João Barreiros
Desinvestimento na via de ensino agrava-se
PORTUGAL é um dos países da OCDE que apresenta maiores
défices de formação entre os seus professores,
situação que pode agravar-se com o desinvestimento nas
vias de ensino de determinados cursos, como o de matemática.
Alguns docentes contactados pelo EXPRESSO admitem que, a manter-se a
actual tendência, dentro de breves anos o número de professores
de matemática formados pelas universidades será insuficiente
para satisfazer as necessidades do mercado de emprego.
Com o previsto alargamento da escolaridade obrigatória para doze
anos, o défice de formação dos professores pode
ter consequências sérias, nomeadamente um elevado grau
de insucesso escolar, e um desinteresse por parte dos alunos nas matérias
apresentadas.
O presidente da Associação de Professores de Matemática
(APM), contactado pelo EXPRESSO, reclama uma mudança no sistema
de ensino português, que actualmente permite a licenciados de
outras áreas de ensino leccionarem aquela disciplina.
"A realidade é que muitas pessoas que acabam outros cursos
ficam habilitadas a dar aulas de matemática, o que não
faz qualquer sentido", defende Fernando Nunes.
Apesar de não temer uma crise semelhante à vivida noutros
países europeus e nos Estados Unidos, onde durante vários
anos foi difícil recrutar professores para esta área de
estudos, mesmo com uma qualificação mínima, o presidente
da APM sublinha a necessidade de alterar as regras, de forma a que "os
professores de matemática sejam aqueles que tiraram um curso
para o serem".
Esta é a melhor forma, segundo Fernando Nunes, de dinamizar as
aulas, "acabando com o papão da matemática".
Podem vir a faltar professores de matemática
Para António Batel Anjo, responsável pelo Departamento
de Matemática da Universidade de Aveiro, está a ser aplicada
em Portugal uma estratégia errada que consiste no "desinvestimento
nos cursos de ensino", e que poderá ter sérias
consequências a médio prazo.
Este ano apenas entraram doze alunos para a via de ensino do curso de
Matemática Aplicada daquela instituição, um número
claramente insuficiente para alimentar as necessidades do mercado.
Para António Batel Anjo, "em 2010 não teremos
professores de matemática, o que significa que iremos atravessar
a crise que a França e que outros países europeus estão
a passar".
Na verdade, o que está a acontecer é uma desadequação
entre o perfil exigido para leccionar determinadas disciplinas e os
candidatos que ocupam os postos de trabalho.
Essa situação é evidenciada no relatório
sobre o estado da Educação no mundo, elaborado pela Organização
para a Cooperação Económica e Desenvolvimento (OCDE),
segundo o qual mais de vinte por cento dos professores do quadro não
têm as qualificações totais necessárias à
função que estão a desempenhar, verificando-se
que mais de metade dos professores ditos em "part-time" estão
nesta mesma situação.
Segundo esta instituição, enquadram-se na categoria os
professores que não tiveram formação específica
para leccionar as suas disciplinas e, da mesma forma, aqueles que não
tiveram formação em matérias pedagógicas.
Portugal encontra-se no fim da lista, a par com o México, a Noruega
e a Suécia, sendo a Irlanda (país que frequentemente é
usado como termo de comparação relativamente ao nosso)
aquela que apresenta menos défice nesta matéria.
Informática também é afectada
Com base em inquéritos realizados nos diferentes países
membros, a organização concluiu que as maiores dificuldades
de contratação de professores encontram-se nos domínios
da informática, da matemática e das tecnologias: há
escassez de oferta de profissionais nestas áreas em grande parte
dos países.
No entanto, em Portugal, parece ainda haver um número suficiente
de professores de matemática disponíveis, mostrando-se
as dificuldades de contratação mais agudas nas outras
áreas referidas e ainda, embora em menor grau, nas disciplinas
de artes e de gestão.
"A investigação sugere que a decisão de
se tornar professor é o resultado de um conjunto complexo de
considerações relacionadas com as alternativas de trabalho,
os salários, as possibilidades de evolução na carreira,
os incentivos pelo mérito, o 'status' da profissão e as
circunstâncias pessoais", refere este relatório
da OCDE.
Em Portugal, a estabilidade laboral e os salários parecem ser
os factores que mais contribuem para esta decisão.