João Barreiros e Ruben Eiras
CONSIDERADO um dos mais eminentes neurocientistas da actualidade,
Fernando Lopes da Silva foi o escolhido pelo júri do Prémio
Universidade de Coimbra, que este ano cumpre a sua primeira edição.
Radicado há mais de quarenta anos na Holanda, este catedrático
da Universidade de Amsterdão nunca perdeu a ligação
a Portugal, exercendo funções docentes no Instituto Abel
Salazar da Universidade do Porto, na Faculdade de Medicina da Universidade
de Lisboa e no Instituto Superior Técnico, onde coordena a licenciatura
em engenharia biomédica.
O júri sublinha que o premiado tem tido uma carreira multifacetada,
"como cientista, professor, líder de vários serviços
de ensino e investigação e cidadão activo civicamente".
É, por exemplo, vice-presidente de uma organização
premiada em 1985 com o Nobel da Paz, a International Physicians for
the Prevention of Nuclear War, cujo principal objectivo é chamar
a atenção para os perigos de uma guerra nuclear.
Lopes da Silva disse ao EXPRESSO ter sido surpreendido com a distinção,
destacando a "honra de receber um prémio deste género,
sobretudo por ser o primeiro". Apesar de estar já aposentado,
este docente e investigador continua ligado a uma série de projectos,
nomeadamente à investigação da epilepsia.
"A investigação decorre em dois planos: por um
lado procuramos saber porque é que certos cérebros se
tornam epilépticos; e por outro estamos a tentar ver se encontramos
forma de antecipar os ataques epilépticos", explica.
Trata-se de uma matéria que irá explicar brevemente num
congresso internacional que decorrerá em Portugal.
Outra das investigações em que participa tem a ver com
o relacionamento entre as funções cerebrais e as funções
cognitivas. Neste caso, "pretende-se estudar os mecanismos do
cérebro que respondem às funções cognitivas,
sobretudo às funções relacionadas com a memória".
Na Holanda, além do seu trabalho como docente, foi director do
Instituto de Neurobiologia da Universidade de Amsterdão e presidente
do Conselho Científico do Center for Neurogenomics and Cognitive
Research, possuindo um elevado número de trabalhos científicos
publicados.
PORTUGAL ainda continua na cauda da Europa no que toca ao emprego de
valor acrescentado. De acordo com um estudo do Eurostat, em 2002, somente
15% da população activa trabalhava na área científica
e tecnológica, enquanto que a média europeia se situa
perto dos 30%.
Além disso, apenas 11% da força de trabalho doutorada
laborava numa profissão relacionada no sector da ciência
e tecnologia e em 2001 somente 7,1% dos jovens portugueses optaram por
cursos relacionados com a ciência - física, química
ou biologia, por exemplo. Todavia, há sinais de mudança
- existem cerca de 3,4 doutorados por cada 1000 habitantes da faixa
etária dos 25 aos 29 anos.
Um valor que está acima da percentagem média europeia,
que é de 2,9. Ou seja, existe um núcleo significativo
de "cérebros" dentro da nova geração
- uma boa herança do consulado de Mariano Gago. No entanto, apesar
deste crescimento, segundo Lopes da Silva, Portugal ainda não
possui as condições para rentabilizar o potencial de inovação
desta nova safra de doutorados. Este é o próximo desafio.
A nova geração
Questionado sobre o estado da investigação em Portugal,
o premiado responde que ela é limitada em termos de pessoas e
de dinheiro mas tem, em certos casos, qualidade internacional, e acha
que há agora muito mais condições do que há
quinze anos: "Há possibilidades muito limitadas mas muito
superiores às que existiam. Houve um salto qualitativo de grande
importância sobretudo desde o tempo de José Mariano Gago".
Ideal mesmo seria "dar condições para que mais
investigadores pudessem vir do estrangeiro, mas isso não tem
sido feito", refere Lopes da Silva.
Quanto ao sistema de ensino universitário português, o
catedrático da Universidade de Amsterdão qualifica-o como
frágil, destacando boas iniciativas, mas pontuais. Membro da
Comissão de Avaliação das Faculdades de Medicina,
Lopes da Silva julga que "a nova Faculdade de Medicina de Braga,
por exemplo, é um projecto bastante interessante".
O prémio Universidade de Coimbra foi instituído em Dezembro
através de um protocolo entre a instituição e o
grupo bancário Totta e tem um valor de 25 mil euros, pretendendo
distinguir uma personalidade portuguesa que tenha desenvolvido um trabalho
relevante nas áreas da cultura ou da ciência. O galardão
será entregue a Fernando Lopes da Silva no próximo dia
1 de Março, altura em que a Universidade cumpre os seus 714 anos
de vida.