Notícias

Premiar o mérito

A gestão estratégica pelo reconhecimento do mérito está a entrar, aos poucos, nas empresas portuguesas, mas a cultura da "cunha" ainda prevalece
17.02.2006


  PARTILHAR



Cátia Mateus e Marisa Antunes
VOCÊ é um bom profissional, tem espírito empreendedor e até supera os objectivos que a empresa define. Mas será que, no momento da verdade, as chefias reconhecem o seu talento? Em Portugal impera a cultura da meritocracia ou ainda prevalece o factor «cunha»? As respostas até podem parecer óbvias mas, entre o que temos e o que desejaríamos vai uma grande distância. Algumas empresas, porém, já desbravaram parte do caminho.


Na IBM Portuguesa leva-se a sério a prática de retribuição diferenciada. A empresa criou um plano de recompensas que baptizou de «Global Recognition Program», que consiste no reconhecimento individual ou de grupo, de desempenhos considerados excepcionais, como explica o director de recursos humanos da empresa, António Cerejeira.

O reconhecimento pode vir em forma de prémio monetário por parte das chefias ou de um simples agradecimento por parte do colega do lado. Como o «Thank's» por exemplo, que é efectuado na horizontal dentro da estrutura organizacional da companhia. «É um prémio simbólico, de agradecimento de um colega para outro quando sente que este contribuiu para o sucesso da equipa. O colega premiado recebe um cartão e uma prenda, como uma esferográfica».

Ao contrário do Thank's, os programas «Bravo», «Win IBM» ou o «Ovation» são premiados monetariamente e atribuídos pelas chefias, com níveis crescentes de valor que pode ultrapassar um salário mensal. Só em 2005, no universo de cinco centenas de colaboradores da IBM Portuguesa, cerca de 70 trabalhadores viram formalmente reconhecido o seu mérito por um desempenho acima da média.

Na IBM pratica-se o que o professor e economista Pedro Pereira da Silva designa por «postura positiva do elogio». «Só com esse tipo de reconhecimento se consegue motivar o progresso individual e colectivo», realça.

Para o docente da Universidade Católica, premiar o mérito de quem trabalha começa com a «definição clara da estratégia empresarial». «É fundamental referir quais os objectivos que cada colaborador deve perseguir. Esta é a parte mais difícil porque implica clareza e objectividade e ainda exige tempo de paragem e reflexão de duas entidades, chefia e chefiado. E nem sempre isso acontece».

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em Portugal, 1,5 milhão de postos de trabalho — cerca de 28% de um total de 5,1 milhões de empregos existentes no terceiro trimestre de 2005 — foram conseguidos com recurso aos contactos pessoais e por intermédio de pessoas conhecidas. Adelino Maltez, professor de Ciência Política no Instituto Superior das Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) chama-lhe o sistema da «cunhocracia». «A situação de desemprego por que a União Europeia passa actualmente favorece, de modo evidente, o sistema da cunhocracia. E Portugal não foge à regra», realça o docente.

Como salienta Adelino Maltez, o mal reside na qualidade de competências de quem é favorecido pela cunha. «Se essas pessoas demonstrarem capacidade para bem realizar o que lhes está destinado, até pode ser um complemento da meritocracia, mas se essas pessoas se mostram incapazes de realizar as tarefas, contribuirão tão-somente para perpetuar a mediocridade e anular o desenvolvimento do país».

Nos dados do INE, a designada «cunha» é ainda a segunda forma mais eficaz de recrutamento. Só há um ano deixou de ser o método mais eficiente para conseguir um emprego. Actualmente, esta estratégia é ultrapassada pela iniciativa dos empregadores na procura de funcionários. Para Rafael Mora, «partner» da consultora Heidrick & Struggles, estes indicadores revelam, apesar de tudo, uma tendência das empresas portuguesas em apostar num recrutamento assente no mérito.

«A orientação para a meritocracia é essencial para o futuro das empresas», refere adiantando que «as multinacionais têm uma maior sensibilidade para a gestão estratégica de talentos do que as pequenas e médias empresas». Rafael Mora não tem dúvidas de que o país ainda tem um longo caminho a percorrer neste domínio, mas «há já vários casos de sucesso de gestão pelo mérito em Portugal como é o caso da PT, Sonae, Banco Espírito Santo ou a Galp».

Já para Maria Márcia Trigo, docente e directora da Business School da UAL, em Portugal há dois tipos de empresas: as que jogam o jogo competitivo global (a minoria) e as demais empresas. Nas primeiras, refere, «o mérito é reconhecido ainda que, mesmo nessas, a selecção inicial seja frequentemente realizada através de relações e referências pessoais, familiares e profissionais de proximidade». Nas restantes, o mérito é pouco valorizado e, para Márcia Trigo, «esta realidade faz com que em Portugal a ‘network' pessoal e profissional assuma níveis muito elevados e que mesmo em processos de recrutamento muito profissionalizados a ‘cunha' seja determinante».

Todavia, Márcia Trigo não nega que há um reverso da medalha no que toca à meritocracia. «Os talentos são mais incómodos para as organizações porque questionam e se questionam, são muito exigentes com as chefias, com as condições de trabalho, precisam de maior espaço de decisão, convivem mal com injustiças, não suportam burocracias e exercem grande pressão sobre os colegas, as chefias e a administração». Para Márcia Trigo «este mercado global do talento que está em expansão, assusta empresários, executivos, quadros e até os próprios talentosos».

Estudar para vencer

Em 1958 o cientista social britânico, Michael Young publicava a controversa obra «A Ascensão da Meritocracia». O livro mantém-se hoje actual e constitui para muitos especialistas uma base fundamental na análise deste fenómeno.

Para Adelino Maltez, docente de Ciência Política, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), nesta obra a meritocracia «quer apenas significar a necessidade de uma sociedade onde o poder é exercido pelos melhores, por aqueles que têm mais talento e que o obtêm pela competição e pela selecção, não pela herança ou pela pertença a uma determinada classe, mas antes como consequência do princípio da igualdade de oportunidades».

Todavia, duas das questões levantadas na altura por Young permanecem actuais: se a realização académica é o caminho para o poder, o que acontece aos que não tiveram oportunidade de ir para a universidade? Como sobrevivem no mundo meritocrático?

Segundo o autor, estes profissionais estão restringidos a empregos de baixo nível, sem oportunidade de atingir posições de responsabilidade. Destes, os que têm talento poderão aspirar a profissões especializadas, os demais terão de se contentar com as funções menos valorizadas.

Neste quadro pouco optimista traçado por Young, a meritocracia aparece como uma outra versão das inúmeras desigualdades que caracterizam a sociedade. Isto porque, a outra face da elite meritocrática gera uma nova classe social onde, por exemplo, os imigrantes não gozam da igualdade de oportunidades que o «mérito» implica.





DEIXE O SEU COMENTÁRIO





ÚLTIMOS EMPREGOS