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Em luta contra a crise

27.02.2009


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Marisa Antunes
Janeiro trouxe a má-nova que por cada dia que passa cerca de 2300 portugueses ficam oficialmente desempregados. O mercado de trabalho temporário já se ressente destas novas enchentes e, por isso, urge criar soluções para minimizar o impacto de uma recessão que se espera negra. O ExpressoEmprego quis ouvir dois dos maiores especialistas deste sector: Marcelino Pena Costa, presidente da APESPE, e Vitalino Canas, Provedor do Trabalhador Temporário, nomeado pela APESPE.

Que impacto estão a sentir no sector do trabalho temporário com o agravar da crise?
Marcelino Pena Costa (MPC):Estamos a sentir uma grande pressão dos desempregados a recorrerem às nossas empresas… Infelizmente, não temos sido ouvidos na definição das políticas de emprego… No nosso entender, deveria haver uma maior colaboração entre o sector privado, que nós representamos, e o sector público de emprego, pois o esforço conjunto traria certamente melhores resultados para os trabalhadores no desemprego. Da nossa parte, em circular enviada aos nossos associados, e dada a maior afluência de candidatos, passamos a mensagem de que é preciso dar uma resposta mais rápida e melhor a todas as pessoas que se apresentam - e não só aquelas com mais facilidade de colocação - e que podem necessitar de um ou mais módulos de formação ou de serem encaminhados para cursos do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP).

Que medidas gostaria de ver contempladas nas políticas de emprego do Governo e até que ponto o Dr.Vitalino Canas, o provedor do Trabalhador Temporário, poderia interceder nessa questão?
MPC: Nós temos o nosso saber na colocação das pessoas no mercado de emprego - até porque os profissionais que trabalham connosco são licenciados nas áreas da psicologia e dos recursos humanos - e poderíamos estabelecer protocolos com o sector público de modo a que houvesse uma transferência de informação de candidatos. Existem desempregados que estão nos centros de emprego e que poderiam estar a ser colocados por nós. Estar de costas viradas não faz sentido, quando muitas vezes nós não respondemos a clientes nossos porque simplesmente não temos os profissionais que nos pedem. E com tantos desempregados que há por aí… Este seria o ponto principal. Além disso, quando se fala em situação grave de desemprego, as nossas empresas poderiam ser 'requisitadas', dentro da óptica da requisição civil, para de uma maneira técnica ajudar os desempregados na sua busca de emprego. Fazer outplacement é o nosso core business. Neste momento, algumas das nossas associadas já estão a proceder assim, por pressão dos desempregados.

O provedor pode fazer chegar estas sugestões ao Governo?
Vitalino Canas (VC):Não é função do provedor fazer recomendações ao Governo. Nós temos a incumbência de dirigir recomendações às empresas, ainda que não estejamos impossibilitados, caso se justifique, de dar sugestões a outras entidades, designadamente entidades públicas. Em relação à crise, constata-se que a primeira tentação das empresas quando têm de fazer alguma reestruturação interna é despedirem os trabalhadores temporários e aqueles que têm os vínculos mais frágeis. Recentemente, tomei a iniciativa de chamar a atenção, no site do provedor dos TT, para os cerca de 200 trabalhadores que estavam a ser dispensados da Autoeuropa. Pessoas com altíssima formação, nas quais existiu dispêndio de recursos públicos e da Autoeuropa. A solução para estas pessoas passa por mantê-las na órbita daquilo que faziam, para que, mais tarde, estejam ainda disponíveis. Não sei se a minha iniciativa teve alguma expressão ou não, mas tenho visto notícias de que estão a ser implementados programas de formação específicos para estas pessoas. Isto é o tipo de iniciativas que o provedor pode fazer.

Completou já um ano no exercício das suas funções como provedor do Trabalhador Temporário. Quantas queixas de trabalhadores já lhe chegaram e como tem sido a gestão dos conflitos junto das empresas?
VC:Estamos a acabar o relatório referente ao nosso primeiro ano de exercício e posso dizer-lhe que terminamos com 49 processos. Desde que o site entrou em funcionamento, em finais de Outubro de 2008, os casos aumentaram bastante e, só desde Janeiro deste ano, ou seja, em pouco mais de mês e meio, recebemos já cerca de 20 processos, o que significa quase 50% de todos os que entraram no ano passado. Os nossos processos dividem-se em duas categorias: há trabalhadores que nos pedem informações jurídico-laborais, e estas constituem a maior parte das queixas, e há as queixas formalizadas, em que os trabalhadores se identificam e referem qual é a sua empresa. Nós fazemos a mediação do conflito, ouvimos ambas as partes e propomos soluções, através de recomendações. Até ao momento, emitimos cinco ecomendações e todas elas, excepto uma, foram de uma forma ou de outra, espeitadas e cumpridas. Essas recomendações deverão aumentar e, no final de 2009, o número será certamente mais representativo.
Existe uma obrigação ética e moral por parte das empresas de acatarem as recomendações…

MPC: Existe, até porque as empresas associadas da APESPE fazem o contrato com o provedor e recebem depois um contrato de adesão onde se obrigam moralmente a respeitar as recomendações.

VC: Curiosamente, duas das recomendações foram para empresas não-associadas e elas cumpriram as recomendações. Quando estas são razoáveis, o normal é que as cumpram, mesmo não existindo uma obrigação moral para o fazer.

Numa entrevista anterior, o provedor referiu ao ExpressoEmprego que tinha endereçado à Assembleia um pedido de alteração à lei de licenciamento das empresas de trabalho temporário. Existe algum "feed-back" para esta questão?
Isso terá ainda de ser discutido, tal como existem outras questões onde até nem há pleno acordo entre o provedor do TT e a própria APESPE, que é saber como se deve fazer a fiscalização. Mas agora que o Código de Trabalho entrou em vigor, incorporando tudo o que diz respeito ao trabalho temporário, na perspectiva do vínculo laboral, mais tarde ou mais cedo, vai ter de ser feita uma reavaliação de tudo o que ficou fora do Código do Trabalho e que diz respeito ao licenciamento das empresas. O que estava na lei do trabalho temporário mantém-se em vigor, embora essa lei tenha sido cortada em muitas normas que deixaram de lá estar e passaram para o Código do Trabalho, vai ter de se fazer uma revisão do sistema de fiscalização e de licenciamento das empresas. Nessa altura, esse será um tema a debater. Há aqui um aproveitamento em certos sectores, em especial por parte de grandes empresas, de alguns aspectos de ausência de regulamentação para terem práticas que não se coadunam com a lei. Nessa altura, eu como provedor tenciono dar alguma contribuição para esta questão.

Referiu há pouco que o provedor e a APESPE discordam no que diz respeito à fiscalização. Porquê?
VC Eu tenho uma perspectiva mais aberta na possibilidade da ASAE ser responsável por essa fiscalização. No sector das empresas de trabalho temporário existem situações de ilegalidade que têm de ser perseguidas, e as estruturas que actualmente teriam competência para fazer essa fiscalização não têm vocação para isso - e, por isso, precisaríamos de uma solução mais musculada. Mas a ASAE não é uma entidade consensual, por isso nem toda a gente me acompanha nessa preferência. No entanto, é um debate que não está encerrado.

E qual a opinião da APESPE?
Na nossa perspectiva, a ASAE é uma entidade que tem mais a ver com o consumidor e, por isso, não vemos o enquadramento da ASAE em relação a isto. Daí a nossa discordância com o provedor. Quanto à questão do licenciamento, nós, desde 1989, ano a que remonta a primeira lei de trabalho temporário, nunca concordámos que o IEFP fosse a entidade licenciadora. Primeiro, porque o IEFP é o sector público e aqui já há uma tensão, pois achamos que uma entidade que exerce uma função semelhante deva também fiscalizar. O que pensamos, e é essa a proposta que temos neste momento, é que de uma maneira híbrida o IEFP criasse uma comissão que permitisse que, de cada vez que houvesse um licenciamento, consultasse a APESPE.

A situação de crise poderá fazer aumentar ainda mais o número de empresas ilegais, um problema que já existe no vosso sector.
MPC : Essa é a questão central da associação neste momento. No próximo mês irá realizar-se a nossa reunião anual e, como presidente da APESPE, vou fazer essa chamada de atenção. Numa época de crise violenta, as empresas que tiverem um comportamento digno, em termos de relações laborais, são aquelas que no futuro se manterão. As que entretanto resvalarem para o incumprimento e para a ilegalidade serão completamente cilindradas quando a crise acabar. As pessoas vão reconhecer, não só em relação às empresas de TT mas no geral, aquelas que em momento de crise e de dificuldade da população se sacrificaram e contribuíram na sua quota-parte para tentar estancar a hemorragia. Essas irão ser compensadas, pois exerceram a sua cidadania.

VC: sua pergunta é pertinente porque, em temos de crise, as pessoas ficam mais desesperadas e disponíveis para aceitar trabalhos que em situações normais não aceitariam. Seja para trabalhar em Portugal seja para trabalhar no estrangeiro, há agora mais oportunidades para os menos escrupulosos aproveitarem o sentimento de desespero que existe em alguns. É do interesse das empresas de TT estarem atentas. Eu também cumprirei no que me for possível o meu papel, mas sobretudo as instituições do Estado, quer a nível interno quer a nível da sua representação externa, têm de estar conscientes do recrudescimento deste fenómeno.
Tem de haver, portanto, mais fiscalização…

VC : Tem de haver mais vigilância da parte de todos. Não acho que é uma competência exclusiva do Estado. As empresas de TT têm de estar vigilantes, as instituições de fiscalização também e as próprias pessoas têm de resistir à tentação de correr riscos que possam deixá-las em situações difíceis.





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