A compressão salarial entre os salários mais baixos e os rendimentos médio e mediano dos trabalhadores está a acentuar- se em Portugal, ancorada sobretudo na valorização do Salário Mínimo Nacional (SMN) ao longo dos últimos anos. Em 2002, o salário mínimo representava 59% do ganho mediano dos trabalhadores em Portugal. Em 2020 esse valor aumentou para 69%, destaca um estudo do CoLABOR — Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Proteção Social, dedicado à evolução dos salários em Portugal. O Governo apostou todos os trunfos para corrigir esta compressão e fechou, em sede de concertação social, com patrões e a UGT um acordo de rendimentos que fixa como meta valorizar em 20% o salário médio, até ao final da legislatura. Mas a subida da inflação e a incerteza económica vieram baralhar as contas e, segundo os investigadores do CoLABOR, não só o acordo não conseguirá corrigir a perda de rendimentos gerada pela subida acentuada dos preços em 2022, como dificilmente se traduzirá numa valorização real dos salários nos próximos dois anos. O valor real do salário médio em Portugal aumentou 8%, no período compreendido entre 2017 e 2021, enquanto o rendimento mediano cresceu 12%. O recente crescimento do valor real dos salários nacionais, iniciado em 2018, surge num contexto de recuperação económica, após a crise financeira de 2010. Mas, segundo os investigadores, os ganhos salariais reais verificados nos últimos quatro anos “foram já seriamente comprometidos pelo aumento da inflação”.
Maiores aumentos para quem ganha pior
O relatório do CoLABOR sinaliza que o aumento dos salários verificado nos últimos anos ocorreu sobretudo nos sectores onde as remunerações são mais baixas, como as atividades administrativas, serviços de apoio, alojamento, restauração e similares ou agricultura, o que traduz o impacto da atualização do SMN. Entre 2017 e 2021, o valor nominal do salário mínimo cresceu 19,4%, correspondendo a uma valorização real de 16,9%. Os sectores que terão alavancado a subida real dos salários a nível nacional continuam, realçam os investigadores, a ser aqueles onde os trabalhadores ganham pior. Mas a desigualdade salarial entre eles e os que auferem os rendimentos mais elevados tem diminuído na última década. Isto acontece porque a atualização de salários nos níveis remuneratórios mais elevados tem sido mais modesta do que a verificada nos escalões da base. “A metade inferior da distribuição dos salários está cada vez mais comprimida”, vinca o estudo, realçando que “entre 2015 e 2020, o ganho nominal médio dos trabalhadores dos dois primeiros decis aumentou 26% e 24%, valores que se ficaram pelos 11% e 7% no 9º e 10º decis, respetivamente” (ver infografia). O crescimento do valor real dos salários que se verifica desde 2018 ocorre após a um longo período da degradação da posição do trabalho na repartição funcional do rendimento. “O peso dos salários no PIB caiu ininterruptamente entre 2009 e 2016, ano em que atingiu o mínimo histórico de 43,5%”, aponta o estudo. Desde 2017 que a tendência se inverteu e em 2020, apesar dos efeitos da pandemia, o valor deste indicador em Portugal estava alinhado com o conjunto de países da União Europeia: 48,4%.
A pedra na engrenagem
Contudo, este cenário não deverá manter-se. Após anos de estabilidade, o valor do Índice de Preços no Consumidor (IPC) começou a crescer em 2021, sofrendo uma forte aceleração em 2022, com impactos visíveis na degradação dos salários reais. A taxa homóloga de crescimento do valor real das remunerações brutas mensais está em queda acentuada desde julho de 2021. “O valor real da remuneração bruta mensal em julho de 2022, representava -5,3% face à de julho de 2021; em setembro de 2022 (data dos últimos dados disponíveis) -4,9%, em relação à de setembro de 2021”, destaca o CoLABOR. Isto significa que “o surto inflacionário sentido desde meados de 2021 está rapidamente a erodir grande parte dos ganhos registados em Portugal, desde 2028, ao nível do salário real”. Reconhecendo que o acordo de rendimentos assinado entre o Governo e parte dos parceiros sociais “será um elemento de relevo na evolução desta tendência”, os investigadores do CoLABOR admitem que os impactos da sua eficácia não serão visíveis nos tempos próximos. “O acordo prevê que o ritmo de crescimento do SMN se mantenha superior à inflação, o que será um fator impulsionador do valor real dos salários – sobretudo nos setores que praticam salários mais baixos”, sinalizam acrescentando, porém, que “a valorização nominal média prevista só será superior à inflação expectável a partir de 2024”. Até lá, e se a evolução da economia confirmar as previsões inscritas no acordo, “assistir-se-á não só à ausência de valorização real dos salários reais em 2023, como à impossibilidade de recuperação da forte perda sofrida em 2022”. Acresce que, destaca o estudo, ao contrário do SMN, “a valorização média não depende de determinação legal por parte do Governo, mas, entre outros fatores, da dinâmica da contratação coletiva ou das decisões patronais unilaterais”. O que, na opinião dos investigadores, mesmo descontando que a incerteza relativamente a indicadores macroeconómicos que se agrava, “a valorização real prevista a partir de 2024 teria de ser obtida em contraciclo, ou seja, no contexto de um forte abrandamento do crescimento do PIB”. Um cenário que, vincam, “face à debilidade da contratação coletiva em Portugal, subsistem dúvidas sobre se tal valorização vira efetivamente a ocorrer”.