"Ainda há tentativas de desvalorização do ensino profissional"
A frequência de cursos profissionais em Portugal mantém-se abaixo do previsto, mesmo quando as estatísticas apontam para uma empregabilidade média na ordem dos 70%, em menos de um ano após a conclusão da formação. José Luís Presa, presidente da Associação Nacional das Escolas Profissionais (ANESPO), acusa o Governo de se ter esquecido de cumprir um dos objetivo da Estratégia de Lisboa que estabelecia que, pelo menos 50% dos alunos do secundário estariam, em 2010, numa via profissional.
Como analisa a procura de cursos profissionais por parte dos jovens portugueses nos últimos anos?
A procura tem vindo a conhecer um aumento crescente nos últimos anos. Segundo os dados do Ministério da Educação e Ciência (MEC) estarão a frequentar cursos profissionais cerca de 42% dos jovens que frequentam o ensino secundário quando, há muito, deveríamos estar no patamar dos 50%. A avaliação que fazemos é a que, pouco ou nada se progrediu nos últimos anos.
Que fatores estarão a contribuir para esse cenário?
Sendo esta uma tendência natural no espaço europeu e noutros países da OCDE, esperava-se que o Governo considerasse a formação profissional uma prioridade. Sabe-se que a média de alunos a frequentar cursos profissionais na UE já ultrapassou há muitos anos os 50% dos alunos do secundário. O que aconteceu foi que o Governo se esqueceu de cumprir um dos objetivo da Estratégia de Lisboa da UE que estabelecia que, pelo menos 50% dos alunos do secundário, deveriam estar, em 2010, numa via profissional.
O que falta fazer para atingir este objetivo?
Falta fazer o que fazem os países desenvolvidos, económica e socialmente, na União Europeia. Veja-se os casos dos países do norte da Europa (Finlândia, Suécia ou Noruega) onde as médias dos alunos que frequentam cursos profissionais rondam os 75%. Para se atingir esse objetivo em Portugal é preciso haver vontade política. Há três anos o atual ministro da Educação veio dizer que nesse ano se iria atingir a meta dos 50%. As estatísticas oficiais dizem que estamos ainda no patamar dos 40%.
Concretamente, o que está a falhar?
Faltam de orientações claras sobre os objetivos a atingir e vontade política para inverter esta tendência. As mudanças que tem que ser feitas para colocar mais alunos em percursos qualificantes contendem com interesses corporativos. Os alunos são, muitas vezes empurrados para cursos científico-humanísticos quando deveriam ir para cursos profissionais. Aos centros de interesse dos alunos, sobrepõem-se os interesses dos professores que trabalham nessas escolas que, legitimamente, pretendem assegurar o seu posto de trabalho. Constata-se que a atual equipa do MEC se revelou incapaz de potenciar e reorganizar as ofertas existentes e em vez de tirar partido das suas virtualidades e da experiência de quase três décadas, lançou a confusão no sector e não conseguiu fazer as mudanças indispensáveis. Foram quatro anos perdidos. Fica tudo por fazer.
Quais são os cursos que têm registado maior procura por parte dos alunos nos últimos anos?
?Os cursos mais procurados estão relacionados com os sectores de atividade mais importantes e dinâmicos da nossa sociedade. podemos falar da hotelaria e turismo, das áreas mais tecnológicas como a eletrónica, a mecânica, a mecatrónica, química e de uma multiplicidade de cursos assentes nas potencialidades das tecnologias da informação. Falar de dois ou três sectores de atividade é muito redutor, porque há muitas dezenas de cursos igualmente com muita procura. Por outro lado, a oferta é na medida do possível territorializada, ou seja, ajustada às necessidades do tecido económico e social das regiões onde se insere.
Quantos alunos frequentam as escolas profissionais?
Segundo os dados do MEC, há cerca de 36 mil alunos nos cursos profissionais nas 200 escolas profissionais dispersas por todo o país, incluindo as regiões autónomas.?
Esta procura é adequada ao nível de empregabilidade que os cursos oferecem?
Sobre a empregabilidade dos cursos profissionais não pode haver qualquer dúvida. Os dados das escolas profissionais apontam para níveis de empregabilidade de cerca de 70%, um ano após o termo da formação, e grande parte dos formandos ficam a trabalhar nas empresas onde realizam os estágios.
Mas há cursos com melhores taxas de empregabilidade...
Os cursos que registam melhores taxas de empregabilidade são os que estão ligados aos sectores de atividade que empregam mais gente. O sector da hotelaria, tal como o comércio, emprega muita gente, logo, quem tiver uma qualificação nas múltiplas saídas profissionais destes sectores têm emprego garantido. Depois é preciso cuidar dos subsectores que empregam menos gente mas que são, igualmente, muito necessários e aqui volto a frisar, a título de exemplo, as áreas tecnológicas. Em função do contexto regional, o mesmo curso pode ter níveis de empregabilidade diferentes, dependendo do dinamismo da economia envolvente.
E quais os que registam menores índices de empregabilidade?
A não ser num ou noutro sector muito específico, esse problema não se coloca com acuidade aos alunos que concluem cursos profissionais. Poderíamos tender a dizer que o sector das obras novas na construção civil conheceu uma significativa redução da atividade nos últimos anos. Mas, na realidade, neste caso, o problema é que já eram muito poucos os alunos frequentavam cursos relacionados com este sector e até corremos o risco de, no futuro, não termos mão-de-obra qualificada para fazer a manutenção dos edifícios.
Qual é, na sua opinião, o principal problema na batalha pela empregabilidade?
O problema do desemprego afeta particularmente os jovens sem qualificação ou que concluem o secundário pela via científico-humanística e depois não prosseguem estudos. Estes jovens saem da escola, com 18 anos, ou mais, sem saber fazer nada e, depois, aceder a um emprego é muito difícil. Nesta altura há cerca de 30% dos alunos do ensino secundário que estão nesta situação, ou seja: nem obtiveram uma qualificação profissional, porque não frequentaram qualquer curso profissional, nem acederam à frequência de cursos superiores.
E quanto tempo em média demora um aluno profissional a entrar no mercado de trabalho?
Segundo os dados de que dispomos cerca de 70% encontram emprego ao fim de um ano após a conclusão da formação e os que não estão empregados é porque fizeram outras opções, ou não estão disponíveis para procurar emprego fora da área de residência. Uma percentagem inferior a 15% dos alunos que concluem um curso profissional segue estudos superiores e, muitas vezes, fazem-no alguns anos depois de terem tido experiência profissional. Infelizmente, também a oferta de cursos superiores em regime pós-laboral é cada vez mais diminuta, reduzindo as oportunidades de quem quer continuar a trabalhar e a estudar.
Há algum curso com 100% de empregabilidade ou integração garantida, antes mesmo da conclusão da formação?
Há muitos cursos com garantias de empregabilidade a 100%. Efetivamente, o número de alunos que frequentam cursos profissionais face número de ativos empregados que, ano após ano, passam à situação de reforma ou aposentação permitem-nos dizer que temos ainda muito caminho a percorrer para satisfazer todas as necessidades de mão-de-obra qualificada. Todas as escolas associadas da ANESPO têm mecanismos de pilotagem da transição para o mercado de trabalho e servem muitas vezes de “agência para colocação” dos seus diplomados.
O estigma que durante muitos anos afastou os alunos do ensino profissional e os aproximou mais de formação superior, está ultrapassado?
O estigma tem vindo a ser esbatido progressivamente, mas ainda há tentativas de desvalorização do ensino profissional. As escolas profissionais preparam, prioritariamente, os alunos para entrar no mundo do trabalho como técnicos intermédios dotando as empresas de jovens qualificados de que estas precisam. Os alunos do ensino profissional que o pretendam podem prosseguir estudos no ensino superior. Têm possibilidade de o fazer, tal como os que frequentam os cursos gerais.
Um dos desafios apontados pela Comissão Europeia prende-se com a necessidade de desenvolvimento da formação dual. Como está Portugal nesta matéria?
Há mais de 25 anos que se faz formação dual em Portugal nas escolas profissionais com o maior sucesso, e há 30 anos nos Centros de Formação do IEFP. Há cerca de três décadas que as cargas horárias previstas nos planos curriculares dos cursos com certificação escolar e profissional, de nível secundário, são distribuídas entre escolas e empresas.
Mas nos últimos anos o MEC tem hasteado a bandeira da promoção do ensino dual com mais vigor...
Sim, nos últimos anos assistimos a uma preocupação do MEC em replicar a experiência alemã em Portugal quando a nossa realidade nada tem a ver com a da Alemanha. O modelo curricular desenvolvido nas escolas profissionais suportou-se nas experiências dos países mais desenvolvidos da OCDE e, por isso, podemos dizer que, embora tenhamos que estar atentos às mais recentes evoluções, como estamos, temos um bom desenho curricular e podemos evidenciar as virtudes do nosso modelo, que são muitas. Sendo assim, o que se tem que perguntar é onde está a novidade da formação dual? Não estará alguém a vender “gato, por lebre”?
Outra das prioridades europeias é o combate ao abandono e insucesso escolar. Que contributo podem dar as escolas profissionais nesta matéria?
Efetivamente, embora se tenham feito alguns progressos nos últimos anos, Portugal aparece muito mal colocado nesta matéria. O problema do abandono e insucesso escolar deve-se ao facto de muitas escolas não responderem, como deveriam, aos interesses vocacionais dos alunos. As escolas profissionais apresentam um leque extremamente diversificado de cursos e temos muitos exemplos de sucesso. A nossa experiência diz-nos que os alunos que frequentam um curso que corresponda à sua vocação, não faltam às aulas e não desistem. Se deixarem os técnicos de orientação vocacional fazer o seu trabalho, orientando os alunos para os cursos profissionais ou outros mais adequados aos seus centros de interesse, o panorama altera-se radicalmente.
O que é prioritário para desenvolver verdadeiramente o ensino profissional nacional?
A prioridade terá de ir sempre para a elaboração de um bom diagnóstico de necessidades de formação que responda às necessidades do tecido económico e social. Depois, desenhar ou atualizar os perfis profissionais para que haja uma boa adequação. Uma vez conhecidas as necessidades importa mobilizar os recursos para responder às necessidades o que significa termos políticas de educação e formação coerentes com este quadro. Atendendo à falta de formação inicial, importa que não se esqueça a formação de adultos, pois há muitos milhares de ativos que não tiveram qualquer formação. Importa também que se ponham os fundos da UE ao serviço da qualificação dos portugueses. Sendo o combate ao abandono e insucesso escolar uma prioridade importa que, de uma vez por todas, os Centros para a Qualificação e Ensino Profissional cuidem da orientação vocacional dos jovens e da certificação das competências dos adultos. Estou certo de que, se proporcionarmos, a todos, jovens e adultos, percursos de educação e formação adequados teremos certamente um país mais desenvolvido.
Acredita que é possível materializar isso em tempo útil?
Temos que ser mais exigentes relativamente à definição das políticas. De resto temos todas as condições para termos sucesso. Já fizemos muito caminho em condições muito difíceis. Os atores que estão no terreno o que esperam é que lhes sejam dadas condições para melhorar o ensino profissional dos jovens preparando-os para a vida ativa e lhes concedam os meios para apoiar os adultos nas tarefas da melhoria das suas qualificações.