Cátia Mateus e Paula R. Santos
A BANDEIRA do «choque tecnológico» está hasteada
e o Governo promete para Junho a criação de mil empregos
nesta área. Mas, numa altura em que a criação de
emprego tecnológico parece ser a prioridade, as opiniões
dos especialistas sobre o impacto que este programa governamental terá
sobre a sociedade são cautelosas. Há quem acredite que o
futuro do país passa por aqui, mas há também quem
alerte para o impacto negativo que o «choque» pode vir a ter
entre os trabalhadores menos qualificados.
António Brandão Ferreira, coordenador do Centro de Investigação
em Inovação Empresarial e do Trabalho, da Faculdade de
Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, acredita
nos bons resultados do plano governamental. Mas salienta a necessidade
de as empresas darem também o seu contributo, investindo fortemente
nesta área.
O especialista explica que «a aposta no emprego mais qualificado
arrasta consigo também um aumento de emprego menos qualificado».
E exemplifica: «Se eu investir num novo laboratório,
vou ter de investir em equipamento, instalações e pessoal
altamente qualificado. E quem faz a manutenção mais simples?
Quem organiza a limpeza? A introdução de dados? Não
é o pessoal altamente qualificado».
Para o investigador, a falta de investimento nesta área será
sinónimo de mais desemprego, pois «as empresas serão
deslocalizadas para outras regiões, com melhores infra-estruturas
humanas e económicas, o que, a nível europeu, são
praticamente todos os países, incluindo os do alargamento recente».
O especialista em sociologia do trabalho, Rui Moura, concorda com o
efeito de «arrasto» que a criação de emprego
tecnológico pode provocar na procura de mão-de-obra não-qualificada.
Contudo, lembra que é fundamental que o Estado estabeleça
um conjunto de «políticas activas que assegurem a coesão
social» a médio e longo prazo. «É essencial
que se invista também na reconversão profissional dos
trabalhadores não-qualificados. Pessoas que hoje estão
na casa dos 30 e possuem baixas qualificações, dentro
de dez anos poderão estar no desemprego se não passarem
por essa reconversão», defende o presidente da Associação
Portuguesa de Sociologia Industrial das Organizações e
do Trabalho.
Uma opinião partilhada pelo economista Eugénio Rosa, que
só admite «resultados palpáveis» do
plano tecnológico se o Governo «adoptar medidas que
aumentem o nível de escolaridade da população empregada
portuguesa». O economista refere que «cerca de 73%
dos trabalhadores portugueses têm o ensino básico ou nem
isso e, a nível de qualificação profissional, apenas
3% participam anualmente em acções de formação,
quando a média na União Europeia é três vezes
superior».
O especialista teme mesmo que o tão propagado plano tecnológico
acabe por «iludir as características do desemprego actual
em Portugal», onde se assiste «à destruição
de postos de trabalho associados a profissões de baixa escolaridade».
«O plano tecnológico não se dirige a estes trabalhadores
- com baixa escolaridade e qualificação profissional -
que estão a ser mais atingidos pelo desemprego em Portugal, esquecendo-os
completamente», remata o economista.
Já Ana Luísa Teixeira, «managing partner»
da empresa de «executive search» MRI World Wide, não
considera que este enfoque que o Governo está a dar ao emprego
tecnológico possa - numa lógica de causa/consequência
- conduzir a um aumento do desemprego nos sectores não-tecnológicos.
A responsável acredita que o plano definido é positivo
e poderá potenciar a criação de novos postos de
trabalho nestas áreas e noutras menos qualificadas.
Semelhante opinião tem Jaime Ferreira da Silva, director da TecMinho,
o centro de inovação da Universidade do Minho. O especialista
defende que «o emprego tecnológico é um indutor
de emprego não-tecnológico». Razão pela
qual acredita que esta medida potenciará a criação
de emprego também em áreas menos especializadas. Até
porque, refere, «a dinâmica de desenvolvimento económico-social
faz-se através de empresas de base tecnológica e não
das outras».
Segundo o Eurostat, a indústria de alta tecnologia emprega apenas
5% da população portuguesa, quando a média da UE
15 é de 11%. Uma percentagem justificada pela carência
de empresas de base tecnológica no país, mas também
pela baixa qualificação académica da população
activa. A mesma população que terá de se qualificar
para receber o «choque tecnológico».
Empresas à margem
AS EMPRESAS portuguesas pouco investem na investigação
e no domínio tecnológico. A principal fatia do investimento
continua a sair dos cofres estatais. «É sobretudo o
Estado português que financia a I&D com 61% do total de investimento,
enquanto que na Europa são sobretudo as empresas que o fazem
(55,8% do investimento). Essa média sobe consideravelmente quando
se trata dos casos norte-americanos (66,2%) ou japonês (72,3%)»,
sublinha o investigador António Brandão Moniz.
Também nas despesas em I&D, Portugal demarca-se, pela negativa,
da tendência verificada nos restantes países da União
Europeia (UE). «Continua a ser o ensino superior o sector que
mais gasta em I&D. Mas a nível europeu, o panorama é
completamente diferente. Assim, em média, na UE quase dois terços
das despesas são realizadas pelas empresas. Esse valor ultrapassa
os 70% nos casos da Suécia, Finlândia, Alemanha ou Irlanda,
ou seja, nos países de maior produtividade industrial»,
aponta o docente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade
Nova de Lisboa.