João Ramos e Ruben Eiras
UM TERÇO dos jovens
portugueses deveria ter formação técnica especializada
como forma de colmatar a falta de quadros médios",
Como avaliar a formação
defendeu Luís Valadares Tavares, Presidente do INA - Instituto
Nacional de Administração (INA) durante uma mesa-redonda
sobre a formação profissional em Portugal organizada pelo
EXPRESSO, em colaboração com a Nova Fórum, a escola
de formação de executivos da Universidade Nova de Lisboa.
A ideia, que mereceu consenso entre os outros participantes da mesa redonda,
vai ao encontro das boas práticas existentes nos países
desenvolvidos.
Na Alemanha, por exemplo, 70% dos jovens frequentam estes cursos. "É
sobretudo com bons quadros intermédios que se consegue aumentar
a competitividade", afirma Simão Portugal director da
Associação Nacional de Formação em Electrónica
Industrial (Anfei), outro dos participantes da iniciativa do EXPRESSO.
Aquele responsável estima que o mercado tem uma lacuna de 20.000
profissionais com competências tecnológicas. "O sistema
de escolas tecnológicas forma cerca de 1600 por ano. A este ritmo,
nem em 10 anos conseguimos atingir o objectivo", sublinha.
Para Valadares Tavares, a formação profissional em Portugal
está "distorcida" e "desalinhada"
em relação aos outros países da UE. Um problema que
tem na sua origem, segundo o mesmo responsável, na formação
inicial e encaminhamento dos jovens.
"Grande parte dos cerca de 50% de jovens que escolhem as ciências
sociais e humanas porque estão traumatizados com a matemática,
e acabam por não estar vocacionados para o curso que escolhem".
Como tal, este responsável considera ser importante que os estudantes
pré-universitários tenham acesso a mais informação
sobre as necessidades do mercado de trabalho e que fosse conhecida a lista
dos cursos que produz licenciados para o desemprego.
A Anfei é uma excepção neste quase deserto português
na área de formação técnica especializada.
Com uma produção de 350 formandos por ano no regime de formação
contínua (elaborado à medida das necessidades das empresas),
aquela escola tecnológica produz ainda cerca de 300 formandos no
regime de formação em alternância - modalidade formativa
na qual o aluno passa quatro dias na empresa e um dia de formação
em sala.
Para assegurar que a formação responde às necessidades
do mercado laboral, Simão Portugal garante que regularmente é
efectuada uma avaliação qualitativa do impacto da formação
no desempenho do posto de trabalho.
Os resultados desta metodologia falam por si: 80% das empresas clientes
(cerca de 50) estão satisfeitas com a qualidade dos formandos da
Anfei. Entre estas, só a Autoeuropa contratou 400 alunos daquela
escola. A taxa de empregabilidade da Anfei situa-se nos 100%.
"A razão do nosso sucesso deve-se aos cursos serem sempre
centrados na resolução dos problemas das empresas. É
que o formador tem que dominar o planeamento da formação.
Não pode estar divorciado das empresas e ser um mero 'entertainer'",
ironiza Simão Portugal.
Formar em sincronia com o trabalho
Outra grave deficiência, segundo Valadares Tavares, está
no facto da formação contínua ser sido menosprezada
e pouco relacionada com o posto de trabalho tanto das empresas como na
administração pública. "E, além disso,
falta uma cultura de competitividade na avaliação e produção
de conhecimento no nosso sistema educativo", acrescenta o presidente
do INA.
Curiosamente, como aponta Elsa Carvalho, consultora da Mercer Consulting,
segundo um estudo recente desta consultora apontava para o facto de em
Portugal o investimento e o número de horas de formação
empresarial ser quase igual ao de outros países, só que
os resultados estão muito aquém.
"Estamos péssimos em planeamento e na medição
do retorno de investimento em formação", adianta
a mesma especialista.
"As empresas não fazem o levantamento das suas necessidades
formativas. Logo, é lógico que muita da formação
não tenha nada a ver com as exigências do negócio
e do posto de trabalho", explica.
Quanto ao cálculo do retorno do investimento (ROI) em formação,
aquela especialista sublinha que este indicador - convertido em métricas
financeiras - é crucial para que os gestores consigam identificar
o impacto das acções formativas na performance do negócio.
"Caso contrário, está-se a deitar dinheiro pela
janela fora", frisa. (ver caixa Como avaliar a formação).
Uma perspectiva partilhada por José Pedro Barosa, presidente da
Nova Fórum. Para este responsável, as empresas têm
que assumir a formação como um investimento, para que esta
seja "rentável".
Isto é realizado através da identificação
por parte da empresa das suas necessidades e dos custos e benefícios
das acções formativas. "Só assim é
que o gestor pode assumir uma margem de risco face ao montante investido
em formação e assim definir objectivos concretos em relação
à formação", sublinha.
Mas também há experiências positivas em Portugal neste
aspecto. Segundo Rui Paiva administrador da Wedo Consulting, empresa da
"subholding" Sonaecom, já criou uma "corporate university"
por acreditar que "a formação profissional é
um processo contínuo que não acaba com a saída da
universidade e está relacionada com o posto de trabalho".
Rui Paiva mostra a sua perplexidade pelo facto dos gestores portugueses
terem bons desempenhos à frente das subsidiárias de multinacionais,
embora essas boas práticas não sejam na maioria das vezes
transpostas para as empresas nacionais. "O que faz diferença
nas empresas não são as pessoas, mas sobretudo os métodos
e processos", observa.
Uma das causas para este estado de coisas em Portugal, segundo este responsável
da Sonaecom, também está relacionado com a falta de incentivos
para as empresas portuguesas investirem em formação.
"Os subsídios e os apoios deveriam ser dados às
empresas que apostaram na formação", diz o mesmo
responsável. E acrescenta: "O Estado deveria criar métricas
de forma a que aposta em formação pudesse ser considerada
nos concursos públicos, a exemplo do que já acontece com
as certificações de qualidade ISO".
Para Jaime Quesado, gestor do Programa Operacional da Sociedade da Informação
(POSI), a formação profissional falha em Portugal, não
só por não "haver um entendimento estratégico
entre empresas, comunidades locais e estabelecimentos", como
também pelo facto das empresas estarem agora mais preocupadas com
o curto prazo.
Mas para que surja um entendimento estratégico sobre a formação
em Portugal, Rui Moura, docente em sociologia do trabalho na Universidade
Autónoma de Lisboa, sugere que se deverão escolher os "clusters"
industriais com mais importância para o país e desenvolver
experiências-piloto de formação nas empresas adequadas.
"Já está tudo escrito e diagnosticado sobre esta
temática, já sabemos disto há mais de 15 anos. Agora
o que urge fazer é construir uma política de recursos humanos
coerente e competitiva para o país, pela primeira vez na nossa
história", remata aquele investigador.
Como avaliar a formação
PARA avaliar a formação, a metodologia mais utilizada é
a do americano Donald Kirkpatrick, de quatro níveis:
1º Avaliação das reacções dos formandos
face à formação;
2º Avaliação da aprendizagem dos formandos durante
a formação;
3º Avaliação das mudanças de comportamentos
no posto de trabalho;
4º Avaliação dos resultados ao nível do negócio.
Por exemplo, se a formação aumentou a retenção
de pessoal ou a "performance" financeira da empresa.
Caso de sucesso: o National City Corporation, um dos 10 maiores bancos
do mercado dos EUA, aplicou este modelo de avaliação, reduzindo
os custos com o absentismo e a rotatividade em cerca de um milhão
de euros e alcançando um retorno do investimento, através
da melhoria de vendas, de 3,7 milhões de euros no primeiro ano.