Notícias

Jovens advogados criticam formação

30.07.2004


  PARTILHAR





Cátia Mateus e Ruben Eiras

O FASCÍNIO pelas ciências sociais e o pragmatismo do Direito foram os factores que levaram Nuno Santos Silva, de 28 anos, jurista em segurança social e doutorando em direito da comunicação pela Universidade Complutense de Madrid, a enveredar pela carreira de advogado. A escassez de emprego não amedrontou este jovem profissional, porque "pouco antes de terminar o curso - fui convidado para realizar o estágio profissional no escritório de um (bom) professor meu, e isso abria boas perspectivas de futuro".


Embora se mostre satisfeito com o seu percurso profissional, Nuno Santos Silva considera que poderia ter ido mais longe se não fosse a duração do estágio de advocacia: "obriga-nos a todos a 'marcar passo' durante cerca de dois anos, diferindo assim a verdadeira entrada no mercado de trabalho. Mas, conhecendo a realidade de muitos colegas meus, sei que não posso queixar-me".

Já Patrícia Afonso, de 27 anos de idade e jurista especializada em direito do trabalho, escolheu a licenciatura em Direito devido ao interesse pelo funcionamento do sistema judicial e da realização da justiça. "Queria participar e contribuir de forma activa na realização dessa mesma justiça", sublinha. Nunca se preocupou com a falta de emprego na área, mas critica o facto do curso ser sobretudo "teórico".

Uma lacuna que, segundo a opinião dos dois jovens juristas, não é suprida devidamente pela formação dada pela Ordem dos Advogados (OA). Para Nuno Santos Silva, o estágio de advocacia é demasiado longo - cerca de dois anos -, é "caro", já que tanto a inscrição no estágio, como a presença em conferências que atribuem créditos para o estágio são pagas pelos alunos e desmotivante. "Lembro-me de comentar com colegas meus de estágio que a Ordem queria vencer-nos pelo cansaço - o objecto da formação é ainda muito tradicional", frisa.

Uma situação também corroborada por Patrícia Afonso: "apesar de considerar que a formação da OA é indispensável, a minha formação passou sobretudo pelo que aprendi no escritório onde fiz o estágio. A formação da Ordem não é suficiente para a meu desenvolvimento profissional e a adequação à realidade do mercado".

A nível de propostas de melhoria do sistema de formação dos advogados, a jurista propõe que a formação assente muito mais em casos concretos, que exijam soluções concretas, "e não apenas formação teórica". Por sua vez, Nuno Santos Silva sugere que a OA deveria promover uma ponte com as outras instituições responsáveis pelas principais profissões jurídicas e forenses. "Já no âmbito do estágio, o advogado contacta com o juiz, com o notário, com o conservador, com o inspector e com o oficial de justiça, mas não há um conhecimento do que cada um faz ou do meio em que se move, e quando não se conhece... desconfia-se", comenta.

Face a estas críticas, Fernando Sousa Magalhães, vogal do Conselho-Geral e presidente da Comissão Nacional de Formação da Ordem dos Advogados (CNFOA), responde que "o sistema de formação de advogados está em busca de melhoria e aperfeiçoamento". Contudo, o responsável adianta que o interesse público inerente a esta actividade profissional "reclama elevados padrões nos domínios da Deontologia, Direito e Práticas Processuais".

Confessa ainda que é difícil para a OA, com os poucos recursos humanos que tem, estruturar e desenvolver sistemas de formação inicial, complementar e permanente compatíveis com a complexidade das situações deontológicas que hoje se apresentam. Uma realidade que é ainda mais agravada "com a descontrolada máquina de produção do Direito, com as gritantes deficiências do ensino superior e com a desregulação do sistema judicial", acrescenta.

Escassez de recursos para formação


Segundo Fernando Sousa Magalhães, os principais problemas associados à formação de advogados passam também pela exiguidade de recursos com que a OA se debate. O responsável explica que apesar dos esforços "não é objectivamente possível formatar um modelo formativo capaz de garantir uma formação de qualidade equiparável à que o Estado garante aos magistrados, sendo este o padrão exigível". Por outro lado, o presidente da CNFOA aponta a insuficiência dos níveis de formação académica na preparação dos licenciados.

Fernando Sousa Magalhães chama a atenção para a forte potencialidade das especialidades aplicadas à advocacia. O responsável adianta que "as especialidades são um caminho de enorme potencialidade para os jovens advogados e a OA acaba de responder com a regulamentação da atribuição do título de Advogados Especialistas". O actual modelo de formação da OA permite já que os jovens estagiários formatem o seu percurso de formação com base em opções de especialidade. Fernando Sousa Magalhães não tem por isso dúvidas de que "cada vez mais cedo os advogados são chamados a tomar opções sobre o rumo das suas carreiras".

Uma realidade aplaudida por quem quotidianamente lida com os apelos do mercado de trabalho. Amândio da Fonseca, presidente do Grupo Egor, especializado em recrutamento e selecção, está certo de que "o facto da complexidade da sociedade actual ser cada vez mais acentuada ao nível das empresas, famílias e das instituições, determina crescentes necessidades regulatórias na alçada do direito público, privado, empresarial, comunitário e internacional". Estas necessidades, acrescenta, "tornam imperativa uma reformulação do ensino em que - à semelhança de outras ciências - os profissionais do Direito terão que saber cada vez mais, de menos".

Segundo Amândio da Fonseca, o actual modelo de especialização dos advogados "parece resultar sobretudo de circunstâncias e preferências decorrentes da experiência profissional". Assim, para o responsável o grande desafio é que as faculdades de direito compreendam a mais-valia de desenvolverem os seus próprios modelos de especialização em conformidade com as necessidades do mercado.


Perfil dos advogados lusos

O EXERCÍCIO da profissão de advogado foi visto à lupa. O "Inquérito aos Advogados Portugueses" - realizado pela Ordem dos Advogados a 9.168 profissionais, num universo de 20.064 - revela o panorama de uma classe onde os profissionais se dividem em sete perfis distintos, mas com queixas comuns. As condições de trabalho, o excesso de profissionais e dificuldade em encontrar clientes, o crescente descrédito da imagem do advogado junto da sociedade e disfuncionamento do sistema judicial elencam o rol de queixas. Tome nota dos seis perfis que caracterizam estes profissionais em Portugal:

1 - Desencantados com a Profissão: (17,7% dos inquiridos) duvidam da sua vocação, não se identificam com a classe e estão insatisfeitos com as condições em que exercem actividade. Ganham, na sua maioria, menos de 500 euros mensais, tem idades entre os 35 e os 40 anos e pertencem ao sexo feminino

2 - Tradicionalmente Instituídos: (14,2%) elevada vocação para o exercício da profissão. São, maioritariamente, do sexo masculino com mais de 20 anos de carreira e auferem entre dois e cinco mil euros mensais. Movem-se em ramos como o direito civil

3 - Críticos Proactivos: (12,9%) segundo o estudo descrevem-se como sendo aqueles que "nasceram para a advocacia, mas a classe profissional não os merece e evitam identificar-se com a profissão". São jovens de ambos os sexos, trabalham como independentes e têm idade inferior a 40 anos. Criticam a má imagem da profissão e a situação económica de muitos profissionais

4 - Empreendedores Pragmáticos: (16,4%) altamente vocacionados para a advocacia e muito identificados com a profissão. Ganham cerca de mil euros/ mês, são optimistas em relação ao futuro mercado da profissão e tendem a apostar em áreas de especialização

5 - Renovadores Prudentes: (15,5%) revelam uma vocação profissional para a advocacia pouco saliente e estão insatisfeitos com as condições em que exercem a profissão. Situação-se na faixa dos 40/50 anos, ganham menos de mil euros mensais e um terço é dono do escritório onde exerce actividade

6 - Intranquilos Passivos: (14,2%) são fortemente vocacionados para a profissão, mas muito insatisfeitos com as condições em que a exercem

7 - Revoltados Pessimistas: (9,2%) têm dificuldade em arranjar clientes, mas persistem no exercício individual da profissão desvalorizando alternativas de trabalho assalariado







DEIXE O SEU COMENTÁRIO





ÚLTIMOS EMPREGOS