o tempo, há várias hipóteses. Ainda que em Portugal este não tenha grande expressão, o empreendedorismo sénior é em muitos países uma prática corrente. Depois de uma vida inteira a trabalhar por conta de outrem, há quem opte por colocar os conhecimentos adquiridos ao serviço de um negócio próprio, muitas vezes em parceria com familiares.

Mas se o seu perfil não é de empreendedor e prefere não arriscar tanto para se manter activo, pode colocar as suas potencialidades ao serviço da comunidade procurando desenvolver acções de voluntariado em áreas onde considere poder ajudar quem precisa. Esta é uma actividade que pode começar por desenvolver a nível local no centro de dia ou de convívio do seu bairro. Num leque de abrangência maior, os hospitais e várias organizações de carácter humanitário, tem sempre lugar para quem queira fazer algo pelos outros.

Mas na opinião de Amândio da Fonseca, presidente da empresa de recrutamento Egor, há além destas opções uma outra bastante válida para quem chega à reforma: voltar a trabalhar! Para muitas pessoas a reforma chega numa altura em que ainda se sentem válidos o suficiente para manter uma actividade profissional. E nesses casos não há razão para o mercado de trabalho seja restritivo.

Mas apesar desta lógica o especialista não nega que «o mercado de trabalho não oferece alternativas a estas pessoas». Para Amândio da Fonseca isto acontece por duas razões: «por um lado, as empresas tendem a não encarar o reformado como um potencial activo humano interessante, como consequência de que a partir de certa idade as pessoas deixam de ter empregabilidade. Por outro lado, os próprios reformados assumem que se fechou um ciclo de vida com poucas hipóteses de renovação».

Amândio da Fonseca adianta que «existem obviamente casos de pessoas que encaram a reforma como uma nova fase da vida activa e contrariam a ociosidade». Um caminho que considera ideal e para o qual o trabalho temporário pode ser um importante aliado. O especialista assegura contudo que «para que o trabalho temporário fosse uma alternativa viável para os reformados que querem continuar no activo, era necessário que houvesse coragem política para liberalizar a legislação laboral para as pessoas reformadas».

Se isto acontecesse, garante o presidente da Egor, «as empresas recorreriam mais frequentemente ao recrutamento de pessoas em situação de pós-reforma para funções em que elas, pela experiência e maturidade, poderiam ter um papel supletivo muito importante para os empregadores».

Segundo o responsável, «na Egor temos feito algumas tentativas, ao nível de ‘call center' e outros serviços de ‘outsourcing', para captar candidatos com mais de 50 anos». Os resultados, garante, «têm sido medianos não apenas pelo enquadramento jurídico que regula a contratação destes trabalhadores — equiparando-os à população jovem que normalmente preenche este tipo de funções — mas também pelo fatalismo com que muitas pessoas com este perfil etário encaram o seu futuro».





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