Todos os anos entram cerca de 1400 novos jornalistas para o mercado da comunicação, uma área que já viveu melhores dias, principalmente para quem quer tentar a sorte na imprensa ou na rádio, onde as oportunidades são raras e a precariedade e os baixos ordenados são uma realidade. Apenas no segmento de televisão, em especial para canais temáticos, nas agências de comunicação e para funções associadas à arte digital e multimédia vão surgindo algumas ofertas, disputadas avidamente por quem procura emprego.
O portal “Carga de Trabalhos”, uma referência para quem procura ou oferece trabalho no sector da comunicação, reflecte bem o panorama que se vive, com cerca de 10 mil visitantes diários e mais de 450 mil “page views” mensais. Um fluxo alucinante para as 4.150 ofertas de trabalho que apareceram, por exemplo, no ano passado, a uma média de pouco mais de 80 por semana.
Como conta Ricardo Dias, mentor do “Carga de Trabalhos”, entre as áreas com maior número de ofertas estão o Design e Web Design, seguido do Marketing, do Comercial para todas as áreas do sector, e só no final da tabela, vem a Publicidade, o Jornalismo e a Comunicação Social. Aliás, basta navegar no site para se perceber a predominância esmagadora de anúncios para recrutar, por exemplo, web designers, web developers, web master pros, que destoam em relação à escassez de propostas para jornalistas.
Escola “low cost” marca a diferença
Aproveitando este filão no âmbito das novas tecnologias de efeitos visuais, têm surgido no mercado várias empresas de formação que se dedicam ao ensino destas ferramentas digitais.
A Animotic é uma das mais recentes, com as portas abertas no Largo de Santos (paredes-meias com o Teatro A Barraca) há cerca de quatro meses. “Mas queremos ser diferentes e por isso criámos a primeira escola «low cost» de Portugal, um conceito adequado aos novos tempos (de crise), onde as pessoas recebem o máximo possível, gastando o mínimo. «Lost cost, high quality», estando o nosso ênfase nos instrutores”, salienta Luís Serra Santos, mentor do projecto.
Ou seja, para oferecer preços acessíveis, alguns com descontos até 50% dos habitualmente praticados, os cursos Animotic não incluem manuais, ou qualquer material adicional para além da formação transmitida nas aulas (e ministrada por alguns dos maiores especialistas nas áreas).
Os alunos são também incentivados a trazer os seus próprios PCs, o que reduz substancialmente os custos de investimento da escola em «hardware», permitindo, consequentemente baixar os preços finais dos cursos, explica ainda Serra Santos. “E até agora toda a gente tem trazido os seus portáteis e não houve necessidade de utilização do material da escola”, reforça ainda Serra Santos.
Os cursos repartem-se por áreas tão diversas como o design gráfico, animação 3D, CAD, efeitos visuais em vídeo ou cinema, «final cut studio», «broadcast design», produção de DVD's, criação de websites e «desktop publishing».
1400 novos jornalistas por ano
Enquanto a arte digital vai de vento em popa, as oportunidades em comunicação social escasseiam de ano para ano.
José Rebelo, sociólogo especializado em Ciências da Comunicação, tem vindo a acompanhar o fenómeno. O investigador está, desde o início deste ano, a coordenar um estudo sobre os jornalistas que entraram na profissão a partir de 2000 e que se irá prolongar até 2012. Este trabalho é uma continuação de um outro já divulgado sobre o “Perfil sociológico do jornalista português” e que conta, igualmente, com o financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
“A situação é muito problemática e tem vindo a agravar-se nos últimos 10 anos. Em meados dos anos 80 multiplicaram-se os cursos nas universidades estatais, privadas e politécnicos e neste momento há mais de 30 cursos, que formam anualmente entre 1200 a 1400 licenciados. São cursos rentáveis com pouco investimento e público garantido, devido à sua visibilidade social”, lembra José Rebelo.
A questão é que, enfatiza o especialista, “por cada jornalista que sai de um órgão, há 500 novos paras entrar”. O professor atesta essa mesma realidade na pequena amostra que lhe passa todos os anos no mestrado que coordena em comunicação, cultura e tecnologias da informação do ISCTE (Instituto Superior das Ciências da Empresa e do Trabalho): “Uma boa parte deles não está a exercer funções nas áreas das suas licenciaturas e muitos até foram parar a «call-centers” e às caixas dos supermercados”, conta.
Na década de 80, a situação era bem diferente. “Os jornais passavam por um processo de modernização, o que implicou o recrutamento de jovens jornalistas. Lançavam-se revistas em todos os segmentos, para mulheres, homens, jovens, «bricolage», informática… A Lei da Televisão dava origem aos canais privados, o mesmo acontecendo com a Lei da Rádio, multiplicando-se as estações”, recorda o sociólogo.
Durante algum tempo, também as câmaras municipais contrataram, em força, para as assessorias de imprensa e representaram uma boa saída para os licenciados.
Mas depois, tudo parou. “Uma vez constituídas as redacções e preenchidos os lugares, pararam os recrutamentos. Mas enquanto a oferta de trabalho diminuiu, o número de licenciados aumentou sempre”.
Ricardo Dias, do portal “Carga de Trabalhos”, lembra que as ofertas para esta área não foram além dos 10% do total dos 4150 anúncios, dos quais pelo menos metade destinam-se a recrutamento de estagiários, muitas das vezes a custo zero.
Este criativo de uma agência de publicidade criou o portal em 2004, entre transição de empregos, quando procurava trabalho. “Foi nesse momento que detectei a falta de um espaço que concentrasse todas as ofertas, não só na área da publicidade, mas em todo o sector da comunicação empresarial, área na qual me tinha formado. Na altura, tive a noção de que era uma ‘carga de trabalhos' descobrir essas vagas e daqui surgiu a ideia de lançar o site e de o baptizar com esse nome”, recorda o criativo.
“Sangue novo” a custo zero
Agora, com a experiência de quase seis anos na gestão da procura e da oferta de quem está no sector, Ricardo Dias não tem dúvidas em afirmar que a situação que observa é preocupante: “Com a instalação da crise, muitas publicações fecharam, muitos profissionais foram despedidos, uma boa parte dos quais trabalhavam em regime de prestação de serviços - os famosos recibos verdes - e que se vêm agora sem apoio do Estado, sem subsídio de desemprego e numa procura constante de uma nova oportunidade. Falo de profissionais com bastante experiência de mercado que são, em grande parte, preteridos em função de ‘sangue novo', de estagiários sem ou muito pouca remuneração e que vão "rodando" em grande número pelas empresas”.
Exemplo disso, são as avalanches de respostas que invariavelmente aparecem quando surge um anúncio para jornalistas seniores, “algo que, aliás, não é muito frequente”. “A resposta é em tão grande número que em 24 horas ou bem menos que isso, as empresas solicitam a retirada da oferta. Nesta ocasião, fica-se com a percepção nítida do elevado número de profissionais com bastante experiência que estão no desemprego, alguns dos quais há bastante tempo”, conta.
Apesar de tudo, este ano começou, ainda que timidamente, mais optimista em algumas áreas. Ricardo Dias fala do fluxo provocado pelo aparecimento de canais temáticos de TV por cabo e que tem originado vários pedidos.
Também Alfredo Maia, presidente do Sindicato dos Jornalistas, fala da expectativa que reserva a outro nível, o da imprensa local e regional. “Se olharmos para a oferta formativa verificamos que ela cobre todo o país. De Braga à Covilhã, de Coimbra a Viseu ou a Portalegre. Existe um potencial muito interessante se pensarmos que os media podem ser utilizados como alavanca de desenvolvimento local”, reforça o jornalista, acrescentando ainda que já existem projectos em desenvolvimento neste âmbito e que se irão constituir como alternativas de trabalho para quem procura um lugar ao sol nesta área.