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Empreendedorismo de subsistência

A conjuntura desfavorável que atinge Portugal está a dar ao país a oportunidade de brilhar na Europa no que toca ao empreendedorismo. Os dados do último Global Entrepreneurship Monitor (GEM) revelam que, em 2007, a proporção de criação de empresas superou a média europeia, cifrada em 5,4%
08.08.2008


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Cátia Mateus
Diz a sabedoria popular que a necessidade é amiga da oportunidade e Portugal parece estar a transformar a teoria em prática. De acordo com o último Global Entrepreneurship Monitor (GEM) - que avalia a taxa empreendedora "early stage", ou seja, a percentagem de indivíduos que criaram um negócio ou se envolveram num projecto na sua fase de arranque - nove em cada 100 portugueses iniciaram, em 2007, um negócio próprio. Uma percentagem que excede a média da União Europeia e que duplicou desde há quatro anos. A curiosidade é que cerca de um quarto dos empreendedores que criaram novos negócios assume tê-lo feito com a expectativa de manter ou elevar o seu rendimento.

Se para alguns o motivo da subida repentina desta iniciativa empresarial causa preocupação, para outros é motivo de orgulho. Armindo Monteiro, presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE), acredita que "o aumento da actividade empreendedora é sempre de enaltecer, mesmo que seja motivado por razões de subsistência. Significa que os portugueses não se resignaram e, perante a retracção económica e as dificuldades de entrada no mercado de trabalho, reagiram criando os seus próprios negócios".

De facto, à luz do estudo, um terço da actividade empreendedora gerada recentemente em Portugal é realizada em regime de "part-time", como forma de complementar a principal fonte de rendimento dos empreendedores, sem descurar a actividade principal que é normalmente a fonte de rendimento mais estável". Uma conjuntura que deixa preocupado Francisco Banha, presidente da Gesventure e da Federação Nacional das Associações de Business Angels, para quem "ser empreendedor nas horas vagas raramente funciona de forma sustentada. Pode até ter-se um produto/serviço, vendas e lucros, mas se o empreendedor não tiver uma correcta gestão e um posicionamento estratégico que lhe permita saber para onde caminha, dificilmente a actividade empreendedora pode sobreviver".

Ainda assim, ambos reconhecem que o chamado empreendedorismo de subsistência é louvável - e, mesmo estando longe de contribuir decisivamente para a competitividade da economia, "tem uma função social que deveria até ser mais valorizada pelos decisores políticos", como refere o presidente da ANJE, acrescentando que "os pequenos negócios de hoje podem ser as grandes empresas de amanhã".

Micronegócios (em particular os que têm uma natureza eminentemente utilitária e intimamente ligados às competências próprias do empreendedor) como, por exemplo, serviços de proximidade no campo, gestão de condomínios, assessoria fiscal e contabilística, serviços de manutenção e limpeza, reparações e outros orientados para o consumidor (bares, restauração, alojamento, saúde, educação, lazer) são os negócios mais apetecíveis para quem lança um projecto empresarial em conjuntura adversa.
Ainda que Francisco Banha defenda que "o empreendedorismo e a inovação podem ser alcançados em qualquer negócio, desde que o empreendedor trabalhe de forma consciente para os alcançar".

Já para Armindo Monteiro, "importa sobretudo que os portugueses empreguem o seu potencial humano no que habitualmente se designa por empreendedorismo qualificado, ou seja, aquele que tem por base o conhecimento e que procura gerar valor acrescentado, designadamente a partir de uma forte aposta na inovação e internacionalização". O líder dos jovens empresários enfatiza a ideia de que "já existem hoje em Portugal muitos exemplos de empresas que seguiram a rota do conhecimento e se revelam competitivas no mercado global, muitas vezes em sectores que implicam grande investimento em investigação científica aplicada".

E, nesta matéria, Francisco Banha demonstra nova preocupação: "Numa primeira abordagem, encarei este estudo de forma muito optimista até me aperceber que, quando comparamos estes dados com o continente americano ou a Ásia e Médio-Oriente, percebemos que continuamos a ficar afastados dos "players" mundiais que estão a fazer a diferença, nomeadamente no empreendedorismo de base tecnológica, que, como sabemos, é o que permite criar as empresas no sector dos produtos e serviços transaccionáveis". Razão pela qual o empreendedor acredita que "mais do que ficarmos satisfeitos com os números, devemos urgentemente interiorizar que precisamos de uma sociedade empreendedora em que a inovação e o empreendedorismo sejam comuns, estáveis e contínuos".

E se é verdade que em 2007 a taxa de empreendedorismo nacional parece ter estado ao rubro, convém não esquecer que no ano anterior o país registou uma taxa de mortalidade de projectos empresariais na ordem dos 4%. Cerca de 41% dos empreendedores desistiram dos seus projectos ao constatarem que, por erros de cálculo, estes não eram afinal tão lucrativos. Armindo Monteiro enfatiza a ideia de que "em épocas de crise impõe-se uma redobrada atenção aos factores que condicionam a actividade empresarial". E acrescenta a convicção de que, "para se ser empresário, é necessário possuir uma boa dose de predisposição vocacional. Neste sentido, a diferença entre empresários temporários e efectivos repousa, precisamente, na questão da vocação empresarial. Quem for empresário apenas por necessidade e não por vocação, muito provavelmente será mal sucedido nos negócios e acabará por abandonar a actividade empresarial".

Uma ideia que Francisco Banha também corrobora, acrescentando contudo que os empreendedores devem ser rigorosos e criteriosos em todo o processo de criação da empresa, esteja ou não o país a viver momentos de crise. Ainda assim, reconhece - tal como Armindo Monteiro - que há algumas estratégias que podem ajudar a evitar dissabores de maior no mundo empresarial.

O GEM resulta de uma sondagem feita pela empresa de estudos de mercado GFK Metris a 2023 portugueses. O trabalho foi encomendado pela Sociedade Portuguesa de Inovação, IAPMEI, Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e BES. Entidades que se associaram recentemente ao GEM, já realizado em 42 países por iniciativa do Babson College e da London Business School.





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