Ruben Eiras
Uma aposta séria na formação
baseada em "coaching" é a via para dirimir as lacunas
de qualificação dos empresários
4 propostas para mudar a mentalidade
COM perto de 80% dos directores e gestores de pequenas empresas com uma
habilitação até ao 3º ciclo, a qualificação
da elite empresarial portuguesa está seriamente comprometida (ver
edição do EXPRESSO Emprego de 19-09-2003).
Face a este panorama, o EXPRESSO contactou especialistas de diversas áreas
e associações empresariais para delinear que linhas de acção
se deverão tomar para inverter esta situação no médio-longo
prazo.
O maior obstáculo a vencer prende-se com a mentalidade prevalecente
no empresariado português. Pedro Mendonça, formador especializado
em PME e docente na Universidade Atlântica, refere que o típico
empreendedor português é uma pessoa que norteia a sua actividade
pelo princípio de que "o segredo é a alma do negócio".
O resultado é o seguinte comportamento: "Não se
associa com outros empresários, gere reactiva e defensivamente,
de forma oportunista, não percebe por que a empresa não
progride e atribui a culpa disso 'aos outros' - leia-se governo, partidos,
sindicatos, trabalhadores -, não tem estratégia, aproveita
os incentivos estatais para resolução de problemas urgentes,
'dribla' a lei e utiliza um estilo de liderança autoritário
e paternalista".
Uma opinião corroborada por Miguel Pina e Cunha, investigador na
área do comportamento organizacional e docente na Faculdade de
Economia da Universidade Nova de Lisboa.
"Ser bem sucedido 'à antiga portuguesa' não é
tanto o resultado do trabalho, estudo e desempenho, mas o resultado de
ser esperto, ter bons relacionamentos e arranjar esquemas", observa.
Mas a modernidade está a prolongar e a dar um novo formato a este
modelo de comportamento dominante. "Hoje, é melhor ainda
ganhar o totoloto, o Big Brother ou outro concurso do género. Em
suma: creio que Portugal nos últimos anos tem sido terreno pouco
fértil para a ética do estudo e do trabalho", considera
aquele académico.
As consequências desta mentalidade são o estagnar do capital
humano e da inovação. Como refere Pedro Mendonça,
o empresário português típico encara os quadros como
"capatazes" e não como chefias.
Além disso, tem dificuldade em aceitar sugestões, reage
negativamente ao ser posto em causa, os colaboradores não são
estimulados a ser criativos e não participam nos objectivos estratégicos
da empresa, "isto quando esta os tem ou os dá a conhecer",
sublinha aquele especialista.
Então como qualificar uma população empresarial que
despreza o investimento no seu próprio capital humano e que assenta
as suas práticas de gestão no paradigma da "esperteza
à portuguesa"?
Os especialistas contactados pelo EXPRESSO são unânimes:
apostar nas modalidades de "formação-acção",
mais conhecidas por "coaching" (treino em inglês).
É um tipo de acção formativa que integra trabalho
de "formação-consultoria" junto de cada
empresa ou um grupo de dirigentes ou quadros, de modo a criar uma solução
à medida das necessidades específicas de cada realidade.
Segue-se então a "formação em sala"
para debate, simulação de soluções concretas,
sistematização e aprofundamento de conhecimentos.
Todo o processo é então suportado através de acompanhamento,
tutoria e "coaching" prestados pelo formador. Ou seja,
este torna-se uma espécie de "treinador" das competências
da organização ou do grupo de empresários.
Maria Márcia Trigo, directora da Escola de Negócios da Universidade
Autónoma de Lisboa e ex-presidente da Agência Nacional de
Educação e Formação de Adultos (Anefa), refere
que Portugal tem algumas excelentes experiências neste domínio.
"Os maiores problemas consistem no custo deste modelo de formação
e na sua duração. E há que ter em conta o número
elevadíssimo de pessoas a formar", sublinha aquela responsável.
Além disso, Maria Márcia Trigo nota que este tipo de formação
só é motivadora quando certifica os conhecimentos e competências
adquiridas pelos dirigentes e quadros, ao longo de uma vida de trabalho
e de múltiplas acções de formação,
nos mais diversos domínios.
"Tem que ser uma certificação equivalente aos níveis
de qualificação escolar e profissional da Comissão
Europeia, o que pode ser resolvido através da utilização
do modelo de 'unidades de crédito' ou do 'referencial de competências-chave'
definido para cada um dos níveis de qualificação,
desenvolvido pela Anefa", sugere.
A nível de política de formação, Maria Márcia
Trigo advoga que é necessário passar das "experiências"
aos programas sustentados, continuados e alargados, "ao longo de
várias legislaturas, como fizeram a Irlanda e outros países".
A AIP, em resposta por escrito, considera que o Governo deveria criar
benefícios fiscais para as empresas que realizam formação
"a partir de certos patamares mínimos e obrigatórios
em áreas de melhoria de produtividade e competitividade".
4 propostas para mudar a mentalidade
1.O "SERVIÇO Público de Televisão"
deveria estimular a produção de telenovelas, concursos e
outros programas de grande audiência que, sob forma indirecta e
subliminar, passassem a mensagem de alteração de alguns
dos valores mais correntes na nossa sociedade, em relação
ao trabalho.
2.A divulgação de histórias de vida de sucesso
teria um grande valor pedagógico, na óptica do "Bom"
e não na do "Barato".
Por exemplo, nos Telejornais de maior audiência, entrevistar professores
e alunos de escolas de sucesso, empresários de sucesso e repetir
frequentemente em "flashes" as frases mais ricas, para
eles explicarem que o segredo do seu sucesso é muito suado, dá
muito trabalho e não lhes caiu do céu como o maná.
Que tremendo impacto teria a nível nacional, se um dos "Zés
Marias" dos "Big Brothers" dissesse que a sua
principal prioridade, quando sair, é fazer um curso de Empreendorismo?
3.Criar soluções imaginativas na "formação-acção",
capazes de acrescentar à formação uma prática
que lhe dê seguimento.
Por exemplo, estágios de duração significativa para
desempregados em empresas tendencialmente qualificantes, com incentivos
dados a essas mesmas.
A diferença que sempre encontramos entre empresas que fazem formação
"para crescer" e as outras, é que nas primeiras
os dirigentes e quadros "misturam-se" com os colaboradores
nas acções de formação e compreendem o valor
acrescentado presente nessa "promiscuidade".
4.Fomentar intercâmbios internacionais para alargar a oportunidade
de aquisição de novas competências quer no sistema
de ensino/formação quer no âmbito empresarial.
Por exemplo, os autarcas portugueses ainda não souberam (ou não
puderam) aproveitar as potencialidades da geminação com
cidades estrangeiras para a aquisição de competências
dos seus munícipes.
Fonte: Pedro Mendonça