Quando analisada a evolução dos principais indicadores do mercado laboral, a conclusão parece ser evidente: “Apesar das reformas postas em prática, quase todos os problemas se mantêm. É verdade que alguns indicadores mostram aproximação à média dos países da OCDE, mas, no geral, nada muda”, sumariza João Cerejeira, professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, olhando para o panorama do desemprego, assim como a incidência do desemprego de longa duração ou do trabalho a prazo em Portugal, nos últimos anos — indicadores que estão plasmados no estudo que a Organização Mundial para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) divulgou na quinta-feira e que foi uma encomenda do Governo de Passos Coelho. O relatório “Reformas no Mercado Laboral 2011-2015: Uma Avaliação Preliminar” dá conta dos resultados do vasto pacote de reformas que, durante o período da troika, foi aplicado em Portugal.
“As reformas do mercado laboral português foram um passo na direção certa. Desde que o crescimento voltou a ser positivo em 2013, Portugal conseguiu melhorias significativas nas taxas de emprego e desemprego, melhores do que o esperado, dado o ritmo da recuperação”, refere a OCDE. Todavia, muitos desafios permanecem, como o alto nível do desemprego e a segmentação do mercado laboral.
No geral, a OCDE avalia positivamente as políticas postas em marcha, mas quase sempre esbarra com o seu impacto limitado ou as evidências “não significativas”. “Nós até implementámos as reformas, mas os resultados não foram brilhantes. Fomos um aluno razoável”, avalia Cerejeira. O especialista em questões de trabalho explica que o impacto pouco visível destas medidas não tem tanto que ver com a sua pertinência, mas com o facto de, por si só, não resolverem problemas estruturais, como o fraco crescimento da economia portuguesa. Por isso, diz, este pacote de medidas não foi capaz, por exemplo, de mitigar a dualidade do mercado laboral português, já que a percentagem de trabalhadores com contratos temporários se manteve perto dos 22,5%, muito acima da média dos 35 países da OCDE (nos 12%).
Francisco Madelino, professor do ISCTE e ex-presidente do Instituto do Emprego e Formação Profissional é mais crítico do relatório elaborado pela OCDE. “O estudo é muito ortodoxo, muito na linha do memorando de entendimento. Tenta encontrar na realidade e nas estatísticas as alegadas virtuosidades do memorando no mercado de trabalho”, frisa, dizendo que o relatório “acaba por tentar validar o que foi feito pela troika, segundo a ideia central de que Portugal tem um problema de competitividade que resulta, em primeiro lugar, da rigidez no mercado de trabalho”.
Para o especialista, é “inadmissível” que a análise da OCDE “não tenha sequer abordado a forma como a emigração entrou no ajustamento do mercado de trabalho”, aponta, sublinhando “não se pode analisar a evolução da taxa de desemprego nesses anos sem considerar a saída de centenas de milhares de pessoas de Portugal, em particular jovens, o que vai afetar a sustentabilidade futura do país”. A taxa de desemprego começou a descer em 2013 por passagem de trabalhadores desempregados para a inatividade ou para a emigração e não por criação de emprego, como está agora a acontecer, alerta.
Relatório “superficial”
Madelino aponta também para a “superficialidade” da avaliação às políticas ativas de emprego, lembrando que “chegaram a estar cerca de 160 mil pessoas em formação meramente ocupacional. Chamar a isso ativação é um eufemismo”, exclama. E coloca o dedo na ferida, dizendo que “essa formação nada fez pelas qualificações das pessoas e colocou o serviço público de emprego numa situação orçamental delicada”.
Afirma ainda que “não é feita uma verdadeira análise da competitividade, colocando no centro da questão as qualificações das pessoas”, destaca, pois a OCDE “considera que a segmentação no mercado de trabalho resulta de várias rigidezes, nomeadamente na contratação coletiva, e que tem como resultado grandes diferenças no rendimento dos trabalhadores”. Ora, para o professor, “a diferença de distribuição do capital humano, com muitos trabalhadores ainda com baixas qualificações, explica muito da diferença na distribuição de rendimentos e mesmo na segmentação do mercado de trabalho”.
Por fim, Francisco Madelino considera que a moderação salarial em Portugal durante os anos da troika não resulta das reformas adotadas — como considera a OCDE —, mas do elevado nível de desemprego durante a crise, que levou as pessoas a aceitar salários mais baixos para trabalharem. “A outra alternativa era emigrarem”, frisa. “Foi o impacto social do memorando que levou à moderação social e não as reformas”, remata.