Marisa Antunes
Os candidatos a padres que entraram em Teologia na Universidade Católica de Lisboa, este ano e ao contrário do que é habitual, surpreenderam ao aumentarem em 100% o número de inscrições, que passaram da média há muito estabilizada de 25 para 56 novos alunos. Uma injecção de sangue novo que faz muita falta à Igreja portuguesa que anualmente perde, por falecimento, uma média de 76 padres, quando as novas ordenações se ficam por metade desse número.
Este súbito despertar de vocações não tem explicações directas mas o padre Stilwell, director da Faculdade de Teologia (FT) da Universidade Católica de Lisboa, lembra que pode ser o resultado de vários factores: «A instabilidade que se sente actualmente no mundo ocidental, onde o futuro já não é o emprego garantido e permanente, leva muitos jovens a viverem alguma angústia e a encontrar na experiência religiosa e na instituição uma certa segurança. Além disso, o fenómeno religioso passou a ser algo com que as pessoas se debatem, não só pela questão do Islão, mas também dos novos movimentos religiosos».
Capelão na Universidade Católica há dois anos, Hugo Santos faz parte de uma nova geração de padres, bem preparados, com formação superior em Teologia, alguns até com licenciaturas em outras áreas, agora meras etapas de uma outra vida, antes de assumirem o seu compromisso com o sacerdócio. Hugo terminou a sua licenciatura em Teologia na Católica com média final de 18. Para trás ficou o curso de Medicina, interrompido no final do terceiro ano, quando começou a questionar o papel de Deus na sua existência.
Assumir a sua vocação não foi fácil, admite. «Para a maior parte de nós existe uma luta contra: é o abdicar de um projecto já desenhado — o curso de medicina sempre foi o meu sonho — , abdicar dos amigos, abdicar de certezas para assumir um outro projecto que, este sim, acreditamos ser o que nos vai tornar felizes».
Os pais não apoiaram de imediato a sua decisão. «As famílias sonham connosco. E também nós temos o desejo natural de nos continuarmos, de constituirmos família. O não ter filhos por amor a Deus não é uma vocação natural, mas sim, sobrenatural. Mas depois, a quem chama, Deus fortalece», acentua Hugo dos Santos. Hoje, aos 30 anos e há dois como capelão da Católica tem a certeza absoluta da sua opção.
A sua idade e jovialidade permitem-lhe uma grande proximidade junto dos estudantes, o que aliás, salta à vista, observando-se o à-vontade com que os jovens se lhe dirigem, em tom coloquial. Mas são os alunos de Economia, Gestão e Direito que o procuram e não os de Teologia, «que esses têm a vida encaminhada».
Duarte Pinto não sabe se tem a «vida encaminhada», mas foi numa caminhada a Fátima que esclareceu as suas dúvidas existenciais. Pouco depois, há seis anos, tinha então 27, abraçava o sacerdócio. Até esse momento, esteve «muito afastado da Igreja», confessa. Terminou o curso de Economia na Universidade Lusíada, iniciou a sua actividade profissional e durante quatro anos trabalhou em corretoras e bancos de investimento. «Mas estava inquieto, sentia um vazio», recorda.
É então que decide fazer uma peregrinação a Fátima, durante cinco dias, com tempo para reflectir e ponderar na sua existência. «Quando comecei não tinha motivações religiosas fortes e até era um bocado céptico em relação à experiência, mas acabaram por ser momentos fortes de fé. Senti que aquilo que andava à procura estava ali», conclui.
Após um ano de «discernimento» resolve entrar no seminário dos Olivais, primeira etapa para quem segue depois Teologia na Católica de Lisboa. Carlos Silva, finalista de Teologia, conhece bem a sensação de inquietude. «Tirei o curso de Química Aplicada, dei aulas em escolas secundárias durante quatro anos e até gostei muito de ensinar, mas sentia que ser padre seria um caminho de maior felicidade para mim», revela.
Mas nem só os candidatos a padres seguem esta formação. Cerca de 20% dos alunos são leigos, homens e mulheres. Para Daniela Rodrigues, 25 anos, a Teologia foi sempre um «curso de primeira opção». «Estava ainda no 11º ano quando resolvi escolher esta licenciatura. Além de abranger novas áreas do saber, tem um teor humanístico e humanizante muito forte. E a Igreja precisa muito de leigos empenhados», acentua a professora de Religião e Moral.
Apesar da componente religiosa, Peter Stilwell faz questão de sublinhar que o curso permite uma «fácil integração em várias profissões, pois abrange uma ampla cultura». «Temos antigos alunos no jornalismo, nas autarquias, um treinador de futebol e até na direcção da CGTP», revela o director da faculdade.
Deolinda Machado é a antiga aluna que pertence à comissão executiva da Intersindical. Licenciada em Ciências Religiosas na Faculdade de Teologia da Católica, do núcleo de Braga, a sindicalista esteve desde cedo ligada à Igreja através do grupo coral e dos convívios de jovens. «Os meus pais foram dirigentes da acção católica durante vinte anos. Além disso, temos 13 padres na família tanto do lado da minha mãe como do meu pai», conta.
A entrada na Intersindical surge através da sua militância na Liga Operária Católica, onde ainda desempenha funções como dirigente nacional. «Não há choque de ideologias entre os meus colegas da CGTP. Há respeito pela diferença, eu não abdico de pensar pela minha cabeça e sempre apresentarei projectos e darei pareceres sobre as matérias que tenho em cima da mesa segundo os critérios evangélicos, com os quais me identifico», aponta. «Acima de tudo, o objectivo de luta é o mesmo: transformar o mundo num local mais justo e solidário», sublinha Deolinda Machado.
Emprego garantido no fim do curso
A Faculdade de Teologia (FT) da Universidade Católica funciona em Lisboa e nos núcleos do Porto e Braga. A leccionar duas licenciaturas — Ciências Religiosas e Teologia —, a FT tem um total de 420 alunos.
A Católica coordena ou tem parcerias com vários institutos superiores de teologia do país, entre os quais, o de Coimbra, Guarda, Lamego, Viseu e Setúbal, de forma a que os estudantes finalizem a sua formação num dos pólos da FT.
Terminada a licenciatura, os candidatos a padres passam ainda por um Ano Pastoral, uma espécie de estágio a cargo do seminário onde residem, sendo-lhes depois atribuída uma ou mais paróquias para que comecem a exercer, em pleno, o sacerdócio.
Alguns dos benefícios mais materiais desta opção de vida incluem o direito a casa paroquial e um ordenado que pode variar, consoante as dioceses, mas que em Lisboa ronda os 750 euros.