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Produzir ciência em Portugal

Produzir ciência em Portugal

Portugal é o país da União Europeia que mais cresceu em número de doutorados ao longo das últimas duas décadas. Mas mostram as estatísticas que é também dos que menos contrata doutorados. Como consequência, o país regista uma crescente dificuldade em fixar investigadores. Um cenário que doutorados e Governo reconhecem que é necessário travar, fixando a massa crítica da ciência nacional nas empresas, nas instituições científicas e de ensino.

10.10.2014 | Por Cátia Mateus


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ENTRE dezembro de 2011 e março deste ano, o número de doutorados dedicados em exclusivo, e a tempo inteiro, à investigação científica ou à docência em instituições de ensino nacionais públicas, sofreu uma quebra de 5%, segundo dados da Direção-geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP). A tendência de redução prossegue este ano. Os dados mais recentes, relativos a junho deste ano, continuam a evidenciar uma quebra face a 2011, fixando-se nos 24.145 investigadores de carreira e docentes do ensino superior público. A tendência que se vem acentuando preocupa doutorados, reitores e associações que falam de um cenário laboral onde a precariedade e a instabilidade profissional são a regra com impacto claro na competitividade do país face aos seus congéneres europeus nesta área.

É de senso comum que cenários empresariais competitivos, como os atuais, exigem uma forte componente de inovação e investigação, mas em Portugal uma boa parcela do conhecimento científico que é produzido ainda não passa da das universidades e dos centros de investigação para as empresas. Leonor Parreira, secretária de Estado da Ciência, reconhece-o: “apenas 3% dos doutorados portugueses estão a trabalhar em empresas e 80% estão na academia”. Percentagens que contrastam com a média dos países europeus onde 30% dos doutorados trabalham em contexto empresarial.

Como resultado, o país regista sérios problemas de empregabilidade ao nível dos doutorados. Uma análise ao registo nacional de téses doutoramento e doutoramentos concluídos entre 2001 e 2012, promovida pela Direção-geral de Estatísticas da Educação e Ciência, aponta para um total de 25.711 teses de doutoramento em Portugal, maioritariamente na área das ciências sociais e humanas, engenharia e tecnologias. Onde param estes investigadores e qual a natureza dos seus vínculos contratuais? A Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis não traça um bom cenário: “são maioritariamente precários ou eternos bolseiros e muito dificilmente têm acesso a um contrato de trabalho”.

O contexto atual é comprovado por Sofia Roque, membro do grupo de bolseiros da Precários Inflexíveis, bolseira de doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e investigadora do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa. Para a investigadora, “o cenário da investigação científica em Portugal é muito angustiante porque o sentimento de não-futuro vem da perceção, sentida diretamente por muitos de nós, dos cortes nos apoios (bolsas de doutoramento e pós-doutoramento) e na contratação de investigadores, mas também na constatação de que está em marcha um plano de destruição do edifício científico português que já se sustentava numa grande fragilidade: a precariedade laboral”. Para Sofia Roque, “o país desistiu de apostar na ciência e na produção de conhecimento como fator de desenvolvimento económico e cultural. É o regresso ao Portugal dos pequeninos”.
Um cenário que a secretária de Estado da Ciência refuta garantindo que têm sido adotadas medidas para minimizar o problema, nomeadamente através da aproximação dos doutorados ao tecido empresarial nacional. “Uma delas foi cariação, pela FCT, de um plano para apoio de Programas de Doutoramento em consórcio Universidade-Empresa (cofinanciados pelas empresas), cuja qualidade foi garantida por avaliação internacional competitiva e para o qual foram já selecionados sete programas de doutoramento em ambiente empresarial com um compromisso de 84 bolsas para os próximos quatro anos, ou seja 46 bolsas por ano”, explica Leonor Parreira reconhecendo que a realidade dos doutorados em Portugal preocupa o executivo e que “a solução levará tempo e dependerá de uma mudança estrutural do próprio tecido empresarial”.

Em paralelo a esta medida, mais voltada para preparar os doutorados para o mercado não-académico aproximando-os do meio empresarial e procurando potenciar a sua contratação pelas empresas, Leonor Parreira refere outros apoios como as bolsas individuais de doutoramento FCT em contexto de trabalho, com 18 bolsas atribuídas no concurso de 2013, a criação do programa Investigador FCT que permitiu criar contratos a cinco anos a investigadores de alto nível que podem assim ter condições para levar a cabo os seus projetos de investigação em Portugal. “São já 368 investigadores selecionados, incluindo investigadores portugueses que regressaram do estrangeiro e estrangeiros que consideraram ter, através do programa, condições para se instalarem em Portugal”, explica enfatizando que “serão criados até 2016 mil contratos e as empresas podem ser instituições de acolhimento destes investigadores de topo, caso cofinanciem o seu salário”, além do reforço do Sistema de Incentivo Fiscal em Investigação e Desenvolvimento Empresarial.

Sofia Roque rebate: “os resultados do inquérito realizado pela Associação de Combate à Precariedade junto de mais de 1800 doutorados dizem-nos que 77,8% dos investigadores nunca tiveram um contrato de trabalho (50,2% dos bolseiros acumulam entre cinco e 15 anos nesta condição) e apenas 15,7% têm um vínculo laboral” e reforça: “nunca ter tido um contrato de trabalho significa nunca ter trabalhado com os mais elementares direitos laborais”. Segundo o estudo, 79,5% dos investigadores que estiveram desempregados não tiveram acesso a proteção social no desemprego. Para a investigadora, “entrar nos quadros de um centro de investigação ou laboratório, ou mesmo integrar o corpo docente de um departamento numa universidade é reservado a investigadores seniores ou a uma minúscula minoria. Apenas uma minoria dos investigadores portugueses têm acesso a trabalho com direitos e a desproteção social é massiva”. Uma realidade que para Sofia Roque é preocupante, empurra os cérebros portugueses para a emigração forçada e não se explica apenas com as circunstâncias económicas e sociais do país.

Para Sofia Roque, combater a precariedade da profissão passa por corrigir as fragilidades da estratégia de desenvolvimento e sustentabilidade adotada para a ciência nacional nos últimos anos. “A atual política de ciência revela uma acentuação da precariedade laboral nas suas vertentes de desproteção social, desemprego crescente, emigração forçada, através dos cortes drásticos tanto no apoio à investigação como no emprego científico de qualidade”, explica realçando que “são necessárias políticas públicas que implementem medidas de apoio e investimento na investigação e desenvolvimento e que promovam estabilidade laboral para quem trabalha na investigação”.

Internacionalizar não é emigrar
Não é fácil estimar com exatidão o número de doutorados portugueses que abandonam o país, nem as razões por que o fazem. Se para Sofia Roque a fuga de cérebros é uma consequência direta da precariedade da profissão em solo nacional, Leonor Parreira relembra que “a ciência é uma atividade em que a mobilidade é uma constante”. Ainda que reconheça que o Governo tem procurado promover iniciativas para conseguir fixar os investigadores mais competitivos e que “a crescente qualidade das nossas unidades de investigação também têm contribuído para isso e até para um ‘brain gain’, com a fixação de investigadores internacionais”, a secretária de Estado defende que a experiência internacional é própria desta área de atuação.

Raúl Saraiva, presidente da PAPS (Portuguese Post-graduate Society), a associação que congrega os investigadores portugueses nos Estados Unidos e Canadá, partilha da mesma convicção. “Os investigadores sabem que a ciência é um esforço colaborativo que envolve mobilidade mundial. Quem vai para fora do país, reconhece que esta realidade faz parte da sua vida profissional, procurando experiências e mais-valias para a sua carreira”, explica. A PAPS soma atualmente 1000 membros, espalhados pelos EUA e Canadá. Desses, 60% são investigadores de diversas áreas científicas que trabalham quer em contexto académico, quer no setor privado. “O maior número são alunos de doutoramento, a fazer investigação”, clarifica reconhecendo que “há mais oportunidades fora de Portugal, principalmente em áreas mais recentes e inovadoras”.

Recursos mais vastos, proximidade e facilidade de contacto com diferentes investigadores potenciam esforços e aumentam, segundo o líder, a produtividade na investigação.
Para Raúl Saraiva “Portugal tem feito um grande investimento em ciência nas últimas duas décadas. Prova disso são os vários institutos reconhecidos mundialmente, assim como todos os investigadores portugueses formados em Portugal e reconhecidos pelo seu trabalho no estrangeiro”. Um mérito que Sofia Koch, presidente da Portuguese Association of Researchers and Students in UK (PARSUK), que representa investigadores e estudantes portugueses no Reino Unido, reconhece mas que não invalida o impacto que a conjuntura económica nacional tem tido na decisão de muitos investigadores de abandonar o país.

“Todos os anos, um elevado número de portugueses chegam ao Reino Unido para continuar os seus estudos ou carreiras de investigação. Muito possivelmente esse número aumentou nos últimos anos devido à situação económica em Portugal”. A PARSUK integra quase mil membros e segundo a responsável, a maioria dos investigadores iniciam os seus projetos no Reino Unido com bolsas de universidades inglesas ou de outras instituições, provavelmente, devido ao menor número de bolsas atribuídas em Portugal.
Mas também há casos em que os investigadores saem de Portugal por opção de crescimento profissional e não por porque não conseguiram uma bolsa.

Sofia será um desses casos. Já estava no Reino Unido quando conseguiu uma bolsa da FCT. Está fora de Portugal desde 2009, realizou doutoramento e pós-doutoramento no Reino Unido. Durante cinco anos investigou na área do cancro. O cansaço e a insatisfação fizeram-na colocar um ponto final na carreira de investigação e hoje trabalha numa empresa em Cambridge onde testa reagentes que mais tarde vão ser essenciais aos cientistas de todo o mundo. Embora não produza ciência, contribui para ela.



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