Cátia Mateus
O PAÍS não tem tradição na indústria aeroespacial, mas há jovens portugueses a dar cartas na Agência Espacial Europeia (ESA). Há oito anos que a Fundação da Ciência e Tecnologia (FCT) e a Agência de Inovação (AdI), em colaboração com o Gabinete de Relações Internacionais da Ciência e do Ensino Superior (Grices), promovem o programa de estágios «Portuguese Trainnees» na ESA.
Até à data concorreram a este projecto 200 jovens licenciados. Apenas 56 entraram na «órbita» da agência. Depois da experiência, nem todos optam pelo regresso. Grande parte acaba por ficar no estrangeiro e o país não tem o retorno do que investiu na sua formação.
O objectivo do programa é formar jovens portugueses em áreas estratégicas do sector aeroespacial e promover a sua integração no tecido empresarial português, contribuindo, dessa forma, para o aumento da competitividade das empresas portuguesas. No entanto, Rosalina Soares, da AdI, não nega que o país ainda falha nesta integração. «Dos 30 ‘trainnees' que já concluíram o seu estágio, 18 regressaram a Portugal e 11 exercem uma actividade profissional que lhes permite aplicar os conhecimentos adquiridos durante o estágio», explica.
João Pereira do Carmo contrariou essa tendência e ficou na agência. O jovem de 30 anos, físico de formação, integrou o primeiro grupo de portugueses na ESA, na área da óptica. Esteve dois anos na agência, mas regressou a Portugal onde, na altura, estava em curso um projecto de criação de incubadoras de empresas relacionadas com a engenharia aeroespacial.
O projecto não foi avante e João Carmo ainda trabalhou como investigador na Universidade do Porto. Poucos meses depois candidatou-se a uma vaga na ESA e voltou a sair do país. Portugal não aproveitou aquilo que investiu na sua formação. João Carmo está na ESA há quatro anos.
Confessa que quer regressar ao seu país, até porque essa sempre foi a sua ambição. «Quando vim para cá, a meta era receber formação e aplicá-la no meu país. Ainda não desisti de voltar, mas tenho consciência de que nesta área o futuro passa pelo estrangeiro», confessa. Ainda assim, o jovem acredita que «hoje, o país tem um maior conhecimento do seu papel no espaço, aproveita melhor os seus recursos e, fruto da formação que aqui recebemos e da nossa prestação, há empresas portuguesas muito credíveis a dar cartas na indústria do espaço».
Um investimento sem retorno
A maioria dos jovens que estagiaram com João Carmo não regressou a Portugal e optou por aplicar os seus conhecimentos no estrangeiro. Rosalina Soares confessa que a tendência ainda é essa. «As empresas portuguesas investem pouco no recrutamento destes jovens, desaproveitando o potencial que acumularam com esta experiência na ESA», explica. Para colmatar esta lacuna, a AdI quer envolver as empresas neste programa. «O nosso objectivo é colocar as empresas a candidatarem os seus funcionários a estes estágios, garantindo a sua posterior integração», anuncia. Segundo a responsável, a desigualdade de oportunidades e de salários praticados em Portugal, nesta indústria, afasta os jovens do país.
Para os que preferem regressar, o caminho passa quase sempre pelo empreendedorismo. Tiago Pardal regressou no ano passado. O engenheiro mecânico de 32 anos faz parte do grupo de estagiários que foi à ESA, capitalizou o máximo de experiência e conhecimento e regressou com um projecto empresarial. «A ESA é o lugar onde as coisas acontecem e lá treinam-nos para fazer acontecer», explica.
Com a família em Portugal, a opção era regressar, mas a consciência de que as oportunidades de emprego eram escassas e que «as empresas portuguesas e o país não aproveitam o investimento que foi feito nesta formação» levaram-no a apostar tudo na OMNIDEIA. A empresa tem vindo a ser desenvolvida no âmbito da Incubadora Espacial Europeia, está sedeada cá mas não tem nenhum cliente português nem trabalha com o mercado nacional.
Neste momento, a empresa está a desenvolver o Energon, um sistema ambientalmente seguro capaz de armazenar hidrogénio em altas densidades, pressão e temperaturas normais. Sem deslumbramentos, sabe que o seu país não será seu cliente, mas insiste que é por cá que quer ficar.
Direccionado a jovens entre os 24 e os 29 anos licenciados em áreas ligadas às engenharias aeroespacial, mecânica, física, electrotécnica e de computadores, estes estágios integram-se no Programa Dinamizador das Ciências e Tecnologias do Espaço, financiado pelo Programa Operacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (POCTI). No período de estágio, que dura até dois anos, é atribuída aos jovens uma bolsa no valor de 1530 euros/mês (para os licenciados) e 1710 euros/mês (para os mestres). Estes valores são acrescidos de um subsídio de deslocação de 750 euros e 1000 euros para despesas de instalação.
Os estágios decorrem num dos vários centros da ESA — França, Alemanha, Itália ou Holanda — e as áreas de formação abarcam a Engenharia, Sistemas Informáticos, Gestão e Estratégia, Ciência, Transferência de Tecnologia, Sistemas de Suporte de Vida/Biologia, Planeamento de Missões, Detecção Remota, Navegação por Satélite, entre outras.
Em termos de missões, os estagiários portugueses têm estado envolvidos na Galileo, EGNOS (European Geostationary Overlay Service), Huygens e SMART-1. Segundo Rosalina Soares, «o processo de selecção é muito rigoroso». As candidaturas a este programa estão abertas o ano inteiro e os candidatos deverão enviar para a AdI o formulário de candidatura, o currículo em inglês e uma cópia do certificado de habilitações. «A selecção é feita com base numa análise do CV por um painel de avaliadores externos (conhecedores das necessidades desta indústria) e, posteriormente, numa entrevista com a ESA», refere.
Para a responsável, a média de licenciatura é um factor importante mas não determinante. O perfil do candidato, percurso profissional, as suas vocações e metas são os maiores parâmetros de avaliação. E Rosalina Soares não nega que «estes portugueses são escolhidos à lupa». Até Julho, a AdI seleccionará os estagiários que integrarão a próxima missão portuguesa na ESA.
Radiografia do programa
Nome: «Portuguese Trainnees» na ESA
Promotores: Fundação da Ciência e Tecnologia (FCT), Agência da Inovação (ADI) e Gabinete de Relações Internacionais (GRICES)
Objectivo: formação de portugueses em áreas estratégicas ao sector aeroespacial e posterior integração em empresas nacionais
Destinatários: jovens licenciados entre os 24 e 29 anos em áreas como a engenharia aeroespacial, engenharia mecânica, engenharia física, engenharia electrotécnica e de computadores
N.º de candidatos desde o início do programa: 200
N.º de participantes: 56
Duração do estágio: mínimo de 1 ano, máximo dois (remunerado)