Marisa Antunes
A crise económica está a afectar as regras de concorrência em todos os sectores, e o do trabalho temporário não é excepção. Amândio da Fonseca, administrador do grupo Egor, um dos maiores na área da consultoria, recrutamento e selecção de recursos humanos, denuncia a violação das regras básicas de ética desta actividade dando como exemplo a colocação dos chamados anúncios-bidon para criar meras bases de dados de candidatos.
O agravamento da crise, segundo as perspectivas para 2009, acaba por ser uma oportunidade para as empresas de trabalho temporário?
O trabalho temporário é dos poucos sectores neste país que floresce. A segurança no trabalho é uma falsa questão. Hoje, a segurança não vem da legislação. Ser-se um bom profissional e investir na sua carreira, essa é a verdadeira segurança no trabalho. As pessoas que defendem a liberalização do despedimento não são monstros. São pessoas que têm a noção de que as empresas para sobreviver devem ter determinadas condições. Se um indivíduo que é efectivamente incompetente e que não se ajusta à organização não aceitar sair, torna-se um peso-morto.
Algo que não sucede com os trabalhadores temporários pois são facilmente dispensáveis… É isso?
Quem ganha com esta situação legislativa são, de facto, as empresas do trabalho temporário, que conseguem garantir às empresas profissionais que não ficam para toda a vida. O trabalho temporário nunca desaparecerá. Toda a Europa social seguiu os princípios políticos do Bismarck, onde se impôs que houvesse protecção ao trabalhador. Mas foi-se caminhando para o exagero. Veja-se o caso da Suécia que caíu no excesso de benefícios e teve de começar a cortar para sobreviver. Com a actual crise financeira, muitas empresas estão a ir ao fundo devido a tantas restrições. Isto acontece porque elas não conseguem aligeirar os seus custos.
E quais são os impactos mais negativos desta crise para o vosso sector?
As épocas de crise e de dificuldades prestam-se bem à concorrência desleal e ao abrandamento das éticas. A consultoria de Recursos Humanos (RH) é muito atreita a este tipo de situações na medida em que é muito fácil um antigo quadro superior de uma empresa de RH, em fim de carreira, fazer trabalho de «executive search», com procedimentos pouco éticos.
Mas de que forma?
Há empresas e indivíduos a actuarem neste momento no mercado sem muita ética. Seja em relação aos candidatos, seja em relação às próprias empresas clientes. A fazerem por exemplo, comércio de currículos. Ou seja, publicam imensos anúncios, a que os franceses chamam de anúncios-bidon, que não têm nenhum projecto por detrás e são colocados com o único propósito de constituir bases de dados. O candidato que confiou numa determinada perspectiva de trabalho, nem tem a noção que o seu currículo anda a circular pelo mercado sem o seu conhecimento e com os eventuais perigos que daí resultam em relação à confidencialidade que o CV deve merecer.
E como podem os candidatos detectar esses “anúncios-bidon”?
Por regra, são anúncios generalistas, que não estão identificados e com ofertas excelentes, muito bem maquilhados para atrair o maior número de candidatos. Caso desconfiem e para evitar cair neste tipo de alegadas ofertas de trabalho, os candidatos devem insistir na apresentação do seu currículo pessoalmente na empresa e questionar que tipo de cliente está por detrás do anúncio.
Esta é uma das perversidades do desemprego. As pessoas estão desesperadas e respondem a todo o tipo de anúncios…
Uma das razões estruturais do desemprego assenta no tipo de ensino que temos em Portugal. É mau. Os alunos procuram as áreas de Letras e Ciências Sociais e têm aversão a Matemática. O processo normal seria que a educação vocacional dos jovens fosse feita nos liceus. Mas ninguém os ajuda a fazer escolhas racionais e maduras como acontece nos outros países da União Europeia. Como se pode esperar que um jovem com o 9º ano tenha maturidade para decidir como vai ser o seu futuro profissional?
Restringir as vagas ou mesmo abolir determinados cursos sem saídas profissionais poderia ser uma solução?
Isso não resulta. Basta ver o que tem acontecido nos últimos anos. Faculdades privadas, com propinas caríssimas continuaram a abrir cursos sem a menor utilidade e muitos desses licenciados acabam a colar etiquetas nos supermercados. Isto resolvia-se tornando mais selectivo o ensino superior. Ainda assim, e gradualmente o sistema está a adoptar barreiras selectivas para que o investimento no ensino superior não seja desperdiçado por maus alunos. E as pessoas também já estão a alterar a sua mentalidade e a descobrir que os profissionais técnicos ganham mais do que muitos doutores.
Nesta classe de profissionais quais são os mais procurados?
Por exemplo, os bate-chapas, os electricistas, os pintores de automóveis. Vemo-nos aflitos para arranjar estas pessoas. Até porque muitos deles vão para a Europa onde são muito bem pagos.
E quais são aqueles com mais dificuldade de se encaixarem no mercado?
Olhe, os licenciados em comunicação social, por exemplo. E os que se tornaram já clássicos ao nível do desemprego: licenciados em direito, psicologia, sociologia, letras, as áreas de ciências sociais no geral. E as pessoas recém-licenciadas estão desesperadas e a responder a tudo o que é anúncio. Até para cargos de direcção se vê respostas de quem acabou há bem pouco tempo a licenciatura. Às vezes detectamos o mesmo candidato a responder a vários anúncios de diferentes funções, mesmo sem ter qualificações para aqueles cargos.