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Empreendedores a toda prova

14.11.2003


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Cátia Mateus e Fernanda Pedro

Pessoas com deficiência apostam na criação do próprio negócio






Deficientes com emprego assegurado



CRIAR um negócio próprio é um desafio para qualquer pessoa. O medo de arriscar é por vezes o maior obstáculo ao empreendedorismo em Portugal e também não é excepção para aqueles que são portadores de deficiência. Talvez por isso não são muitos os que decidem seguir esse caminho.

Por falta de apoios e meios, ou mesmo por receio da discriminação a que ainda são sujeitos, o certo é que o espírito empreendedor por parte de pessoas portadoras de deficiência começa aos poucos a despontar em Portugal.

Ainda não existem dados oficiais quanto ao número de deficientes que abraçam uma carreira empresarial. Contudo, na Associação Portuguesa de Deficientes (APD), no ano de 2002, apenas 12 associados mostraram interesse em se estabelecer por conta própria.

A ausência de um levantamento estatístico nesta área é uma das lacunas apontadas por Humberto Santos, presidente da APD, que alerta ainda para a necessidade de se alterar a mentalidade vigente e de se apostar numa nova cultura de cidadania, sensibilizando para uma "real igualdade de oportunidades".

Conscientes deste panorama, várias instituições travam uma batalha contra a discriminação dos portadores de deficiência no mundo empresarial. Anualmente o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) atribuiu o Prémio de Mérito.

O objectivo desta iniciativa é distinguir as empresa que acolhem cidadãos nestas condições e também portadores de deficiência com projectos empresariais de sucesso.

É o exemplo de Nuno Caria. Aos 30 anos de idade este empreendedor arrecadou o primeiro lugar do Prémio de Mérito 2003. O facto de sofrer de paralisia cerebral não o impediu de criar a Consagrus, uma empresa de consultoria na área da agricultura (por exemplo, elabora estudos de viabilidade para a implementação de projectos no sector).

O seu exemplo é de sucesso, mas o percurso que escolheu não foi feito sem dificuldades. Para Nuno Caria, "é mais difícil gerir o dia-a-dia do negócio do que conseguir os apoios necessários para implementá-lo", explica.

Uma desconfiança latente

O jovem empresário confessa que já viu clientes rejeitarem os seus serviços devido à sua deficiência e refere que "há clientes que não confiam; e quando se trata de gerir o dinheiro dos outros é necessário confiança".

Ainda assim, Nuno Caria sente-se realizado profissionalmente. Com um ano e meio de vida, a Consagrus tem já uma carteira de 30 clientes e para o empreendedor "o futuro será encarado com dinamismo e muita vontade de vencer".

Empreendedores portadores de deficiência

Uma força de vontade que também caracteriza a postura de Renato Duarte, vencedor do segundo lugar do mesmo prémio. Aos 28 anos, este empreendedor desloca-se numa cadeira de rodas e tem muitas dificuldades em falar e escrever sozinho.

Sofre de deficiência motora e paralisia cerebral, mas isso não o impediu de criar a Estudamédia, uma empresa de multimédia vocacionada para o desenvolvimento de projectos educativos para crianças.

Neste projecto, Renato Duarte tem dois sócios. A vontade de triunfar num mercado extremamente competitivo é muita e o empresário sabe que o percurso não se fará sem dificuldades. Ainda assim confessa-se pronto para ultrapassar cada barreira e mostrar que o seu projecto tem valor.

O caso de Renato Duarte prova que as novas tecnologias foram decisivas para impulsionar a criação de novas empresas nestas áreas. Na opinião de Humberto Santos, elas foram a grande plataforma para a mudança da empregabilidade das pessoas portadoras de deficiência.

"Estas tecnologias vieram contribuir para que muitos deles pudessem ter as mesmas oportunidades. O que realmente condiciona a concretização do sonho de um negócio próprio são os meios e os apoios que se revelam ainda insuficientes", explica.

Na realidade, para Humberto Santos, a criação de uma empresa é ainda um dos canais para a entrada no mercado de trabalho destes cidadãos, "porque por conta de outrem é ainda muito difícil, já que a maioria dos empregadores ainda não se mostram sensíveis à empregabilidade de portadores de deficiência".

O estrangulamento da burocracia

Uma situação que felizmente nunca afectou José de Almeida. Aos 57 anos de idade e com uma deficiência motora desde os 29 devido a um acidente de viação, nunca teve problemas em arranjar trabalho. "Barman" de profissão, conseguiu sempre exercer a sua actividade em vários hotéis da cidade de Lisboa.

"Chegava a passar 16 horas a trabalhar e ao outro dia ressentia-me fisicamente e foi por isso que em 1991 pensei em trabalhar por conta própria na área da restauração", recorda.

Inscreveu-se na Câmara Municipal de Lisboa para ocupar um espaço e foi ao centro de emprego para conseguir um apoio financeiro. Mas só 10 anos depois lhe foi atribuído um quiosque perto do palácio da Justiça. Para seu descontentamento, "um local onde ninguém passa e voltado para os taipais do estaleiro das obras do metro".

O sonho acalentado durante tanto tempo está em risco de se desmoronar porque nestas condições José de Almeida encontra-se prestes a fechar as portas do seu negócio.

Discriminação fiscal

O empreendedor reconhece que teve todo o apoio económico e pedagógico por parte do centro de emprego, mas sente que em todo o processo sentiu por vezes na pele a prepotência por parte de algumas pessoas.

"Nunca usufrui até agora das regalias fiscais para pessoas portadoras de deficiência, sempre cumpri com todas as minhas obrigações sociais e fiscais enquanto cidadão e é muito triste quando sentimos o peso da discriminação", revela.

Também António Lopes, de 42 anos de idade e deficiente motor desde os 32 devido a um acidente de viação, teve de ultrapassar em algumas ocasiões o tratamento discriminatório a que esteve sujeito quando iniciou o seu processo de retorno à vida profissional
.
De taxista passou a sapateiro e agora gosta do que faz. Foi no Centro de Recuperação de Alcoitão que tirou o curso de reparador de calçado "para poder seguir em frente com a vida. Precisava de voltar rapidamente para o mercado de trabalho, a família precisava de mim", relembra.

Quando pensou em estabelecer-se por conta própria, pediu um local na Câmara Municipal de Lisboa e um subsídio ao IEFP. Um ano depois conseguiu um lugar no Mercado Municipal da Picheleira. Já passaram quatro anos e o negócio tem vindo a crescer.

António Lopes salienta, no entanto, que os momentos mais difíceis foram os primeiros seis meses, mas a partir daí os clientes foram aumentando. "Tive a sorte de apostar numa área onde há falta de profissionais, só que foi necessário muita luta para ser aceite como empresário", explica.

Célia Fernandes, coordenadora da Operação para a Promoção de Emprego de Pessoas com Deficiência da Cidade de Lisboa (OED - uma instituição que resulta da parceria entre o IEFP, a Câmara Municipal de Lisboa e a Liga Portuguesa de Deficientes Motores Centro de Recursos Sociais), refere que a criação de um negócio próprio ainda não está nos horizontes da maioria daqueles que procuram a OED.

Com efeito, em 2001 existiram apenas quatro pedidos para trabalhar por conta própria e em 2002 ninguém tomou essa iniciativa. "A realidade é que o empreendedorismo neste segmento de cidadãos está aos poucos a desabrochar", remata Célia Fernandes.


Apoios e informação

APESAR das dificuldades no estabelecimento por conta própria por parte das pessoas deficientes, a lei já deu alguns passos de forma a garantir a igualdade de oportunidades.

Na verdade, a legislação portuguesa contempla no Decreto-lei nº 247/89 de 5 de Agosto, o regime de apoio técnico e financeiro a programas de reabilitação profissional das pessoas com deficiência. O despacho normativo nº99/90 de 6 de Setembro estabelece normas sobre a regulamentação da concessão de subsídios, para a instalação por conta própria e da atribuição de prémios de integração.

O Despacho nº 12008/99 (II Série) de 23 de Junho regula o prémio de mérito e é concebido apoio à pessoa com deficiência nas despesas de instalação numa actividade remuneradora economicamente viável.

Mas para uma melhor orientação na aventura do empreendedorismo aqui ficam alguns endereços "online" de instituições que podem ajudar nessa direcção:

- www.anje.pt - Associação Nacional de Jovens Empresários

- www.iodo.org/ - Projecto IODO - "Iguais Oportunidades Diferentes Opções"

- www.iefp.pt - Nas Perguntas Frequentes pode pesquisar sobre o programa de apoios





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