Ruben Eiras
        
        CERCA de 80% dos seis mil desempregados que engrossam mensalmente 
        as estatísticas dos centros de emprego são licenciados. 
      
      
    
    
      
      
    
  
  
  
  
     
      
        O alerta foi dado por Roberto Carneiro, ex-ministro da Educação 
        e "pai" do actual sistema de escolas profissionais, aquando 
        da sua intervenção num colóquio sobre a relação 
        entre o ensino profissional e o mercado de trabalho, no âmbito da 
        iniciativa "Dias Abertos", dirigida à promoção 
        da Escola Profissional Digital da Rumos.
        
        "Talvez o drama não fosse tão grande se tivesse 
        havido uma maior aposta no ensino técnicoprofissional, em vez do 
        ensino superior", frisa aquele especialista. Isto porque o mercado 
        de trabalho português sofre um grande desequilíbrio estrutural, 
        caracterizado por um excesso de licenciados e mão-de-obra desqualificada, 
        contraposto a uma carestia crónica de quadros intermédios 
        e técnicos. 
        
        Mas a cultura do povo português também não ajuda a 
        mudar o panorama. Roberto Carneiro salienta que ainda existe uma imagem 
        social negativa ensombrando o ensino profissional, sendo este ainda encarado 
        como "uma alternativa mais fácil ao secundário" 
        e uma saída para os jovens marcados pelo insucesso escolar 
        no sistema formal de ensino. "Nada mais errado", sublinha 
        veementemente.
        
        E provando o que prega, dá como exemplo um dos seus nove filhos 
        que resolveu cursar gestão de sistemas de informação 
        numa escola profissional. "Ele sentiu-se mais feliz assim e realmente 
        fez a melhor opção. A formação que recebeu 
        foi de grande qualidade e muito prática, melhor do que em algumas 
        universidades", afirma. 
        
        Só que a mudança de mentalidade não se adivinha tarefa 
        fácil, dada a inércia cultural que prevalece na sociedade 
        portuguesa. Mas não para sempre. Roberto Carneiro está confiante 
        que a atitude dos portugueses irá mudar radicalmente devido à 
        "dor" infligida pela actual situação do mercado 
        laboral.
        
        "A tradição do 'sr. doutor' de certeza que irá 
        mudar com os actuais 35.000 desempregados licenciados e os que irão 
        engrossar estas fileiras no futuro", sublinha. "É 
        um bocado duro afirmar isto, mas quanto mais desemprego houver de licenciados, 
        menor será o seu estatuto social e mais beneficiados serão 
        os alunos das escolas profissionais no seu prestígio", 
        reforça aquele responsável. 
        
        Um prestígio cuja imagem de marca se começa a construir 
        pela empregabilidade. De acordo com os dados do Ministério da Educação 
        apresentados pelo orador, 78% dos diplomados nas escolas profissionais 
        já estavam a exercer uma profissão logo após a conclusão 
        do curso. 
        
        Na verdade, a tendência pela preferência do ensino profissional 
        começa a emergir na sociedade portuguesa. Segundo outro conjunto 
        de dados apresentados por Roberto Carneiro, provenientes de um estudo 
        sobre o ensino profissional realizado pela Fundação Manuel 
        Leão, a procura por este tipo de educação tem vindo 
        a crescer nos últimos anos. Desde 2000 que a média de alunos 
        admitidos no sistema se situa nos 49%, o que significa que metade dos 
        candidatos fica excluído. 
        
        "Isto indica a existência de uma procura com grande dimensão. 
        É incompreensível porque o Estado não acaba com os 
        'numerus clausus' para que mais jovens possam aceder a este tipo de ensino", 
        propõe. "É melhor do que irem para o mercado sem 
        nenhuma qualificação profissionalizante ou se tornem em 
        licenciados frustrados", observa ainda aquele responsável.
        
        Sobre o novo modelo de financiamento proposto pelo Governo, baseado no 
        sistema de cheque-educação dado aos alunos, Roberto Carneiro 
        está de acordo com o princípio, mas ressalva que são 
        necessários "uma maior discussão e esclarecimento 
        dos pormenores de funcionamento do novo sistema".