Cátia Mateus e Ruben Eiras
O FASCÍNIO pelas ciências sociais e o pragmatismo
do Direito foram os factores que levaram Nuno Santos Silva, de 28 anos,
jurista em segurança social e doutorando em direito da comunicação
pela Universidade Complutense de Madrid, a enveredar pela carreira de
advogado. A escassez de emprego não amedrontou este jovem profissional,
porque "pouco antes de terminar o curso - fui convidado para realizar
o estágio profissional no escritório de um (bom) professor
meu, e isso abria boas perspectivas de futuro".
Embora se mostre satisfeito com o seu percurso profissional, Nuno Santos
Silva considera que poderia ter ido mais longe se não fosse a
duração do estágio de advocacia: "obriga-nos
a todos a 'marcar passo' durante cerca de dois anos, diferindo assim
a verdadeira entrada no mercado de trabalho. Mas, conhecendo a realidade
de muitos colegas meus, sei que não posso queixar-me".
Já Patrícia Afonso, de 27 anos de idade e jurista especializada
em direito do trabalho, escolheu a licenciatura em Direito devido ao
interesse pelo funcionamento do sistema judicial e da realização
da justiça. "Queria participar e contribuir de forma
activa na realização dessa mesma justiça",
sublinha. Nunca se preocupou com a falta de emprego na área,
mas critica o facto do curso ser sobretudo "teórico".
Uma lacuna que, segundo a opinião dos dois jovens juristas, não
é suprida devidamente pela formação dada pela Ordem
dos Advogados (OA). Para Nuno Santos Silva, o estágio de advocacia
é demasiado longo - cerca de dois anos -, é "caro",
já que tanto a inscrição no estágio, como
a presença em conferências que atribuem créditos
para o estágio são pagas pelos alunos e desmotivante.
"Lembro-me de comentar com colegas meus de estágio que
a Ordem queria vencer-nos pelo cansaço - o objecto da formação
é ainda muito tradicional", frisa.
Uma situação também corroborada por Patrícia
Afonso: "apesar de considerar que a formação da
OA é indispensável, a minha formação passou
sobretudo pelo que aprendi no escritório onde fiz o estágio.
A formação da Ordem não é suficiente para
a meu desenvolvimento profissional e a adequação à
realidade do mercado".
A nível de propostas de melhoria do sistema de formação
dos advogados, a jurista propõe que a formação
assente muito mais em casos concretos, que exijam soluções
concretas, "e não apenas formação teórica".
Por sua vez, Nuno Santos Silva sugere que a OA deveria promover uma
ponte com as outras instituições responsáveis pelas
principais profissões jurídicas e forenses. "Já
no âmbito do estágio, o advogado contacta com o juiz, com
o notário, com o conservador, com o inspector e com o oficial
de justiça, mas não há um conhecimento do que cada
um faz ou do meio em que se move, e quando não se conhece...
desconfia-se", comenta.
Face a estas críticas, Fernando Sousa Magalhães, vogal
do Conselho-Geral e presidente da Comissão Nacional de Formação
da Ordem dos Advogados (CNFOA), responde que "o sistema de formação
de advogados está em busca de melhoria e aperfeiçoamento".
Contudo, o responsável adianta que o interesse público
inerente a esta actividade profissional "reclama elevados padrões
nos domínios da Deontologia, Direito e Práticas Processuais".
Confessa ainda que é difícil para a OA, com os poucos
recursos humanos que tem, estruturar e desenvolver sistemas de formação
inicial, complementar e permanente compatíveis com a complexidade
das situações deontológicas que hoje se apresentam.
Uma realidade que é ainda mais agravada "com a descontrolada
máquina de produção do Direito, com as gritantes
deficiências do ensino superior e com a desregulação
do sistema judicial", acrescenta.
Escassez de recursos para formação
Segundo Fernando Sousa Magalhães, os principais problemas associados
à formação de advogados passam também pela
exiguidade de recursos com que a OA se debate. O responsável
explica que apesar dos esforços "não é
objectivamente possível formatar um modelo formativo capaz de
garantir uma formação de qualidade equiparável
à que o Estado garante aos magistrados, sendo este o padrão
exigível". Por outro lado, o presidente da CNFOA aponta
a insuficiência dos níveis de formação académica
na preparação dos licenciados.
Fernando Sousa Magalhães chama a atenção para a
forte potencialidade das especialidades aplicadas à advocacia.
O responsável adianta que "as especialidades são
um caminho de enorme potencialidade para os jovens advogados e a OA
acaba de responder com a regulamentação da atribuição
do título de Advogados Especialistas". O actual modelo
de formação da OA permite já que os jovens estagiários
formatem o seu percurso de formação com base em opções
de especialidade. Fernando Sousa Magalhães não tem por
isso dúvidas de que "cada vez mais cedo os advogados são
chamados a tomar opções sobre o rumo das suas carreiras".
Uma realidade aplaudida por quem quotidianamente lida com os apelos
do mercado de trabalho. Amândio da Fonseca, presidente do Grupo
Egor, especializado em recrutamento e selecção, está
certo de que "o facto da complexidade da sociedade actual ser
cada vez mais acentuada ao nível das empresas, famílias
e das instituições, determina crescentes necessidades
regulatórias na alçada do direito público, privado,
empresarial, comunitário e internacional". Estas necessidades,
acrescenta, "tornam imperativa uma reformulação
do ensino em que - à semelhança de outras ciências
- os profissionais do Direito terão que saber cada vez mais,
de menos".
Segundo Amândio da Fonseca, o actual modelo de especialização
dos advogados "parece resultar sobretudo de circunstâncias
e preferências decorrentes da experiência profissional".
Assim, para o responsável o grande desafio é que as faculdades
de direito compreendam a mais-valia de desenvolverem os seus próprios
modelos de especialização em conformidade com as necessidades
do mercado.
Perfil dos advogados lusos
O EXERCÍCIO da profissão de advogado foi visto à
lupa. O "Inquérito aos Advogados Portugueses" - realizado
pela Ordem dos Advogados a 9.168 profissionais, num universo de 20.064
- revela o panorama de uma classe onde os profissionais se dividem em
sete perfis distintos, mas com queixas comuns. As condições
de trabalho, o excesso de profissionais e dificuldade em encontrar clientes,
o crescente descrédito da imagem do advogado junto da sociedade
e disfuncionamento do sistema judicial elencam o rol de queixas. Tome
nota dos seis perfis que caracterizam estes profissionais em Portugal:
1 - Desencantados com a Profissão: (17,7% dos inquiridos) duvidam
da sua vocação, não se identificam com a classe
e estão insatisfeitos com as condições em que exercem
actividade. Ganham, na sua maioria, menos de 500 euros mensais, tem
idades entre os 35 e os 40 anos e pertencem ao sexo feminino
2 - Tradicionalmente Instituídos: (14,2%) elevada vocação
para o exercício da profissão. São, maioritariamente,
do sexo masculino com mais de 20 anos de carreira e auferem entre dois
e cinco mil euros mensais. Movem-se em ramos como o direito civil
3 - Críticos Proactivos: (12,9%) segundo o estudo descrevem-se
como sendo aqueles que "nasceram para a advocacia, mas a classe
profissional não os merece e evitam identificar-se com a profissão".
São jovens de ambos os sexos, trabalham como independentes e
têm idade inferior a 40 anos. Criticam a má imagem da profissão
e a situação económica de muitos profissionais
4 - Empreendedores Pragmáticos: (16,4%) altamente vocacionados
para a advocacia e muito identificados com a profissão. Ganham
cerca de mil euros/ mês, são optimistas em relação
ao futuro mercado da profissão e tendem a apostar em áreas
de especialização
5 - Renovadores Prudentes: (15,5%) revelam uma vocação
profissional para a advocacia pouco saliente e estão insatisfeitos
com as condições em que exercem a profissão. Situação-se
na faixa dos 40/50 anos, ganham menos de mil euros mensais e um terço
é dono do escritório onde exerce actividade
6 - Intranquilos Passivos: (14,2%) são fortemente vocacionados
para a profissão, mas muito insatisfeitos com as condições
em que a exercem
7 - Revoltados Pessimistas: (9,2%) têm dificuldade em arranjar
clientes, mas persistem no exercício individual da profissão
desvalorizando alternativas de trabalho assalariado