Vítor Matos
PARA combater um dos índices
mais terceiro-mundistas do país, Luís Valadares Tavares,
um dos coordenadores do livro "Reformar Portugal", recentemente
editado, defende a criação de um Fundo de Solidariedade
para indemnizar as famílias das vítimas dos acidentes
fatais na construção civil.
Em caso de morte de um trabalhador, o professor universitário
- docente no departamento de Engenharia Civil do Instituto Superior Técnico
- propõe o pagamento automático de uma verba na ordem "dos
50 a 100 mil euros" a favor desse fundo, antes mesmo de serem apuradas
as eventuais responsabilidades da empresa no sinistro.
Um grupo de trabalho que está a estudar as alterações
ao antigo Regulamento de Segurança na Construção
já analisou esta proposta e "manifestou-se a favor do princípio,
mas contra a maneira como estava formulado", revela José
Manuel Santos, subinspector-geral do Trabalho e membro dessa comissão.
Mesmo num ano em que o número de mortes nas obras caiu mais de
um terço - de 156 em 2001, para e 97 em 2002 - Valadares Tavares
sublinha ao EXPRESSO que "o país não pode resignar-se
dizendo que tem vindo a melhorar. Deve fixar metas e apurar por que se
dão tantos acidentes", afirma. E dá o exemplo do
Reino Unido, um país muito maior, e onde o ano passado se verificaram,
em termos absolutos, menos mortes do que em Portugal. Apesar de registar
"apenas" 79 acidentes fatais, o Governo britânico "possui
um programa para reduzir esta sinistralidade em metade até 2005",
salienta o professor do Técnico.
Todavia, Valadares Tavares - que também está a estudar a
revisão da lei das empreitadas e concursos públicos - não
se fica pela defesa do agravamento da punição das empresas
prevaricadoras. Ele argumenta, fazendo uso da "teoria do pau e
da cenoura", que os cumpridores devem ser premiados e reconhecidos
pelo Estado: "Todos os anos deviam ser distinguidos os donos de
obra e os empreiteiros com os índices mais baixos de sinistralidade,
numa espécie de quadro de honra, e o prémio poderia ser
comparticipado pelas seguradoras".
Pelo contrário, no caso de se registar um acidente fatal, deveria
ser paga uma quantia "através de um sistema paralelo não
baseado no sistema de indemnizações, mas obedecendo a um
princípio de solidariedade". Quer com isto o professor
dizer que, se um trabalhador morrer no estaleiro, a empresa pode não
ser a responsável, mas deve ser solidária: "Haveria
uma contribuição para esse Fundo de Solidariedade que daria
imediato apoio às vítimas".
Na opinião de Valadares Tavares, o panorama actual "sofre
muito com a máquina da justiça (que fixa as indemnizações
a atribuir às famílias), e com os montantes indemnizatórios
que não têm significado no mercado empresarial".
Por essa razão entende que "os valores das indemnizações
deveriam ser revistos", por serem "muito baixos",
não devendo ser calculados "em função do
salário".
O subinspector-geral do trabalho José Manuel Santos foi o único
elemento do grupo de revisão do Regulamento de Segurança
na Construção que se mostrou "contra os princípios
e a formulação" ideia de Valadares Tavares. "Tenho
reservas quanto a isto. Deveria, antes de mais, mudar-se a lei sobre acidentes
e doenças de trabalho. E penso que não seria positivo estar
a discriminar os trabalhadores da construção dos de outros
sectores".
A comissão ter-se-á manifestado favorável à
antecipação da entrega das indemnizações às
vítimas, isto apesar de já ser possível pedir ao
Ministério Público para "se antecipar esse valor,
de forma provisória, antes da indemnização ser fixada
pelo tribunal", lembra José Manuel Santos.
Acidentes mortais diminuem
Mesmo com os graves incidentes do último Verão, nas vésperas
da inauguração da auto-estrada para o Algarve, em 2002 os
acidentes mortais na construção civil registaram uma baixa
significativa em relação ao ano anterior, acompanhando a
tendência nacional de redução dos sinistros laborais.
Se forem contabilizados todos os sectores, em 2001 morreram 280 pessoas
durante o trabalho, contra 209 no ano passado. Mas apesar da redução
de vítimas, a construção continua, de longe, a liderar
a lista negra.
Sem entrarem em euforias optimistas, até porque a sinistralidade
continua a ser elevada, vários especialistas foram unânimes
em reconhecer ao EXPRESSO que a redução na actividade da
construção terá contribuído para esta quebra.
"Houve um abaixamento no volume de obra", explica o subinspector-geral
do Trabalho. "Mas também tem havido alguns donos de obra
e empreiteiros com mais cuidados em relação à segurança".
José Manuel Santos sublinha ainda que os incidentes em grandes
estaleiros têm vindo a reduzir-se e cita o caso dos estádios
para o europeu de futebol, onde "não tem havido acidentes
graves". Talvez esteja a iniciar-se uma mudança na mentalidade
empresarial, em que "estas questões passaram a ser entendidas
pelas empresas como algo que diz respeito à gestão",
assinala.
José Bispo Lourenço, delegado em Lisboa do Instituto de
Desenvolvimento e Inspecção das Condições
de Trabalho (IDICT), aponta a menor quantidade de obras complexas e o
efeito dissuasor da fiscalização para justificar a queda
na mortalidade. No entanto, afirma, "se há maior preocupação
por parte de grandes empresas, nas pequenas continua a encontrar-se muita
incúria e falta de cultura de segurança".
O secretário-geral do Sindicato da Construção, Obras
Públicas e Serviços Afins (Setaccop) Joaquim Martins, entende
a redução das mortes como uma questão "conjuntural",
a que "não será alheia a redução da
actividade e o facto de haver menos obras com prazos apertados".