Fernanda Pedro
Depois de dez anos como empregado bancário, Manuel
Martins virou as costas ao dinheiro e apostou na restauração
AO DESCER a rua do Alecrim em direcção ao Cais do Sodré,
em Lisboa, no número 47-A deparamo-nos com o restaurante "A
Charcutaria".
No interior, a cor amarela sobressai numa decoração cuidada
e de bom gosto. O ambiente é acolhedor e convida-nos a permanecer.
Pedida a ementa, verificamos que os pratos são exclusivamente
de cozinha portuguesa.
A refeição surpreende e o requinte da apresentação
não desilude. No final, há que felicitar o excelente cozinheiro
que proporciona um verdadeiro "manjar dos deuses".
Manuel Martins é o homem da cozinha e o proprietário do
restaurante. Até aqui, nada nos surpreende, até ao momento
em que tomamos conhecimento que Manuel Martins trocou uma profissão
de economista para se tornar cozinheiro.
Na verdade, depois de uma carreira de 10 anos na Caixa Geral de Depósitos
(CGD) decidiu a determinado momento mudar de profissão.
Num dia de Novembro de 1989, chegou ao emprego e disse aos colegas e
aos seus superiores: "A partir de amanhã já não
venho trabalhar aqui". E se alguém pensou que ele estivesse
a brincar, enganou-se.
Na realidade, Manuel Martins nunca mais voltou ao trabalho. A CGD instaurou-lhe
um processo por abandono do local de trabalho mas isso não o
demoveu. A sua vida tinha tomado outro rumo, pois resolvera pegar na
charcutaria do seu pai e tornar-se cozinheiro.
Não é todos os dias que encontramos pessoas que optam
por mudar o curso da sua carreira profissional tão abruptamente,
com a agravante de não se saber o que o futuro reserva, mas Manuel
Martins, de 56 anos, nunca se arrependeu, e só agora se sente
realizado em termos profissionais.
Alia a economia com a cozinha, "porque gerir um negócio
e ter sucesso requer conhecimentos de gestão. Até quando
estou a confeccionar um prato eu consigo logo quantificá-lo em
termos económicos, por isso, a economia está sempre presente
na minha profissão", explica.
E se hoje a profissão e o negócio estão de "vento
em popa" mesmo em tempo de crise, este economista cozinheiro
garante que já passou momentos muito difíceis em termos
financeiros.
Começou o negócio sem qualquer capital mas conseguiu dar
a volta e tornar o seu restaurante num sucesso. A chave para o segredo
está no gosto e na paixão pela gastronomia portuguesa.
"Só utilizo os melhores produtos, nem que para isso tenha
de percorrer quilómetros para os conseguir. Depois gosto de os
confeccionar e dar-lhe uma apresentação digna do seu estatuto",
revela.
O gosto pela gastronomia foi, na sua opinião, um legado familiar.
O pai era proprietário de uma mercearia em Campo de Ourique,
que mais tarde foi baptizada pela população local de "A
Charcutaria".
"Ali vendiam-se os melhores produtos regionais. Aprendi desde
pequeno a saborear o bom presunto, o queijo, o fiambre e mais tarde
até o vinho. O meu pai transmitiu-me esse gosto pela apreciação
da boa comida", lembra Manuel.
O pai morre em 1970 mas a charcutaria continua. Chegam, entretanto,
os anos 80 e a entrada em cena das grandes superfícies comerciais.
Os supermercados e os hipermercados arrasam as pequenas mercearias.
A charcutaria de Campo de Ourique não é excepção
e entra em declínio.
Manuel Martins encontra-se nessa altura perante um dilema: "Vender
a mercearia ou pegar nela. Era doloroso para mim pensar em desfazer-me
daquilo que o meu pai construíra. Um dia acordei e decidi: vou
ficar com o negócio".
Nem a licenciatura em Economia e o 4º ano de Sociologia tirados
na Universidade de Évora nem uma carreira na CGD o impediram
de seguir o que o seu coração mandava.
Pegou na loja e começou por ir escoando os produtos que tinha
até que se aventurou na confecção de pratos. Improvisou
umas mesas para servir refeições e em pouco tempo alcançou
aquilo que todos os restaurantes ambicionam, ter a casa sempre cheia.
"A gastronomia não tem segredos para mim e, como também
percebo de agricultura, sei distinguir os bons dos maus produtos e é
isso que faz a grande diferença na confecção dos
pratos", explica Manuel Martins.
Há quatro anos, e com sucesso garantido, abriu outro restaurante
na rua do Alecrim.
Para este cozinheiro, o facto de estar na cozinha dá-lhe um prazer
que nunca obteve ao exercer a sua profissão de economista. "Quando
estou a cozinhar encontro o meu lado bom e estou sempre a testar-me.
É uma maneira criativa de estar na vida", garante o
cozinheiro.
Considera este momento da sua vida como um dos mais gratificantes do
seu percurso profissional, "porque estou numa fase de estabilização
do meu negócio", mas pontos altos, Manuel Martins consegue-os
todos os dias quando "vejo os meus clientes elogiarem a minha
comida".
Quanto a períodos negativos, este cozinheiro não encontra
nenhuns, apenas momentos difíceis a nível financeiro,
"sou catedrático em letras para pagar, mas nunca fiquei
a dever nada a ninguém e tenho crédito em todo o lado".
Quanto ao panorama da profissão de cozinheiro, Manuel Martins
reconhece que é uma profissão, de uma maneira geral, muito
bem paga. Contudo, lamenta que nas escolas hoteleiras não se
ensine convenientemente a nossa cozinha.
"As escolas não conseguem formar bons profissionais,
há um grande desconhecimentos dos nossos produtos e são
pouco valorizados. Temos de formar bons cozinheiros porque a gastronomia
portuguesa vende", remata.