Em 2015, só uma percentagem residual (10%) de alunos do ensino profissionalizante ingressaram no ensino superior, segundo os dados mais recentes da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC). Para um número crescente de empresas, este número é insuficiente. Quem contrata procura cada vez mais, para funções-chave, perfis capazes de aliar o conhecimento assegurado pela qualificação superior à experiência prática que só a formação profissionalizante confere. Incentivar os alunos da via profissionalizante a prosseguir os estudos é o caminho certo, não apenas para as empresas mas também para a OCDE, que no relatório “Focus on Vocational Education and Training Programes” reconhece essa mesma necessidade.
Para Gonçalo Xufre da Silva, presidente da Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional (ANQEP), este afastamento por parte dos alunos do ensino profissional dos estudos superiores é penalizador para alcançar as metas europeias definidas para esta via de ensino e tem parte da sua origem numa desigualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior. O ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, reconhece a falha e garante que o Executivo está a trabalhar numa solução. Podem estar a caminho novas regras para o acesso ao ensino superior.
Há dez anos, a Europa definiu como meta que metade dos alunos do ensino secundário frequentassem cursos de vias profissionalizantes até 2020. Portugal aceitou o repto, mas uma década depois ainda só conseguiu atrair para esta opção de qualificação 44% dos alunos do ensino secundário. E mesmo esse número não é consensual. É Gonçalo Xufre da Silva quem avança o número, que, garante, “se tem mantido estável nos últimos anos”. Mas os dados da DGEEC para os últimos anos lançam alguns alertas. No passado ano letivo, e por comparação a 2014/2015, a proporção de alunos nas vias profissionalizantes desceu de 42% para 40,3%, o equivalente a menos cerca de 6000 alunos.
O líder da ANQEP reconhece que, pese embora o facto de a maioria dos alunos da via profissionalizante ter como ambição o acesso rápido ao mercado laboral, os entraves que são colocados nas possibilidades de acesso ao ensino superior — com critérios de seleção orientados em exclusivo para os cursos científico-humanísticos — são desmotivadores. “Muitos alunos com vocação profissional, mas com firme intenção de seguir estudos superiores, poderão, logo à partida, evitar a via profissional com receio de, no final do ensino secundário, não conseguirem ter bons resultados no concurso nacional de acesso”, explica.
Tiago Brandão Rodrigues admite a existência de uma assimetria, “introduzida na legislação pelo anterior Governo”, para os alunos da via profissional e do ensino artístico especializado e garante que “é indubitável a importância de assumir a diferença entre certificação e acesso, podendo abrir-se a possibilidade de a certificação do 12º ano ser válida para o acesso ao ensino superior. É esta a discussão que temos intensificado com os agentes do sector, no sentido de poder criar condições para a não estigmatização das vias profissionalizantes e artísticas no acesso ao ensino superior”. Em paralelo, e já a partir do corrente ano letivo, “os alunos dos cursos profissionais que estão em escolas do projeto piloto de autonomia e flexibilidade curricular terão a possibilidade de permutarem disciplinas por outras dos cursos científico-humanísticos. Isto permite a estes estudantes a possibilidade de frequentarem disciplinas que são exigidas como específicas para o acesso ao ensino superior”, explica o ministro.
Crise muda perfil dos alunos
Estas medidas, para Gonçalo Xufre da Silva, são ainda mais necessárias quando se sabe que o perfil dos alunos do ensino profissionalizante sofreu grandes alterações nos últimos anos, passando de um aluno tipicamente desencantado com o modelo tradicional de ensino para um aluno que “escolhe a via profissionalizante como primeira opção”, realça. A crise económica de 2010/2012 também levou pais e alunos a procurarem “outras ferramentas capazes de preparar os jovens para a vida ativa, e, claramente, o ensino profissional — desenhado em função de competências nas quais estão inseridas as técnicas que permitem iniciar uma atividade ou prosseguir estudos — está pensado para quem tem em perspetiva entrar mais cedo no mercado de trabalho”. É por isso fundamental, para o presidente da ANQEP, que não se penalize quem possa, eventualmente, no futuro querer prosseguir estudos no ensino superior.
A orientação para a empregabilidade é, de resto, o grande trunfo desta via de ensino. Desde 2014 que a ANQEP identifica anualmente, por região geográfica, uma lista de cursos de formação relevantes e prioritários sob o ponto de vista das necessidades das empresas, ou seja, da empregabilidade (ver caixa). Nem sempre essa lista é coincidente com as aspirações e opções dos alunos. Técnicos comerciais, de logística, de vendas e marketing, de soldadura, de tratamento de metais, auxiliares de saúde e de apoio à infância ou de ação educativa são apontados como prioritários para as empresas nas regiões de Lisboa, Porto, Coimbra ou Algarve, mas de um modo transversal, a nível nacional, não figuram entre as prioridades dos alunos, que preferem áreas como a Hotelaria e Restauração, Audiovisuais e Produção de Media, Ciências Informáticas, Eletricidade e Energia, Metalurgia e Metalomecânica.
Com a OCDE e a ANQEP, os empregadores nacionais partilham a convicção de que uma aproximação dos alunos da via profissionalizante ao ensino superior só seria benéfica. Para Mário Rocha, diretor da consultora de recrutamento Hays, incentivar a prossecução de estudos destes alunos ao nível do ensino superior “seria o melhor de dois mundos para as empresas, já que associariam o potencial prático de uma formação profissionalizante a uma qualificação superior”. O especialista reconhece que as empresas em Portugal ainda estão muito orientadas para o recrutamento de licenciados e mestres, mas garante que “há já funções muito específicas onde se percebe que entre os licenciados não se encontrará um perfil com a especialização técnica necessária para a função, e aí há uma aposta clara em perfis da via profissionalizante que pode ter impactos muito significativos em matéria salarial”. E cita o exemplo da área da Manutenção Industrial, onde, segundo ele, o salário de um perfil técnico pode mesmo superar o de um engenheiro recém-licenciado ou com dois anos de experiência, “cerca de €23 mil anuais brutos [€1700 mensais]”. E outros casos existem na área das Tecnologias de Informação, nas Telecomunicações, na Gestão de Redes, garante, onde as empresas necessitariam desta combinação de valências.
Índice de relevância 2017/2018
Área Metropolitana do Porto
Técnico de Comércio ou Técnico Comercial
Técnico de Logística
Técnico de Vendas e Marketing
Técnico Administrativo
Área Metropolitana de Lisboa
Técnico de Comércio ou Técnico Comercial
Técnico de Distribuição
Técnico de Vendas
Técnico de Restaurante/Bar
Técnico de Geriatria
Técnico de Soldadura
Técnico de Apoio à Infância ou de Ação Educativa
Região de Coimbra
Técnico de Soldadura
Técnico de Tratamento de Metais
Técnico de Qualidade
Técnico Auxiliar de Saúde
Região do Algarve
Técnico de Comércio ou Técnico Comercial
Técnico de Vendas
Técnico de Cozinha/Pastelaria
Técnico de Restaurante/Bar
Técnico de Redes Elétricas
Há portugueses entre os melhores do mundo
Em 65 anos de participação no WorldSkills (campeonato do mundo das profissões) — a competição internacional onde alunos do ensino profissional demonstram, a cada dois anos, a excelência da sua técnica —, Portugal arrecadou 29 medalhas de ouro, 59 de prata, 52 de bronze e 82 de excelência. Também na formação profissional há portugueses entre os melhores do mundo. A comitiva lusa quer juntar aos troféus já conquistados mais alguns, já na próxima edição do WorldSkills que decorrerá em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, de 15 a 18 de outubro.
Portugal estará representado por uma equipa de 22 os jovens sub-25 que, tendo concluído percursos de qualificação em modalidades de educação e formação profissional, vão competir pelo reconhecimento enquanto melhores na sua área. Sandra Sousa Bernardo, porta-voz do Departamento de Formação Profissional do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), que é membro fundador da WorldSkills International e da WorldSkills Europe, organizando em Portugal a iniciativa, explica que estas provas “destacam o nível individual de competências, rigor, domínio de técnicas e ferramentas para o exercício de cada profissão a concurso”.
O último campeonato mundial teve lugar em 2015, em São Paulo, no Brasil, e Portugal obteve oito certificados de excelência, ficando “ligeiramente acima do meio da tabela dos países concorrentes”, explica. Os 22 jovens que este ano disputarão a final mundial, foram selecionados entre 386 concorrentes, no 42º Campeonato Nacional das Profissões que decorreu em Coimbra, no último ano. Em Abu Dahbi vão competir em 18 profissões: Mecatrónica, Desenho Industrial, Fresagem, Soldadura, Web Design, Instalações Elétricas, Eletromecânica Industrial, Robótica Móvel, Marcenaria, Cabeleireiro, Esteticismo, Tecnologias da Moda, Tecnologia Automóvel, Cozinha, Serviço de Bar e Mesa, Refrigeração e Climatização, Gestão de Redes Informáticas e Receção Hoteleira. Áreas que coincidem também com algumas das mais procuradas pelos alunos e pelas empresas em Portugal.
Os campeonatos das profissões realizam-se hoje em 76 países e “atestam a excelência da formação profissional”, explica a responsável, mas são também um espelho da aposta realizada pelos respetivos países, na promoção de um modelo de ensino que tem na sua essência o “saber fazer”. Foi, de resto, este o espírito que norteou a criação das competições idealizados em 1947 pelo espanhol José António Olaso, que decidiu criar um evento capaz de contribuir para a promoção de um sistema de treino vocacional, dando a conhecer os melhores aprendizes dos cursos de formação.
O primeiro campeonato foi entre Portugal e Espanha. Hoje são muitas as nações a querer mostrar que a excelência profissional não se alcança apenas nos bancos da universidade. Um dos objetivos do WorldSkills é transportar o saber das profissões para o contexto da formação prática. Uma via de qualificação que em Portugal tem vindo a aumentar, ainda que o país se mantenha abaixo das metas europeias no número de alunos nestes cursos e que os principais representantes do sector reconheçam que ainda há um longo caminho